*A sombra de um sonho. Foto de Isabel Nunes.
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Sobre Felicidade.
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Estava em Buenos Aires. Por que? Porque era um sonho e sou o tipo de pessoa cuja ideia de morte me faz muito caso, isto é, tento estar preparada para o dia que a moça de capuz (porque é uma moça, certamente, e de capuz) bater a minha porta). Não tinha dinheiro, porém não queria mais esperar para realizar o sonho de passar um mês em terras estrangeiras, estudando espanhol, conhecendo pessoas e, ainda que por "boludice" da minha parte não tenha ido à casa Borges, fui à casa Gardel e já me foi o suficiente para as recordações de uma vida. Aos poucos postarei algumas fotos, mas o fato é que este post de abertura do terceiro ano do nosso Sofia de Buteco não é especificamente sobre Buenos Aires, mas sim sobre a tal da felicidade, a inexistência dela, exceto em pequenos momentos quase despistados, singelos, como ratinhos que se escondem de nossas miradas durante o dia para fazerem-se donos de nós mesmos ao longo da noite. Não vou bancar a estrangeira, mas, depois de um mês tentando escrever apenas em espanhol, sinto um desconforto com minha própria língua, o que é natural, afinal de contas: todas são línguas, mas cada uma delas com suas devidas particularidades...ora mais charmosas, oras menos, por isso perdoem-me, novos leitores!
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Não sei quando fui fisgada - por aquela cidade. Não fui à "naturaleza", não escalei montanhas, não conheci à Patagônia. Certo dia, sentei-me sozinha num café, o "Café del Árbol", em San Telmo, pedi um litro de Quilmes e três empanadas - todas as três de carne, minhas preferidas. Perto de mim havia um grupo de jazz, na praça que reúne todos os cafés, e, um pouco mais ao longe, um rapaz com uma flauta. Uma espécie de bicho grilo porteño pediu para que compartilhássemos a mesa, não o impedi, conversamos em meu escasso portuñol...até que se deu conta de que não lhe pagaria bebida alguma e tampouco iria para a cama com ele. Havia também um lindo garçom , quiçá flertando comigo, quiçá não, e, o mais importante, senão essencial: árvores por todos os cantos, pessoas de todos os cantos do globo....e tango em todos os cantos da praça (porque era uma praça que tinha cantos, leitores, não me questionem).
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E foi ali, sozinha, sem minhas amigas holandesas e meus amigos brasileiros, venezuelanos, porteños, alemães, norte americanos, que senti pela primeira vez em muito tempo o tocar da felicidade em minha vida. Fora tão fugaz como uma folha de árvore que nos acaricia as costas delicadamente e depois se esvai com o vento, mas - a sensação de liberdade, de se estar só no mundo sem dever nada a ninguém , de poder escolher aonde ir, a que hora chegar...a quem compartilhar a vida....a vida que não passa de um momento e uma empanada....observar o pequeno universo ao meu redor e perceber que Deus também existe ali, quando criou a torre de babel obrigando-nos a nos adentrar pela cultura do outro a fim de lhes tocar a vida por curiosidade, a alma - isso é felicidade. Sentar num café, pedir uma cerveja com três empanadas de carne, seja em Buenos Aires, seja em Viçosa, seja na Rocinha, seja no "Buteco" do zé (o que fica ao lado da minha casa).
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Estou completamente apaixonada por Buenos Aires, como uma criança que nunca viu o mar. Aliás, nunca me interessei pelo mar - nunca soube nadar. Há pouco, fui a Miraí passar o carnaval com amigos e eis que me sucede o desastre: a cachoeira....tenho medo de água. Não tenho medo da morte, mas tenho medo de morrer afogada e sim, não é necessário nadar em cachoeiras, mas a sensação é a mesma de estar próxima a um abismo aquático infindo.
