A Matilde.
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Não foi o caso de um encontro marcado, mas lá estávamos ambas no mesmo chão. Era tarde de maio, mês das noivas, e antes de que me dissesse qualquer coisa, pensei no quanto sofria, ainda que fosse de alegria, o fado, como é o coração das mães essencialmente mulheres.
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Quando conheci a noiva, e a mãe da noiva, tinha apenas 18 anos. Irritava-me uma série de coisas naquela época, como por exemplo, o estreito corredor que separava nossas vozes e vidas, sempre captadas pela curiosidade e silêncio alheio. Tenho medo de que cuidem do que só a mim interessa, e é por isso que não me dou o trabalho de ser discreta: peco pelo excesso e sempre foi assim, desde que nos mudamos e encontramos-nos vizinhas. De lá ou de cá, um corredor e um susto, sempre a leitura do outro a partir do que se escuta pela metade no pequeno espaço - a fronteira do portão.
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Havia uma foto da noiva no mural, quando inventamos nossa amizade. A noiva não era noiva, ainda, mas eu já era avessa à casamento. A loira, a morena e eu - nem parda nem negra, talvez amarela pela falta de sol. Loira é a noiva. Vivi. Bonita e doce, como as mulheres Viçosenses. Um dia escutei uma voz vinda de não sei onde, a que me habitou por segundos dizendo como se fosse Antônio, o santo: - Viviane vai se casar antes de você. Antes de você Viviane vai se casar. Casar-se-á Viviane, antes de você. Estranho foi o momento epifânico. Viviane não namorava, na verdade nunca o fizera, e passávamos longos momentos rindo da nossa falta de sorte pra essas coisas tão doces (porque eu havia terminado o namoro na mesma época).
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Mas foi tão precisa minha intuição que não me espantei quando no mesmo dia, do lado de lá, uma criatura interessante disse-nos com certo despeito: - Viviane está namorando um rapaz. Eu, também profetiza naquilo que não me compete, disse: - Pois eu te garanto: ela vai se casar com ele, e eu sei porque senti isso hoje de manhã, quando olhava uma foto dela.
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"Viviane vai se casar antes de você" - disse a voz, fazendo-me crer, se não fosse meu desatino, que o aviso também era pra mim, que me casarei logo depois de minha querida amiga-vizinha-Vi. Mas já não creio em tudo o que escuto do além-fronteira. Só os vivos me interessam desde então.
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Pois bem. Na tarde de hoje, quando chegava de qualquer lugar, deparei-me com tal mulher fumando um cigarro em frente à porta de sua casa. Aquela cena quebrou-me o coração de tal forma, que ofereci-me para fumar a seu lado, eu que nunca fizera isso nesses sete anos de vida compartilhada.
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- Ela não está nervosa. Mas eu acordei com a cara vermelha, cheia de manchas...o pai? rs... Sei que ele é um bom moço, que a ama, e é dos nossos, simples como a gente.
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Cortou-me o coração. Não sei bem o que, se foi o "simples como a gente" , "dos nossos", ou a falta de jeito do pai que estaria por perder a filha e ganhar um genro, alguns netos, pequenas discórdias diárias e uma felicidade tão grande, ao mesmo tempo, dessas que só a simplicidade é capaz de trazer. Imaginei a sensação do encontro, o pai da noiva diante do genro, entregando-lhe a filha-única no altar, loira, linda, doce - enquanto a mãe, em lágrimas, recordava o momento do parto e a dor.
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Porque amor é também dor.
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Minha vontade foi de abraçá-la, como se fosse minha mãe, mas não o fiz por medo e excesso de espelho: gosto de observar de longe o amor que une as filhas às mães, corredor tão estreito, da espessura de um cordão umbilical, invisível e eterno.
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- Eu não esperava que ela fosse se casar....engraçado, né? - disse a mãe, com medo da felicidade.
- Pois é, eu esperava, ela te contou? - disse orgulhosa, aludindo ao estranho episódio da foto do mural, o que ficava na parede do meu quarto anos atrás.
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A casa da noiva é linda. Enquanto visitava-a, na ausência da protagonista, eu, figurante, recebi a deixa que já esperava, com certo mal estar...
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- E você, Amanda? Quando vai casar?
- Eu? ahh...Matilde.... (encenei um bocejo para ganhar tempo) .... eu acho que não caso não, viu? (fiz um riso forçado suplicando desconversa)...vá saber?
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Havia um pingïm sobre a geladeira. Pinguins me lembram qualquer coisa de amor eterno, visto que instintivamente tais animais, ou certas espécies destes, mantém o mesmo parceiro ao longo de toda vida. Gosto de pensar nisso, às vezes.
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Que seja eterno o amor da noiva para com o noivo, e vice versa. Que seja doce, o amor, e a frutificação que há de se ter a partir do encontro, quase nunca marcado, mas que ocorre aos seres iluminados e escolhidos pelo acaso. Que a felicidade seja eterna e tão grande como o coração da mãe da noiva, sem fronteira ou corredor; que seja feliz a mãe da noiva, e forte suficiente para suportar a dor da perda, perda que vai para produzir ganho, como acontece aos homens e pingüins. Áqueles por escolha, e a estes por sorte.
