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CAP. XV: degrau a degrau
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"Nas grandes crises, o coração parte-se ou endurece."
(Honoré de Balzac)
...(Honoré de Balzac)
Certa vez, ao descer de um ônibus em São Paulo, acompanhada por um amigo-colorido (embora na época mal nos conhecêssemos, tornar-se-ia colorido, o amigo, um ano e pouco depois), não sei o porquê, mas ao invés de descer do ônibus como uma pessoa normal faria (eu já tinha 16 ou 17), decidi "pular" todos os degraus para ganhar tempo e, dessa forma, chegar a meu destino com mais rapidez.
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Surpreendentemente, desequilibrei-me caindo de corpo todo, inteiro, no chão, com a cara no chão. Motivo de chacota do amigo (e se me lembro bem, também de um rapaz que, dentro do ônibus, ria compulsivamente de mim), machuquei-me toda, causando um misto de susto e de graça aos transeuntes que esperavam no ponto de ônibus a chegada de seus destinos. Esta é uma das cenas mais bizarras da minha vida, mas guardo-a com carinho porque gosto da imagem de pessoas caindo de suas zonas de conforto: passa-me a idéia de destronamento. Enraizados em nossas seguranças, quando tropeçamos e caímos damo-nos conta de que somos um pouco menos daquilo que julgamos ser. Embora do chão não passemos.
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Tenho dificuldade com degraus. Não gosto de tocá-los pé ante pé; prefiro saltá-los a dois ou três, para estar mais à frente, chegando menos atrasada para as coisas da vida.
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Sinto que nasci atrasada, que pulei três degraus-meses dos que deviam ter sido nove.
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Minha vida tem sido assim, ultimamente. Na verdade, há uns sete anos venho de um movimento incessante de pular-tropeçar e comer degraus, sem me dar muito conta de quais são meus reais objetivos e focos.
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Não estou numa fase muito boa: enquanto meus amigos e amigas festejam nossa formatura, prosto-me em casa pensando no que há de ser da minha vida a longo prazo, se conseguirei escapar do risco da mediocridade (sempre tive medo da mediocridade, por isso já quis ser freira há algum tempo: para escapar do tempo e da morte).
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Já sei que de freira só tenho a subversão (Sim: paradoxalmente, algumas delas são perigosamente subversivas), mas que infelizmente não é este, não será este o meu caminho a longo prazo. Tenho um plano a longo prazo, de certa forma, mas é o curto que me amedronta, comendo minhas noites mal dormidas e meus dias mal vividos. Acho que estou com medo de deixar, novamente, o baixo corporal da vida e renascer.
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Sinto que pulei inúmeros degraus dos degraus-cinco anos e meio que foram os da minha graduação.
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Enquanto isso, aguardo.
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Poderia fazê-lo bebendo, comemorando, saindo com os amigos, mas não seria eu: sou o tipo de pessoa que não consegue comemorar nada enquanto tiram das minha mãos um pouquinho que seja de segurança. Faço parte do grupo marginalizado que sofre pelo pouco e pelo muito: minha felicidade sempre fora muito pontual, talvez até casualmente pontual.
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Preciso trabalhar para ter minimamente dinheiro e não enlouquecer. Além disso, e mais importante do que isso, também quero passar no mestrado ainda esse ano, mas estou tão desgastada que nenhuma idéia brilhante me ocorre (e olha que sou a mulher das idéias brilhantes...Que de tão brilhantes quase sempre já foram escritas por outrem). Há como chegar lá? Sim, há! Porém, para tal, preciso de uma organização que nunca tive e um pouco de paixão externa, que me impulsione para quando me deparar com o degrau do desânimo.
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Porque se bem me percebi, acho que sou movida a paixão [por isso já trabalhei longos períodos (desde os 16?) gratuitamente ou recebendo muito pouco em comparação com o meu esforço e dedicação. Porque havia paixão].
