terça-feira, 7 de julho de 2009

Sheik queria dormir...

Miltinho, Marcela, Sheik


Pai e Sheik: melhores amigo

Sheik, Pai e Miltinho (com o dedo no nariz)

"Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme , num chiqueiro enorme. O mundo ficaria cheio de preás, gordos, enormes."
(Graciliano Ramos - Vidas Secas).

Hoje é um dia triste.

Quando as pessoas dizem que a dor de um amor pode ser curada com outro amor, não deixa de ser uma verdade. Conhecemos o Sheik no finzinho de 2001. Morávamos em São Paulo, no bairro jardim Apruá, pertencente à região de Santo Amaro, na capital. Meu pai estava voltando do trabalho quando deparou-se com um acidente de carro, e num lapso de segundo, olhando em volta, observou o cãozinho desnorteado que saíra de perto dos donos "acidentados", correndo o risco de ser atropelado a qualquer momento. Tratava-se de um filhotinho. Um vira-latas, que com o tempo tornaría-se um arredio e bipolar lobo do mato da cara preta.

Meu pai o trouxe para casa e o batizamos de Sheik. Há poucos meses meu outro cachorro, o Rabito, havia morrido de câncer....foi o meu primeiro cachorro; meu pai o ganhou em 1992 quando tinha apenas 6 anos...era muito apegada a ele, embora sempre tenha sido uma medrosa em se tratando de animais e por isso, demonstrava pouco afeto. Vi o rabito morrer. Ele morreu nos nossos braços, antes d'eu sair de casa para o Ballet. De madrugada, naquele dia, levantou-se com muito custo para despedir-se do meu pai. Ao chegar do trabalho, meu pai, o enterrou em nosso "quintal" e chorou pela primeira vez. (desde 1985....quando nascí).

Meu pai é uma pessoa boa porque os animais gostam dele....(da minha mãe nem tanto...rsrs).

O Sheik foi o amor que curou a saudade que tínhamos do Rabito. E aos poucos foi motrando as suas particularidades. No começo éramos mais próximos; até o dia em que ele tentou me morder, já aqui em Minas....eu sou muito medrosa e fico traumatizada com facilidade em se tratando de cães: desde então nunca mais tivemos o mesmo contato - este que se baseava, da minha parte, a rápidas visitas diárias quando ia usar o nosso computador que fica na parte de cima de casa...(no território do Sheik). Ele fazia guarda em frente a sala do computador. Pedia licença, ele saia; na saída , a mesma coisa. Nas noites de chuva e de festas ou jogos de futebol...quando as pessoas usavam aqueles fogos de artífico, com medo, Sheik entrava no "quartinho" e ficava junto a mim. Também nos dias em que estava triste....que eu chorava...ele estava por perto. Às vezes conversávamos...mas nada demais. Conheceu meus amigos, meus primos, meus ex´s namorados, tornando-se amigo do último deles, já no fim da relação. Era o típico cachorro mineiro desconfiado, que nunca sabíamos ao certo se ele gostava ou não de nós....já mordeu minha mãe duas vezes....já tentou me morder uma vez...e, só respeitava mesmo o meu pai, seu grande "amor".

Meu pai tem um pequeno sítio em construção, no município de Teixeiras; e um fusquinha branco. Ele tirou o banco de passageiros e colocou, em seu lugar, um caixote para o Sheik. Sim leitores, a vida do meu pai, e do Sheik, eram as idas e vindas da roça...no fusquinha branco e seu caixote. Não há ninguém dessa região que já não tenha visto o "velhinho" do fusca branco e seu cachorro encaixotado. A ligação entre os dois era fantástica. Quando meu pai viajava, ou saia sem o Sheik, este uivava, chorava, deprimia-se de tal forma que mais parecia uma criança birrenta...

Também quando meu pai chegava em casa, ou melhor, quando ainda faltavam minutos para ele chegar em casa, Sheik já anunciava a sua presença aos saltos e latidos....era como um filhinho.

Nunca vi uma amizade tão sincera, o que torna a dor da perda mais triste. Meu pai está desolado.

Minha mãe era quem cuidava dele na prática; meu pai era quem o aproveitava mais. Minha mãe fazia a sua comida (pescoço...), banhava-o, brigava com ele quando este comia suas plantas. Também está chorando como uma criança.

Sheik gostava da roça do meu pai; e sobretudo, do meu pai. Era um cachorro bobo, parecia uma criança dessas mais bestas.

Resolveu "namorar" uma cadela, a Dalila; Sansão , outro cachorro muito maior que ele, viu e junto de outro cachorro partiram para cima dele....meu pai, nesse momento, não estava perto. Só sei que Sheik teve seu pulmão perfurado nesta briga (o que descobrimos hoje); meu pai tentou cuidar dele, em casa, mas foi em vão.

Nesta madrugada, ouvindo seu choro, acordei várias vezes. De manhã meu pai o levou ao veterinário e então ele se foi...queria muito dormir, o folgado, como a Baleia de Graciliano Ramos. Meu pai ainda nos conta que há dias sonhou com uma borboleta negra, enorme; Sheik correndo atrás da borboleta...e meu pai gritando "pára com isso Sheik! pára com isso!". (ainda não sou adepta à reforma ortográfica leitores, perdão...)

Enfim...Sheik foi mais rápido e alcançou a borboleta. Vai acordar, daqui a pouco...num céu cheio de amigos, Dalilas e Sansões; um céu parecido com a roça que meu pai construiu para ele, com um caixotinho, um fusquinha branco, pedaços de "pescoço", ranção, leite, mocotó com manga (essa história foi engraçada), muitas canelas para serem mordidas e muros extremamente altos para serem saltados à la canguru....

Vai dormir lobinho do mato...sentiremos saudades. O céu dos cachorros é o mesmo dos humanos, só pode; não há quase diferença alguma entre as nossas espécies, a menos, claro, a facilidade que os caezinhos têm de perdoar. Após levarem uma surra, voltam perto de seus donos balançando o rabinho com um olhar "pedão"...não precisam de explicações, justificativas, palavras...etc......perdoam e são perdoados apenas com o olhar (nós não...já estamos articulando um plano, aqui em casa, para matar o Sansão com Chumbinho....).

Não conheço nenhum humano com tamanha humildade.


8 comentários:

  1. Amanda,
    Sinto muito pelo Sheik, já passei por isso uma vez, minha cachorrinha de 15 anos morreu. Sempre nos lembramos dela, ela tem muitas histórias engraças e quem sabe um dia se eu fizer o meu sonhado blog conto algumas das nossas histórias. Hoje tenho um novo cachorro, o Barui, nosso amiguinho, seu conhecido. Quando ficar triste se quiser pode vim aqui brincar com ele de pique esconde... ele é fera nisso

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  5. Ai, que chato, Amanda...
    Também tivemos um cachorro, coincidentemente um Sheik também e a sua partida foi traumatizante.
    É como perder alguém da família e entendo que vocês estejam tão tristes...
    Força aí.
    Beijo.

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  6. Eu sempre venho ver seu blog... adoro ler as coisas quevc escreve

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  7. Podexar que eu vou ver o telefone de onde tem cachorrinho p/ adotar =))

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  8. Muito tocante,

    somos espécies distintas apenas na capacidade de perdoar... o nosso céu é o mesmo.

    parabéns...

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