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Felicidade!
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Quando conheci a noiva, e a mãe da noiva, tinha apenas 18 anos. Irritava-me uma série de coisas naquela época, como por exemplo, o estreito corredor que separava nossas vozes e vidas, sempre captadas pela curiosidade e silêncio alheio. Tenho medo de que cuidem do que só a mim interessa, e é por isso que não me dou o trabalho de ser discreta: peco pelo excesso e sempre foi assim, desde que nos mudamos e encontramos-nos vizinhas. De lá ou de cá, um corredor e um susto, sempre a leitura do outro a partir do que se escuta pela metade no pequeno espaço - a fronteira do portão.
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Havia uma foto da noiva no mural, quando inventamos nossa amizade. A noiva não era noiva, ainda, mas eu já era avessa à casamento. A loira, a morena e eu - nem parda nem negra, talvez amarela pela falta de sol. Loira é a noiva. Vivi. Bonita e doce, como as mulheres Viçosenses. Um dia escutei uma voz vinda de não sei onde, a que me habitou por segundos dizendo como se fosse Antônio, o santo: - Viviane vai se casar antes de você. Antes de você Viviane vai se casar. Casar-se-á Viviane, antes de você. Estranho foi o momento epifânico. Viviane não namorava, na verdade nunca o fizera, e passávamos longos momentos rindo da nossa falta de sorte pra essas coisas tão doces (porque eu havia terminado o namoro na mesma época).
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Mas foi tão precisa minha intuição que não me espantei quando no mesmo dia, do lado de lá, uma criatura interessante disse-nos com certo despeito: - Viviane está namorando um rapaz. Eu, também profetiza naquilo que não me compete, disse: - Pois eu te garanto: ela vai se casar com ele, e eu sei porque senti isso hoje de manhã, quando olhava uma foto dela.
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"Viviane vai se casar antes de você" - disse a voz, fazendo-me crer, se não fosse meu desatino, que o aviso também era pra mim, que me casarei logo depois de minha querida amiga-vizinha-Vi. Mas já não creio em tudo o que escuto do além-fronteira. Só os vivos me interessam desde então.
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Pois bem. Na tarde de hoje, quando chegava de qualquer lugar, deparei-me com tal mulher fumando um cigarro em frente à porta de sua casa. Aquela cena quebrou-me o coração de tal forma, que ofereci-me para fumar a seu lado, eu que nunca fizera isso nesses sete anos de vida compartilhada.
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- Ela não está nervosa. Mas eu acordei com a cara vermelha, cheia de manchas...o pai? rs... Sei que ele é um bom moço, que a ama, e é dos nossos, simples como a gente.
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Cortou-me o coração. Não sei bem o que, se foi o "simples como a gente" , "dos nossos", ou a falta de jeito do pai que estaria por perder a filha e ganhar um genro, alguns netos, pequenas discórdias diárias e uma felicidade tão grande, ao mesmo tempo, dessas que só a simplicidade é capaz de trazer. Imaginei a sensação do encontro, o pai da noiva diante do genro, entregando-lhe a filha-única no altar, loira, linda, doce - enquanto a mãe, em lágrimas, recordava o momento do parto e a dor.
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Porque amor é também dor.
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Minha vontade foi de abraçá-la, como se fosse minha mãe, mas não o fiz por medo e excesso de espelho: gosto de observar de longe o amor que une as filhas às mães, corredor tão estreito, da espessura de um cordão umbilical, invisível e eterno.
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- Eu não esperava que ela fosse se casar....engraçado, né? - disse a mãe, com medo da felicidade.
- Pois é, eu esperava, ela te contou? - disse orgulhosa, aludindo ao estranho episódio da foto do mural, o que ficava na parede do meu quarto anos atrás.
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A casa da noiva é linda. Enquanto visitava-a, na ausência da protagonista, eu, figurante, recebi a deixa que já esperava, com certo mal estar...
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- E você, Amanda? Quando vai casar?
- Eu? ahh...Matilde.... (encenei um bocejo para ganhar tempo) .... eu acho que não caso não, viu? (fiz um riso forçado suplicando desconversa)...vá saber?
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Havia um pingïm sobre a geladeira. Pinguins me lembram qualquer coisa de amor eterno, visto que instintivamente tais animais, ou certas espécies destes, mantém o mesmo parceiro ao longo de toda vida. Gosto de pensar nisso, às vezes.
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Que seja eterno o amor da noiva para com o noivo, e vice versa. Que seja doce, o amor, e a frutificação que há de se ter a partir do encontro, quase nunca marcado, mas que ocorre aos seres iluminados e escolhidos pelo acaso. Que a felicidade seja eterna e tão grande como o coração da mãe da noiva, sem fronteira ou corredor; que seja feliz a mãe da noiva, e forte suficiente para suportar a dor da perda, perda que vai para produzir ganho, como acontece aos homens e pingüins. Áqueles por escolha, e a estes por sorte.
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Felicidade!
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