segunda-feira, 26 de julho de 2010

O Caderno Sem Pauta.


"She left her mark
Indelible
Oh the nature of her scripted verse
Keeps my eyes
Set on the page
And it says..."
(Keep me in mind - Little Joy).
- Não há motivo pra eu aprofundar no Direito...Ciências Contábeis? – disse uma moça, a caminho da rodoviária.

Chega o ônibus.

Um rapaz extremamente interessante surge no meu campo de visão, correndo desesperadamente em nossa direção, minha, do ônibus e da moça cujas dúvidas profissionais não a deixavam dormir....

Com pena, faço com que o motorista espere pelo rapaz, este que me agradece, embora eu não vire para trás para lhe dizer qualquer coisa. Já sentada, observo-o silenciosamente; ele se aproxima e senta perto de mim.

Tentava me olhar, o rapaz, mas eu não o correspondi; apenas lhe dei parte da minha visão periférica, e um sorriso pela metade, por achar a situação engraçada.

Ao descer, me cumprimenta :
- Boa Noite...e obrigada!
Lindo; fico feliz por ter sido também notada, ainda que minha mente estivesse bem longe daquele espaço, instante, “boa noite”.

Mas era mesmo interessante, o rapaz.

Algumas horas antes, descendo a reta da UFV, me deparei com um dos anjos da guarda de butequim que ora ou outra a vida insiste me apresentar. Um pouco antes desse incidente, alguns minutos antes, havia sido presenteada com um livro de poesia, sem pauta, o que me fez então, naquele minuto posterior, recordar o já velho diálogo com o tal anjo que me socorreu no mês de março de 2009, no café de uma livraria.

Meu namoro havia terminado algumas semanas antes. Comprei um caderno com uma arte interessante naquele dia e, num café, conversando com um amigo do meu ex, narro-lhe a minha desventura pessoal, quase aos prantos, o que chamou a atenção desse homem de óculos, 35 anos, estatura média, cabelos um pouco longos, pretos, olhos pretos, pele clara, acompanhado por uma mulher da mesma idade e tão interessante quanto.

- Nossa...que arte linda!! Adorei o seu caderno...aonde você o comprou? – puxou assunto, o anjo.
- Pena que tem pautas!! Poderia não tê-las, você sabe: aonde você comprou não havia algum outro, com a mesma arte, mas sem pautas?
- Não....
- Pois é moça...mas lembre-se de uma coisa: Para que pautas??? Viva a sua vida sem pautas daqui para frente...viu? A vida não precisa de pautas.....

Depois dessa conversa, muitas coisas me aconteceram: conheci muitas pessoas, fiz muitas amigas; uni alguns casais...como L. e M. que iniciaram um namoro ontem, à luz da benção de Madre Teresa que ora ou outra ínsito em ser, em se tratando de relacionamentos amorosos; pois é, estão namorando, graças a minha intervensão.

Desuni alguns outros tantos casais, paradoxalmente; alguns desses, o fiz para que se unissem novamente, num futuro concreto.

Hoje me lembrei de A.

A foi a primeira pessoa com quem realmente fiquei após o término do meu namoro. Não tínhamos afinidade alguma, apenas sintonia: ele havia acabado de terminar um namoro, de maneira não menos trágica que a minha. O que nos unia era o nosso sentimento de perda e desconsolo.

A não gostava de mim; mas ele via em mim aquilo que lhe fazia lembrar de M. M era o amor da vida de A. E era como eu: legal, temperamental, com um bom gosto para livros, músicas, e também jogava Tarô, além de lindíssima e charmosa.

Ficamos juntos dois meses, quando a coisa termina por si só. Na verdade, chegamos a sair algumas vezes apenas. Tempos depois, descubro que A. havia se casado com M. ; Tempos ainda depois, corajosamente, numa festa, eu quis me apresentar a M.

Naquele momento, na tal festa, pude perceber que M. é uma fofa, o que apreciei ainda mais na menina, esta que já admirava pelo fato de que ela sabe escrever super bem.
É porque M. tem um Blog, fantástico, do qual sou seguidora há meses, só que ocultamente.

M. faz Direito, como a moça do início desse texto; a diferença é que M. não tem dúvidas sobre a sua vocação, acredito.

Dúvidas e Pautas.

Há tempos que me deixei levar pela filosofia do caderno sem pauta, e apesar das angustiantes dúvidas a respeito do amanhã, tenho tentado não pensar nisso, vivendo, assim, meu presente de modo intenso e despautado.

Quero um mestrado...mas não me pressiono.