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Este é o problema: um dos caminhos para chegar ao mestrado exige que eu deixe uma das paixões. Estou pensando em formas de manter ambas, mas creio que dificilmente há de dar certo, dificilmente hão de me dar esse "jeitinho". Porque paixão e burocracia são sintagmas opostos. Dr. Caramujo (acreditando que passarei no mestrado) disse-me outro dia, ainda esta semana: "Amanda, esta será sua última oportunidade para aprender a se organizar antes do mestrado. Você há tempos está protelando sua saída de casa, mas você sabe que não é só dinheiro: você não se organiza. Se há pessoas que são assim, conseguem as coisas e são felizes, ótimo; mas você não é uma delas...Você é desorganizada, tem sorte, é boa no que faz, mas sofre...Sofre por fazer mal as coisas e você é muito nova pra já sofrer tanto. [...] É preciso que você, além de focar em alguma coisa, seja menos Emília (sim, eu sei que você gosta dela): no mundo além quatro pilastras, a hipocrisia também se transfigura como um mal necessário."
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Resumindo: chamou-me de inocente e de criança.
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Sobre as paixões amorosas, as que poderiam ser outra mola impulsora... Bem, o fato é que a alta acessibilidade deste Blog (o que é ótimo) não me permite mais tocar neste tema, senão com o uso de metáforas.
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Dentre meus amigos coloridos, há sim uma pessoa por quem nutro um sentimento muito forte e concreto; porém, enquanto estou aqui, resolvendo minha vida degrau a degrau, ele, com a vida já feita, está mais preocupado com outras coisas, pessoas, amigos, contextos, ambientes, festas, datas, prioridades, dentre as quais não estou incluída.
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Ele não imagina, contudo, o pedaço de mal que me faz quando tenta fazer o bem. Eu tenho deixado levar...Como uma conchinha levada pelo mar, porque sei que cedo ou tarde esta história terá definitivo fim. Essa coisa de relacionamento aberto comigo não funciona por muito tempo. Digamos que abri uma exceção pelo valor que tal sujeito tem para mim, para minha vida (e pelo fato de que no momento caótico em que me encontro, ele não me é prioridade). Mas sei que em pouco tempo a coisa há de descambar de novo, seja daqui ou do lado de lá. Sabem por quê?
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Porque essa coisa de que "amor é livre", "certos sentmentos são irrotuláveis" é balela. Amor é compromisso, o resto é carnaval, e de carnaval já tenho BAKHTIN.
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Por fim, sofro: desde ontem não saio, falta-me gana.
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Voltando, tenho muito medo da mediocridade! Não digo isso com relação aos salários dos professores das escolas municipais, caso este seja o meu fim. Estarei lá, lutando nas greves, nos sindicatos e sobretudo em minha postura como educadora.
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Mediocridade para mim é a vida que escapa por falta de coragem ou oportunidade.
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- Mas oportunidade a gente cria!!
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- Será?
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Tenho minhas dúvidas e acredito bem mais na conjunção das coisas: sorte também é preciso na vida. Conheci um cachorrinho que superou uma doença gravíssima (a que veio a matar o cachorro de meu pai, causando-lhe uma tristeza absurda), porém, uma semana depois de curar-se, o cãozinho atravessou a rua e morreu atropelado por um caminhão.
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Estou ainda em busca de meios para pular os degraus destas próximas semanas, solucionando meus problemas e escolhas: Quando cair com a cara no chão, por fim, tentarei o modo simplificado e óbvio de resolver tudo: esperar.
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Quanto à chegada do meu destino, o destino abstrato, (profissional, acadêmico, amoroso, familiar) sou a transeunte que aguarda no ponto de ônibus, enquanto vê cair, quase por cima de suas sacolas de compa, uma adolescente de 16 anos que tentou suicídio ao saltar os degraus do tempo.
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Bom dia!
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Surpreendentemente, desequilibrei-me caindo de corpo todo, inteiro, no chão, com a cara no chão. Motivo de chacota do amigo (e se me lembro bem, também de um rapaz que, dentro do ônibus, ria compulsivamente de mim), machuquei-me toda, causando um misto de susto e de graça aos transeuntes que esperavam no ponto de ônibus a chegada de seus destinos. Esta é uma das cenas mais bizarras da minha vida, mas guardo-a com carinho porque gosto da imagem de pessoas caindo de suas zonas de conforto: passa-me a idéia de destronamento. Enraizados em nossas seguranças, quando tropeçamos e caímos damo-nos conta de que somos um pouco menos daquilo que julgamos ser. Embora do chão não passemos.
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Tenho dificuldade com degraus. Não gosto de tocá-los pé ante pé; prefiro saltá-los a dois ou três, para estar mais à frente, chegando menos atrasada para as coisas da vida.
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Sinto que nasci atrasada, que pulei três degraus-meses dos que deviam ter sido nove.