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O bem mais valioso que trouxe de Buenos Aires, além dos amigos, foi a língua. Do pouco que aprendi, como uma preciosista, quero conservá-lo, quero que não se estrague, como uma série de conchinhas que guardamos numa dessas caixas de avó até que o tempo nos faça adultos. Quero estudar. Quero ter um espanhol fluente, não por outrem, senão por mim mesma quem me apaixonei profundamente por esta língua, esta cultura, literatura e por aquela gente....
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Uma gente que sai às ruas de segunda a segunda protestando por suas vidas...pelo preço do metrô, pelo direito de ser um "mantero", pelo direito de não ter os seus filhos mortos por policiais em uma passeata - isto em frente da imponente Casa Rosada do Governo "Peron"....a casa que devo ter visitado cinco mil vezes devido a falta nata de referência que tenho pras coisas práticas (em qualquer parte do mundo...).
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Cheguei ao Brasil e decidi morar sozinha. Em república. Mas que trabalho isso tem me dado.....Também comecei um relacionamento sério, sim , um namoro - mas já sinto o prelúdio do trabalho que isso nos dará. É uma pessoa ótima...talvez a melhor que já tenha conhecido. O mestrado inicia e já sinto nas vertebras, no intestino, nas articulações, no estômago, em todas as partes do corpo o trabalho que isso também dará. Hoje tenho diarréia e vômito; ontem, dor de cabeça; antes de ontem, febre....e por aí vai minha primeira semana de mestranda! E por fim, a escolha, a tal de ecolha: manter tudo isso ou jogar todas las cosas por terra, a fim da tal felicidade?
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(telefone)
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(era a minha chefe que quase por equívoco me demitiu por ser - o meu nome - tão trivial).
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Sou ninguém.
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O que é felicidade?
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Para mim, depois de tanta procura....descobri como numa revelação biblíca, epifânica, ser nada mais que um conjunto de árvores numa praça, com uma série de artistas-pedintes-de rua, pessoas de todos os cantos...e eu, sozinha, imersa em meus devaneios, bebendo um litro de Quilmes - mas poderia ser água ou Brahma - e três empanadas de carne - que poderiam ser coxinhas ou kibes.
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Felicidade pra mim é estar só. É ter alguém a quem amar, mas poder estar só, ao mesmo tempo. É ser respeitada. É ter um "bom dia!" retribuído ao invés de ser tratada com um número numa empresa.
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(Pausa para o banheiro).
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Eu me demitiria de partes da minha vida, caso não necessitasse tanto delas nesse momento.
Estamos de volta!
Bom dia!
(e desculpem o vocabulário escasso)
OBS: O layout terrível será mudado no mês de maio, quando completarmos 3 anos de Sofia de Buteco!
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Não sei quando fui fisgada - por aquela cidade. Não fui à "naturaleza", não escalei montanhas, não conheci à Patagônia. Certo dia, sentei-me sozinha num café, o "Café del Árbol", em San Telmo, pedi um litro de Quilmes e três empanadas - todas as três de carne, minhas preferidas. Perto de mim havia um grupo de jazz, na praça que reúne todos os cafés, e, um pouco mais ao longe, um rapaz com uma flauta. Uma espécie de bicho grilo porteño pediu para que compartilhássemos a mesa, não o impedi, conversamos em meu escasso portuñol...até que se deu conta de que não lhe pagaria bebida alguma e tampouco iria para a cama com ele. Havia também um lindo garçom , quiçá flertando comigo, quiçá não, e, o mais importante, senão essencial: árvores por todos os cantos, pessoas de todos os cantos do globo....e tango em todos os cantos da praça (porque era uma praça que tinha cantos, leitores, não me questionem).