Quero um pai para os meus três filhos..mas não o procuro.

Quero que minha vida dê um romance moderno...mas não comecei a escrevê-lo, porque faltam-me desfechos, e desfechos são pautas, e pautas não me servem mais.

Desisti do romance. Por hora.

Entretanto, há tempos tenho vivido um também romance, só que despautado: este romance muito me fez bem, embora já tenha me feito o suficiente mal. Uma pessoa incrível, cuja oportunidade de conhecê-lo em meio ao caos universal foi de fato uma dádiva, se não coisa do destino: somos muito parecidos, porém não iguais...

O fato é que hoje, com todos esses encontros esquivados, tive a certeza de que só pude viver esse romance despautado após ter conhecido aquele homem no café da livraria e sua filosofia tão instigante. Me foi preciso abdicar de uma série de pautas e só assim pude deixar que esta pessoa de quem vos falo realmente se aproximasse da minha vida e da minha história, tornando-se um capítulo tão bonito do meu romance moderno sem desfecho.

O não desfecho das coisas me angustia, porque me seduz e me faz almejar uma pequena linha pautada que fosse; uma pequena certeza de reencontro e de que as coisas pudessem ser diferentes num futuro concreto – além do abstrato, em que tudo já me é perfeito....

Vontade de esperar...de ter fé em qualquer coisa. De confiar nos reencontros não causais.

O problema é que após tantas desconstruções, realmente aderi à filosofia despautada e não consigo mais reverter tamanha racionalidade – o que hoje me machuca agudamente.

É preciso que eu perca essa pessoa, que tanto me fez bem, que tanto me fez mal, que tanto me fez; é preciso não esperar nada...não programar nada...não converter a escrita que se tem, poesia torta em versos livres e brancos, numa prosa pautada no destino que mal sabemos se é real.

É preciso que eu reencontre o rapaz cujo ônibus compartilhamos por alguns minutos. Para que troquemos telefone.

Para que eu descubra que ele também acabou de perder a mulher de sua vida...(até ele descobrir que eu sou a mulher de sua vida...)

É preciso que eu me apaixone por esse rapaz, e ele por mim, na mesma intensidade e proporção, para que enfim possamos juntos esquecer os nossos romances sem pauta, transformando-os em amigos e futuros rivais de nós mesmos, ampliando assim o nosso histórico de relacionamentos funestos e mal resolvidos.

Repito: é preciso que gostemos um do outro, na mesma intensidade e proporção - principalmente - para não sofrer tanto com o fim, se ele chegar.

Para não duvidarmos do sentimento do outro; sempre insuficiente.

Não há como dizer o que será, porque se me limitasse a fazê-lo, estaria automaticamente tecendo uma linha pautada em dúvida.

A única certeza que se tem é o fim.

Entretanto, uma amiga que muito amo, outro anjo, só não de butequim, disse-me uma vez que é preciso se ter cuidado com aquilo que muito desejamos, que desejamos com a alma; porque pode ser que se realize...(lembro-me nesse momento de sua expressão, que me dava a entender uma espécie de...''E se der certo? Vai fazer o que com o certo? Já pensou nisso?).
"O certo também é perigoso, Amanda. Temos medo do certo." - ela me disse.

Acredito, apesar da falta de pauta que o momento sugere, na fala materna dessa amiga que tanto me amou; cuja vida foi também despautada a partir de uma série de perdas...(seu marido faleceu com uma bala perdida...).

Também acredito que meu anjo de butequim, o da filosofia que descrevo aqui, tenha secretamente o desejo de ser pauta de alguém, ou da história de alguém. Já se passou mais de um ano, após o nosso diálogo, e pode ser que ele tenha conseguido o desfecho que na época não procurava.

Em breve me despedirei da atual personagem dos meus textos bons, e vou tentar fazer com que seja uma despedida eterna...deixando a mercê da vida e das coincidências boas o que tiver de ser.

Tentarei não me render à comodidade dos cadernos com pauta.

Meu romance in média rés, despautado, merece um final à altura: dramático, porém casual e inesquecível.

Inesquecível até o dia em que eu reencontrar o rapaz do ônibus, o que provavelmente se dará no mês de agosto, tenho certeza.

- É Amanda...você se traiu:A certeza já é uma pauta - observou um leitor atento...

Odeio despedidas.

Mas as odeio porque as pautei num complexo de dor e lágrima; eternidade.

É preciso despautar também as despedidas, para que estas sejam livres e gratuitas; para que possam escolher entre poesia e prosa, sem a limitação da certeza, da espera, do futuro ou do nunca mais.

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