sexta-feira, 26 de abril de 2013

Por que gosto da Morte? (Parte I)


Muitas pessoas têm dificuldade em assumir a orientação sexual perante os pais; outras, em comunicar aos patriarcas a então carreira escolhida....Vó, quero ser professor de português! Eu, por outro lado, tive problemas com o tema escolhido para minha monografia de conclusão do curso de Letras: Então, família, vou estudar a História de Satã!

Talvez devesse ter dado ouvidos a minha mãe, quando disse que minha vida desandaria ante a escolha do tema apocalíptico - Tua vida vai desandar, depois não reclama! Desandou sim, e muito, mas creio que não por conta de Lúcifer, tampouco de Deus.

Por via das dúvidas (¡Las brujas no existen, pero que las hay, las hay!), abdiquei da temática demoníaca, mas não do escatológico. Hoje, como estudante de mestrado, quero estudar a ideia de morte no gênero moralidade, tendo como recorte a Baixa Idade Média. Nesse ínterim entra de tudo: Gil Vicente, Portugal,  Inglaterra (...),  Danzas Macabras, Salvação (...).

- Então, mãe, agora eu estudo a morte!

- Oh! Filha, você seria o orgulho da família, se não fosse pelos seus vinte e oito primos bem sucedidos, casados, ricos e sem ideias de Merda!

Minha orientadora pediu que perguntasse a meu psiquiatra (sim! tenho um psiquiatra...) se não seria essa "obsessão" algo sintomático. Respondi que nem sempre um estudioso de comédia é feliz, um estudioso de tragédia é suicida, um estudioso de sexo é ninfomaníaco,  mas perguntei-o mesmo assim. Pode ser sintomático, mas não patológico. Obviamente o limiar entre o sintoma e a patologia é bem estreito, mas optei pelo esquecimento sintomático dessa parte.

Olha, não sei o que me encanta nesses temas. Talvez a necessidade da fantasia; talvez a necessidade de deslocamento. Quando adolescente, tinha uma caveira na cabeceira da cama. Joguei-a no lixo quando presenciei a morte pela primeira vez, a partida de um ente querido. Hoje não teria artefato de horror sobre minha cabeça, mas enxergo a morte como arte, natural como o homem e misteriosa como seu coração.

O homem é o centro do mundo e Deus nasceu a sua imagem e semelhança.

Memento Mori.

Epifania odontológica


*dentista - Gabriel Sarabando

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Para Juliana - nossa dentista familiar.
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Quando nasci, não havia chupeta que me calhasse, já que gostava mesmo era de dedo na boca: o polegar substituía o "bico" enquanto o indicador fazia-se cócegas no nariz, mania que sobreviveu à passagem do tempo. E daí? Bom, tal costume me levou a uma deformação da arcada dentária, responsável pelos inúmeros aparelhos dentários ao longo da vida, cirurgia para modelagem gengival, trauma infantil e medo de dentista. Sou a mais velha de uma série de primos e primas por parte de mãe; quase todos passaram pelo meu colo; eu, em contrapartida, passei por todas as perguntas odontológicas infantis possíveis e impossíveis:
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- Por que seu dente é assim?
- O seu dente é dente de coelho?
- Você pintou a gengiva?
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Tenho sorriso alto e já me deixaram claro que, na ausência de fio dental, dificilmente haverá dentadura que me sirva. Ano passado, a gengivoplastia me rendeu um sorriso mais harmônico; o branco do dente sobressai à pele morena, ampliando desproporcionalmente o incisivo central, rei do meu palco dentário, estrela pai do meu céu que é a boca. Sorte que sorrio também com os olhos...(e dizem que me saio bem!).
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Houve contudo um dentista especial, o primeiro deles. Um dia, disse-me que se cuidasse di-rei-ti-nho dos meus den-ti-nhos, ganharia um di-plo-mi-nha do dente! Foi um dos dias mais especiais da minha então vida infantil, quando obtive meu primeiro sucesso em papel, mediante a tantos fracassos odontológicos que tal documento cheio de cores precedeu. Mas algo espetacular estava por vir....
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Na igreja que frequentávamos, existia um jovem padre sempre loiro e de "hábito" preto. Pode ser que o "hábito" não passasse de camisa preta e clédima, mas prefiro imaginá-lo como Batman, cuja longa capa negra se arrastava pelo tapete vinho dos corredores eclesiais. Talvez não fosse padre e sim curioso beato, mas que era loiro  disso tenho certeza!
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Um dia, levaram-me ao dentista (o do diploma infantil) e me deparei com o suposto padre sempre loiro, o da  capa de Batman, na sala de espera. Meu estranhamento se deu ao vê-lo em colorido, sentado como qualquer mortal à espera do mesmo dentista que eu. O sorriso antecedeu a epifania:
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- Mãe, o padre tem sorriso de coelho!
- Psiu!
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Não só isso, era largo como barca encantada na qual cada dentinho - ou dentão - era anjo ou capetinha em busca de céu ou inferno. 
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- Mãe, o padre tem um bocão!
- Cala boca!
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Já não me lembro daquele dentista, só sei que era gordo e calvo; mas o sorriso do padre nunca esqueci. Tempos depois, eu-adolescente, reencontrei-o ainda loiríssimo, porém casado. Provavelmente desistiu do sacerdócio antes dos votos, casando-se e multiplicando-se em sorrisos  altos e epifânicos. 
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A odontologia é um sacerdócio. 
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segunda-feira, 15 de abril de 2013

