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Inveja tenho eu dessas pessoas que, assim como a fábula do gato e da onça, guardam consigo uma carta na manga. Vejam só o caso do gato que, a pedido da onça, concordou em ensiná-la a pular. Após uma série de aulas, preparada para o bote, a onça salta a fim de abocanhar o felino; este que se salva com um salto triplo para trás:
- É gatinho, esse salto não me ensinaste - disse a onça...
- Este é o verdadeiro pulo do gato - replicou o gatinho, são e salvo.
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Não faço ideia se é daí que surgiu a expressão. Mas gosto de pensar no "pulo do gato" como carta na manga que todos nós temos: cafajestes que mudam suas vidas pelo amor de uma mulher; mães que após a perda dos filhos, criam instituições direcionadas ao combate do determinado "mal"; ex apresentadoras de programa infantil que encontram Jesus....Toda estirpe de desgraçados, que num belo dia... lança mão do dito pulo...
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Onde está o meu?
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Fico imaginando como a "coisa" acontece: à mercê desse mar violento que é a vida, epifânicamente a mudança vem, como em livro de Clarice Lispector ou Guimarães Rosa. O sujeito muda, para melhor, direcionando sua existência para a luz ou para as conquistas que almeja. Há os que dizem inclusive ter ouvido a voz do criador de todas as coisas, ou um conselho mágico de um duende que lhes muda a vida para todo o sempre, TCHIBUM: Deu-se o pulo!
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Existo há vinte e seis anos e ainda não dei o meu pulo. Sinto-o em algum lugar de mim, como espécie de hadouken a ser dado; para tal, é preciso que o meu outro eu conheça as teclas certas do jogo, a chave que liberará o meu poder especial. Quase ninguém conhece o próprio poder, a não ser quando, para a sorte do sujeito, um elfo ou ser imaginário-real, acometido por piedade humana, suspira "Open your eyes".
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Nunca me aconteceu.
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Apesar dos pesares, ter uma vida frustrada tem lá as suas vantagens. Ultimamente, agarrei-me à lenda do "pulo do gato" de modo que passo horas a imaginar como será o meu pulo, o dia em que nascerei pela segunda vez. No caso, quero um pulo que me garanta satisfação plena na vida profissional. Não me importo em ganhar pouco para o resto da vida, desde que eu possa - com esse pouco - minimamente viajar de vez em quando e, sobretudo, fazer o que gosto. Quero dias iluminados e cheios de vontade: acordar cedo para trabalhar sabendo que esta é a profissão que escolhi para o resto dos meus dias.
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Enquanto dava uma aula de sintaxe hoje, dois de meus alunos comparavam entre eles a quantidade de pelos que havia em suas respectivas axilas (juro por Deus!). Seja como for, tal epidódio me foi caro. Caro porque é a partir disso, e outros tanto "disso", que meu pulo do gato há de nos vir e nos salvar (a mim e a meus futuros filhos) de uma vida infeliz. Em que momento do meu curso de Letras eu desejei, do fundo da minha alma, passar por uma experiência dessas? Em que momento eu sonhei esses dias?
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Se eu pudesse recomeçar do zero, seria médica. Sei que tenho vocação suficiente para isso: em se tratando de energia vital, o hospital é o lugar em que me sinto plena. Talvez porque goste tanto da vida quanto da morte, e veja milagre em tudo, também na cor do sangue. Então...? Falta-me vontade, disciplina, física-química-matemática-biologia. Sou uma negação para todos esses itens! Queria eu um pulo do gato em forma de chip que, inserido no cérebro, te ensina mais cálculo que metafísica.......
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Tenho vocação para médica e minha paixão é a escrita: eu passaria o resto da minha vida escrevendo e cuidando de gente por aí (faria isso até de graça...).
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- Conhece-te a ti mesmo, Sofia! - diz o leitor com inclinações filosóficas....
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Um dia, o pulo livrará o gato-preguiça da onça-medo e todos seremos felizes......
- Ojalá...
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...Mi corazón desde entonces
La llora diario
No portão
Por ella
No supe que hacer
Y se me fue
Porque la dejé
¿Por que la dejé?
No sé
Sólo sé que se me fue
La llora diario
No portão
Por ella
No supe que hacer
Y se me fue
Porque la dejé
¿Por que la dejé?
No sé
Sólo sé que se me fue
(Ilusión - Marisa Monte e Julieta Venegas)
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