segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Quase o avesso da morte.

*African portrait. Foto de José Ferreira.
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Há alguns dias, numa outra cidade que não a de cá, observava o ir e vir das pessoas que ainda não conheci e me pus a pensar nesse mistério que é o encontro. São tantas pessoas no mundo, tantos caminhos e des-caminhos, mas sempre há, seja lá ou aqui, uma fração de tempo que se infinita, que se paralisa, quando nos deparamos com o pedaço de mim que habita o outro.
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O lado de lá.
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Não é estranho como há quem fique e permaneça nesse canto, apesar do dia a dia e da rapidez com que as pedras, meses e trilhas se movimentam? Quase um milagre, quase um avesso da morte, quase um sinal de vida no deserto é o quase que perdura e se firma no centro da memória: Encontrei-a, finalmente!
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Um cheiro, uma palavra, um descaso. Um empurrão ao sair daquele metrô, naquela quinta. Fica. Permanece. Petrifica-se. Por que?
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Olhares que se cruzam, destinos que se entrelaçam ou desenlaçam, desnudam-se: ódio, amor, rancor, amizade, flores, abril. Sempre há, aqui ou lá, uma parte do todo que é o encontro à espera de sorte, acaso e mistério.
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Quase o avesso da morte é o que permanece.
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- Trabalho todos os dias vendendo pastéis com minha esposa, numa esquina de uma grande avenida, anexa a uma pequena cidade cheia de jovens e sonhos. Corto meus dedos diariamente com faca, poupa e liquidificador: sorrio sem saber sorrir, alegro-me quando sou elogiado.
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- Sou mãe solteira, tenho 17 anos. Não gosto do absurdo. Estava na hora errada com a pessoa errada: aconteceu. Tentei me matar, mas tive muito medo. Deixei levar...nasceu assim, não fala.
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- Tenho três filhas. Todas formadas pela Universidade, todas casadas, todas são mães. Passo meus dias observando os cactos da minha varanda e jogando dominó com meus vizinhos, entre uma cachaça e um pedaço de queijo.
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- Passei no mestrado; quero o doutorado e depois me estabelecer profissionalmente. Tenho dois cachorros, um namorado e um amante.
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- Preciso comprar um sapato vermelho, moça! Gostei desse aqui mas não cabe nos meus pés. Estão inchados.
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- Estou apaixonado por aquela mulher. Não vejo a hora de reencontrá-la. Talvez a pedisse em casamento se não fossemos tão diferentes. Sou cruzeirense! Ela? atleticana...nunca daria certo....
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- Pai, tô com fome!
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- Estou tão leve que poderia voar...quase um orgasmo, não? Deixa eu tragar de novo....
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- Irmãos, estamos aqui hoje para celebrarmos o dom da eucarístia, da vida em comunidade que nos faz irmãos e irmãs em Cristo Jesus.
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- Sou aposentado. Tenho um sítio no interior. Estou tentando vendê-lo, a todo custo, só me dá prejuízo! Mas é minha grande paixão! Depois do Rio, claro.....o Rio é amor, amor que ficou, lá na minha mocidade...Bixo, como fui feliz no Rio!
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- ma....ma....mãe!
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- 5, 6, 7, 8: Vai! sissoune voilé, estica essa ponta, porra!
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- Ocê num tem jeito! Ê çá moça! Vai casá não, é?
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- É preciso compreender que não há um estereótipo de mãe. Mulheres são donas do seu corpo e têm o direito de opinar, escolher abortar ou não!
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- Tricha!!!!!!!!!!! Ai que linda sua saia!!!!!! Periguete!
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- Seu eu fosse jovem hoje? Ah! imagina! nunca teria me casado! perda de tempo....
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- Eu pensei em me casar. Só uma vez. Ele morreu.
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- Meu, muito louco, fala aí??? Quero saltar dali agora, bora lá?
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- Não vejo a hora de tudo isso acabar! Meu Deus, que martírio!
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- Moça...me vê uma moedinha? Preciso viajar pra BH e me falta R$ 15,00 para enteirar a passagem. Tenho cinco filhos pra criar: João, Jonas, Joana, Janaína e Wesley - meu entiado.
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- Eu não tenho pra onde ir. Vivo nos escombros de qualquer lugar, à espera de um pedaço de pão.
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- Comprei uma casa! Agora vou juntar um dinheirinho, tirar minha carteira, comprar meu carro e bye bye!
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- Ai que saudade dela...Queria ter me despedido.
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- Lucas, muda de canal! Vai começar o meu cartoon.
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- Ele se chamará Davi.
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- Não quero mais ser religiosa....mas não tenho coragem, ainda. Falta alguma coisa, sabe? Ai...me sinto tão pequena...como a Alice.
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- Oi! Posso te beijar....hum...essa sua boca!
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- Alô! Oi? É VOCÊ? haha.....que saudade!
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- "Câncer de mama?" Caí num abismo com a notícia, mas hoje estou no meu terceiro ano de remissão. Meu marido tem me apoiado muito, mas não posso ter filhos, pensamos em adotar uma menina, talvez esse ano.
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- Te pegaria fácil!
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- Sou apaixonada por um homem que não vale a pena...Não sei mais o que fazer.
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- O que? jura???? Nem acredito! Quando você chega??? Vou te buscar na rodoviária!!!!!!! Prometo!
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- Não fuma perto de mim, porra!
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- Pai: tô grávida!
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- Mais pra baixo...aí.....hummm...
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- É só minha esperança.
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- Acabou! Chega!!!!!!Some daqui!
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- Foda-se!
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- Casa comigo?
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- Trabalho como vendedora e costuro pra fora nas horas vagas. Sonho? Conhecer a Itália! Vi na novela...aquela das oito...antiga, lembra?
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- Meu nome?
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- Agora são....17:15. De nada, fia.... (hum...que gostosa!)
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- Seu João, sua próstata está excelente. Vamos modificar a medicação apenas para manter o controle. Em seis meses quero o senhor aqui de volta.
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- Sou médica, mas fui bailarina até os 17 e meio. Aí conheci o Edu, também médico, e tudo fez sentido.
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- Adoroooooo!!!!!!
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- Se ele não fosse padre...ai ai....
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- Contei a meus pais que sou lésbica. Não estou aguentando a barra....tá foda! Acho que vou fugir....
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- Ai, ela é feia! Sou mais você, amiga! Não fica assim...
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- Cresci no interior, mas tive sorte ao ser trazido pra cá num desses pau de arara que se tinha por lá. Fiz minha vida nesse recanto. Quero morrer aqui, ao lado dela.
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- Eu te amo.
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Quase o avesso da morte é o que permanece.

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