Gosto de viajar de ônibus. Tenho a sensação de que estão todos - demais passageiros e eu - no mesmo "barco-ônibus", isto é, todos à beira da vida e da morte, juntos, sem distinção racial, religiosa, e quase financeira. Entre nós, há a presença do "deus-motorista", responsável pelo destino dos homens que lá estão: dentro de um pequeno e nômade espaço, um amontoado de histórias.
Enquanto me falta inspiração para a dissertação de mestrado e demais obrigações, aproveito as condições pseudo-favoráveis em que me encontro para viver a experiência da viagem; De janeito até então: Buenos Aires, Belo Horizonte, interior de São Paulo. Finalidade Acadêmica? Compreender a condição humana antes de mais nada...
Pois bem! Houve uma senhorinha - trecho São Paulo X São Carlos - cujas três horas e meia de bate papo levaram-me a uma profunda reflexão sobre a ideia de amizade. Faltante e absurdamente simpática, queixava-se por ter sido "abandonada" pelas "pseudo-amigas e parentas" bem no dia do aniversário. Tudo por conta de um jantar oferecido em homenagem a outro aniversariante - na mesma data - por um chefe de cozinha europeu que passeava por terras tupiniquins no interiorr paulista. A fim não perder o "rolé", as amigas da minha então companheira de viagem convidaram-na para comemorar seu aniversário no tal jantar do chefe europeu, dispertando a fúria de minha colega. Afinal, enquanto todas as pompas eram destinadas a um quase-desconhecido, minha amiga receberia em troca metade de flash, bolo e champanhe, e um cafézinho e cerveja pós almoço para tampar sol com peneira. Chateadíssima, fugiu para a casa da filha, no interior, sem comunicar às amigas. "Acha que fiz mal?' - "Nada...elas mereciam!".
Também conheci uma jovem mãe, trecho São Paulo X Viçosa, cujo namorado estrangeiro era fonte dos mais incomensuráveis ciúmes e desatinos. "Ele tem uma série de amigas biscates no facebook, deixa eu te mostrar". Houve também, trecho Araraquara X São Paulo, uma adorável família com quem compartilhei quatro horas de riso e maternidade: avó-mãe e as pequenas gêmeas. Enquanto uma delas dormia ou vomitava, a outra me contava a história da sua vida em forma de repente e de musica ensinada pela professora da educação infantil. Voltei para a casa com a certeza de que não quero ser mãe nos próximos 5 anos.
Há também os que não compartilham nada, fechando-se em si mesmos. Quando me acontece, aproveito o tempo de viagem para pensar na vida, nas coisas que me atormentam, ou no simples observar dos demais passageiros e nuvens do céu. Acho fantástica a idéia de que todos estamos sob o mesmo céu, de que entre mortos e feridos todos serão salvos, assim-assim....
Aí chegou o dia dos namorados. Não há viagem mais interessante do que essa: a de namorar alguém bem diferente de você e tão parecido, barrocamente falando. Preparou-me um jantar romântico enquanto eu degustava o agrado e , simultaneamente, assistia a todos os noticiários em busca de informações sobre a esquartejadora sulista - minha nova obsessão...( e não é que fica legal? A ESQUARTEJADORA DE CURITIBA). Deu-me de presente cinco livros, três deles para a minha dissertação de mestrado; disse que sou a mulher mais imatura que já conheceu; a mais ciumenta; a mais mórbida (em português). Por fim, também disse que sou sonâmbula, sendo a primeira pessoa a me dizer-lo em vinte e seis anos. Disse que a culpa foi minha pelo estrago do sofá - o leite com cereias que ele deixou cair; a culpa também foi minha por ter perdido dez minutos de "Os vingadores" enquanto estava na fila para a minha pipoca. Se o romantismo passa de nós, há algo que nos aproxima cada vez mais: todas as viações trecho EU X OUTRO.
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