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E foi ali, sozinha, sem minhas amigas holandesas e meus amigos brasileiros, venezuelanos, porteños, alemães, norte americanos, que senti pela primeira vez em muito tempo o tocar da felicidade em minha vida. Fora tão fugaz como uma folha de árvore que nos acaricia as costas delicadamente e depois se esvai com o vento, mas - a sensação de liberdade, de se estar só no mundo sem dever nada a ninguém , de poder escolher aonde ir, a que hora chegar...a quem compartilhar a vida....a vida que não passa de um momento e uma empanada....observar o pequeno universo ao meu redor e perceber que Deus também existe ali, quando criou a torre de babel obrigando-nos a nos adentrar pela cultura do outro a fim de lhes tocar a vida por curiosidade, a alma - isso é felicidade. Sentar num café, pedir uma cerveja com três empanadas de carne, seja em Buenos Aires, seja em Viçosa, seja na Rocinha, seja no "Buteco" do zé (o que fica ao lado da minha casa).
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Estou completamente apaixonada por Buenos Aires, como uma criança que nunca viu o mar. Aliás, nunca me interessei pelo mar - nunca soube nadar. Há pouco, fui a Miraí passar o carnaval com amigos e eis que me sucede o desastre: a cachoeira....tenho medo de água. Não tenho medo da morte, mas tenho medo de morrer afogada e sim, não é necessário nadar em cachoeiras, mas a sensação é a mesma de estar próxima a um abismo aquático infindo.
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O bem mais valioso que trouxe de Buenos Aires, além dos amigos, foi a língua. Do pouco que aprendi, como uma preciosista, quero conservá-lo, quero que não se estrague, como uma série de conchinhas que guardamos numa dessas caixas de avó até que o tempo nos faça adultos. Quero estudar. Quero ter um espanhol fluente, não por outrem, senão por mim mesma quem me apaixonei profundamente por esta língua, esta cultura, literatura e por aquela gente....
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Uma gente que sai às ruas de segunda a segunda protestando por suas vidas...pelo preço do metrô, pelo direito de ser um "mantero", pelo direito de não ter os seus filhos mortos por policiais em uma passeata - isto em frente da imponente Casa Rosada do Governo "Peron"....a casa que devo ter visitado cinco mil vezes devido a falta nata de referência que tenho pras coisas práticas (em qualquer parte do mundo...).
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Cheguei ao Brasil e decidi morar sozinha. Em república. Mas que trabalho isso tem me dado.....Também comecei um relacionamento sério, sim , um namoro - mas já sinto o prelúdio do trabalho que isso nos dará. É uma pessoa ótima...talvez a melhor que já tenha conhecido. O mestrado inicia e já sinto nas vertebras, no intestino, nas articulações, no estômago, em todas as partes do corpo o trabalho que isso também dará. Hoje tenho diarréia e vômito; ontem, dor de cabeça; antes de ontem, febre....e por aí vai minha primeira semana de mestranda! E por fim, a escolha, a tal de ecolha: manter tudo isso ou jogar todas las cosas por terra, a fim da tal felicidade?
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(telefone)
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(era a minha chefe que quase por equívoco me demitiu por ser - o meu nome - tão trivial).
...
Sou ninguém.
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O que é felicidade?
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Para mim, depois de tanta procura....descobri como numa revelação biblíca, epifânica, ser nada mais que um conjunto de árvores numa praça, com uma série de artistas-pedintes-de rua, pessoas de todos os cantos...e eu, sozinha, imersa em meus devaneios, bebendo um litro de Quilmes - mas poderia ser água ou Brahma - e três empanadas de carne - que poderiam ser coxinhas ou kibes.
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Felicidade pra mim é estar só. É ter alguém a quem amar, mas poder estar só, ao mesmo tempo. É ser respeitada. É ter um "bom dia!" retribuído ao invés de ser tratada com um número numa empresa.
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(Pausa para o banheiro).
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Eu me demitiria de partes da minha vida, caso não necessitasse tanto delas nesse momento.
...e viveria de amor, cafés e árvores.
...Estamos de volta!
Bom dia!
(e desculpem o vocabulário escasso)
OBS: O layout terrível será mudado no mês de maio, quando completarmos 3 anos de Sofia de Buteco!
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