*Desafio da vida animal. Francisco Oliveira.
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Escrevi um texto mais-que-longo e o deletei em seguida, por conta da subjetividade e confissão que lá estava.  Gosto é de escrever palavras sem sentido apenas para que eu as entenda, até esquecer todas as intenções. Minha memória está devastadora, esqueço detalhes imprescindíveis como onde deixei a chave, a necessidade de comprar o shampoo, as razões que me levaram a trabalhar nesse projeto de dissertação de Mestrado.

Houve um namorado quem disse... essa palavra "Uó" é muito feia.

- Desculpe, cariño, mas o vocábulo "Uó" me representa.

Há anos venho acumulando sucessões de vazios; porém 2013 decidiu arder com todas as chispas e chamas de chuveiro que estoura na cabeça de mãe sexagenária  em segunda-feira após briga de namorados.

- O problema sou eu.

Certa vez, levaram-me ao Papai Noel do shopping da minha zona, a Sul. Eu queria mesmo o do Center Norte, mas papai achava que eram todos iguais. Pedi a Noel uma coisa, embora desejasse outra. Queria o boneco Bozo em tamanho real (o meu tamanho real, na época), mas pedi o disco da Turma da Alegria. Não sei o porquê da mentira: a verdade é que menti mal, cheguei em casa e dei início ao choro tardio.  Implorei que me levassem outra vez ao shopping para desfazer o mal entendido,  porém entardeceu. Senti medo de revelar o meu desejo por um boneco decadente chamado Bozo, vergonha de que rissem de mim. Tinha cinco anos e já me censurava, eu-era-meu-auto-carrasco. 

Por fim ganhei o boneco e, dois anos depois, o disco. A vida é também maravilha.

Pois bem. Caso me levassem hoje ao Papai Noel do shopping da minha zona, a Sul, eu não teria medo em dizer que gostaria de recomeçar do zero. Salvo os afetos, mudar de tom e toada. Terminar o Mestrado em Literatura Tcheca, publicar quinhentos e dezesseis artigos, trabalhar em...

 ...Vinte e dois anos se  passaram e você continua mentindo? - diria Papai Noel.

A vida é também maravilha.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Olhinhos de gato (BIOGRAFIA da Alenir)


"De onde viera tanta coisa? Onde estavam os donos daquilo?  Do relógio fechado ali dentro, dos vestidos guardados naquele  armário? Do imenso leque de tartaruga que um dia vira na  gaveta?" 

"OLHINHOS DE GATO pousava então a vista no espelho,  procurando, procurando. Todos aqueles rostos deviam ter passado  por ali. . . Mas o espelho ainda é mais infiel do que a memória humana. . ."
 (Olhinhos de gato - Cecília Meireles) 
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Conheci Alenir por meio de uma amiga em comum, Iara. Curiosamente, embora não me recorde do exato momento em que meus olhos se depararam com a figura aleniriana, ainda posso sentir o que tal encontro me provocou: uma profunda curiosidade curiosíssima. Isto porque Alenir é , ao mesmo tempo, uma pessoa igual e diferente do meu referente humano, que sou eu. "Todas as pessosas são diferentes" - uma frase que muito bem caracteriza a generosidade dessa mulher.
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Alenir é diferente. Não! ela é igual! Minto...ela é humana. E tudo o que é humano é evidentemente complexo, surpreendente, passível de descoberta e encantamento. A começar pelo nome: Alenir. Embora ela não saiba, uma de minhas obsessões humanas diz respeito ao nome alheio: nunca conheci uma pessoa sequer que levasse esse nome na certidão, Alenir, o que me faz conjecturar - de maneiras distintas e irrealizáveis - o que será que seus pais e avós quiseram-nos transmitir com esse vocativo tão simbólico: Alenir.....além.....fluir....seguir...luz.....alma. Ou, talvez, seus pais se chamem Alessandra e Odair; Alex e Lenira...só ela nos poderá dizer! (porque até o sagrado e complexo tem o charme de ser casual).
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Alenir é casual...
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Casual e elegante. Nunca vi essa mulher desarrumada, despenteada. Gosta do clássico e o clássico lhe cai bem: branco, verde, preto, marrom. Todas as cores do mundo combinam com seus olhinhos de gato, tez clara e serena que nos fazem lembrar as bonecas infantis. Alenir é extremamente bela, extremamente ítalo-brasileira. Não caminha, flutua; não grita, eleva o tom de voz de acordo com as intenções comunicativas; está quase sempre calma...talvez a tenha visto irritadíssima duas ou três vezes na vida ou pode ter sido um sonho...Alenir é também sílfide. 
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Gosto de conversar com ela. Apenas duas vezes na vida tivemos um encontro marcado; os restantes foram casuais, embora bem engendrados pela lógica da vida. Sempre encontrava Alenir em meus dias difíceis e ouvi-la era como balsamo. Ela é a pessoa certa para se conversar coisas como religião e política, sem cair no clichê, no fundamentalismo ou no fanatismo - o que hoje em dia é tão raro. Apesar das nossas divergências ideológicas, Alenir sabe respeitar o próximo, o diferente, o igual, o elegante, o casual, o comum, o exótico, o central e o periférico. De todas as conversas que tivemos, não houve uma em que não me sentisse um pouco mais próxima de Deus e isso , afirmo, só é possível porque Alenir tem uma coisa um tanto "exótica" hoje em dia: acolhida. Ela acolhe como mãe, pai, irmã, irmão e facebook.
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Alenir canta, toca violão, fala italiano, hebraico, grego, conhece as tradições judaico-cristãs como ninguém, é pedagoga, é culta, é divertidíssima (quem não conhece o humor aleniriano não sabe o que é humor), sarcástica e, como se não bastasse, não é pedante! Todas os predicativos anteriores demonstram não só a minha admiração por essa mulher, mas como me sinto estasiada em conhecer alguém que estudou todas as línguas que eu desejo conhecer!!! Exceto pelo "-lão", porque sou mais"-lino", somos iguais no gosto pelo "vio".  Colecionadora de histórias, gosta dos italianos, cantores, músicos, atores e atrizes, santos e não santos, guardando-os em suas redes socias. Lembro-me de no momento ocioso passar horas a fio observando as fotografias alenirianas de seus ídolos. A propósito, ela também fotográfa!!! (Sim, querido leitor...Alenir irrita por ser perfeita).
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Mas o que mais gosto nela é exatamente o imperfeito. Alenir tem duvidas, erra caminhos, desconfia. Quando a conheci, já não sabia - Alenir - se virar à esquerda era o melhor caminho, ou continuar em frente. Não sei o que você escolheu, escolherá - mas a certeza de que temos todos os caminhos nas mãos e de que Deus saberá nos conduzir por qualquer um deles (o qual nosso livre arbítrio eleger), da-me consolo e paz como talvez dê a você. Todos os caminhos são certos e errados ao mesmo tempo.
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Alenir já se apaixonou. E mesmo apaixonada, manteve o paradoxal comportamento aleniriano de todo-sempre: uma calmaria turva e desconfiada; ou, desconsolo doce e iluminado.
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Um dos acontecimentos mais emocionantes de minha vida deu-se ao lado de Alenir, quando conhecemos pessoalmente o Frei Betto. Minha alegria e entusiasmo era tamanho, como se estivesse ante uma boy band, sendo eu adolescente de quinze anos. Alenir, casual e discreta, ítalo-brasileira, apenas sorriu elegantemente, porque não passa vergonha à toa.
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Há tempos nossa amizade se configurou em xícara de café imaginária. Mas o carinho que sinto por ela está além desses detalhes da vida cotidiana. Mesmo ausente, ela se faz concreta como personagem surreal-encarnada...(isto porque Alenir é o próprio paradoxo):
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Alenir é uma espécie de Sophia Loren tupiniquim.
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Não sei se o peso da dúvida ainda te assombra (se é que já te assombrou); não sei quais as suas reais motivações, desejos e sonhos, mas o fato é que você é tantos caminhos em si mesma que tenho a certeza de que esta formatura, este diploma, será apenas um passo a mais em sua trajetória e com a delícia de sê-lo. Você é uma pessoa de fato admirável e me sinto afortunada por tê-la conhecido!
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A você, Alenir, toda felicidade de todos os mundos por onde habita!

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Crônica primeira: ZIG AND ZAG

fonte: http://www.eluniversal.com.co/suplementos/dominical/en-londres-la-muerte-desde-el-arte-98591



Um dia percebeste que fizeste tudo ao contrário: Estudou ao contrário, trabalhou ao contrário, amou ao contrário, adoeceu ao contrário, casou ao contrário, des-casou ao contrário, re-casou ao contrário, arrumou um emprego ao contrário, demitiram-te ao contrário, creu ao contrário, duvidou ao contrário, errou ao contrário, ferraram-te ao contrário, dormiu ao contrário, realizou ao contrário, coçou-se ao contrário, sarnou-se ao contrário.  Á beira do suicídio ao contrário, a contragosto, deu-se conta da existência celeste de milhares de contrários contrariados desencontrados contra o concerto desconcertado consertado (com remendos) que é a vida.

Se morrer ao contrário é nascer pela segunda vez e se nascer pela segunda vez  é morrer ao contrário e se morrer ao contrário é nascer pela terceira vez e se nascer pela terceira vez é morrer pela terceira vez ao contrário e se nascer pela quarta vez para morrer ao contrário é nascer aos montes e se nascer aos montes é possível...

...de que serve o reto?

- Toma teu zig and zig and zag and go,
        (,a tua sentença te salvou).