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Minha vida tem sido assim, ultimamente. Na verdade, há uns sete anos venho de um movimento incessante de pular-tropeçar e comer degraus, sem me dar muito conta de quais são meus reais objetivos e focos.
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Não estou numa fase muito boa: enquanto meus amigos e amigas festejam nossa formatura, prosto-me em casa pensando no que há de ser da minha vida a longo prazo, se conseguirei escapar do risco da mediocridade (sempre tive medo da mediocridade, por isso já quis ser freira há algum tempo: para escapar do tempo e da morte).
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Já sei que de freira só tenho a subversão (Sim: paradoxalmente, algumas delas são perigosamente subversivas), mas que infelizmente não é este, não será este o meu caminho a longo prazo. Tenho um plano a longo prazo, de certa forma, mas é o curto que me amedronta, comendo minhas noites mal dormidas e meus dias mal vividos. Acho que estou com medo de deixar, novamente, o baixo corporal da vida e renascer.
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Sinto que pulei inúmeros degraus dos degraus-cinco anos e meio que foram os da minha graduação.
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Preciso fazer uma escolha que talvez nem seja tão relevante para meu futuro abstrato, mas para o concreto sim. Uma delas já me é garantida; a outra, quase. Mas quero uma forma de uni-las, unir a felicidade ao estratégico, mas isso não depende exclusivamente de mim, depende de outras quatro pessoas superiores à hierarquia das coisas, sendo uma delas bastante imprescindível, a que julgará o meu "processo".
...Enquanto isso, aguardo.
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Poderia fazê-lo bebendo, comemorando, saindo com os amigos, mas não seria eu: sou o tipo de pessoa que não consegue comemorar nada enquanto tiram das minha mãos um pouquinho que seja de segurança. Faço parte do grupo marginalizado que sofre pelo pouco e pelo muito: minha felicidade sempre fora muito pontual, talvez até casualmente pontual.
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Preciso trabalhar para ter minimamente dinheiro e não enlouquecer. Além disso, e mais importante do que isso, também quero passar no mestrado ainda esse ano, mas estou tão desgastada que nenhuma idéia brilhante me ocorre (e olha que sou a mulher das idéias brilhantes...Que de tão brilhantes quase sempre já foram escritas por outrem). Há como chegar lá? Sim, há! Porém, para tal, preciso de uma organização que nunca tive e um pouco de paixão externa, que me impulsione para quando me deparar com o degrau do desânimo.
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Porque se bem me percebi, acho que sou movida a paixão [por isso já trabalhei longos períodos (desde os 16?) gratuitamente ou recebendo muito pouco em comparação com o meu esforço e dedicação. Porque havia paixão].
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Este é o problema: um dos caminhos para chegar ao mestrado exige que eu deixe uma das paixões. Estou pensando em formas de manter ambas, mas creio que dificilmente há de dar certo, dificilmente hão de me dar esse "jeitinho". Porque paixão e burocracia são sintagmas opostos. Dr. Caramujo (acreditando que passarei no mestrado) disse-me outro dia, ainda esta semana: "Amanda, esta será sua última oportunidade para aprender a se organizar antes do mestrado. Você há tempos está protelando sua saída de casa, mas você sabe que não é só dinheiro: você não se organiza. Se há pessoas que são assim, conseguem as coisas e são felizes, ótimo; mas você não é uma delas...Você é desorganizada, tem sorte, é boa no que faz, mas sofre...Sofre por fazer mal as coisas e você é muito nova pra já sofrer tanto. [...] É preciso que você, além de focar em alguma coisa, seja menos Emília (sim, eu sei que você gosta dela): no mundo além quatro pilastras, a hipocrisia também se transfigura como um mal necessário."
....
Resumindo: chamou-me de inocente e de criança.
....
Sobre as paixões amorosas, as que poderiam ser outra mola impulsora... Bem, o fato é que a alta acessibilidade deste Blog (o que é ótimo) não me permite mais tocar neste tema, senão com o uso de metáforas.
...
Dentre meus amigos coloridos, há sim uma pessoa por quem nutro um sentimento muito forte e concreto; porém, enquanto estou aqui, resolvendo minha vida degrau a degrau, ele, com a vida já feita, está mais preocupado com outras coisas, pessoas, amigos, contextos, ambientes, festas, datas, prioridades, dentre as quais não estou incluída.
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Ele não imagina, contudo, o pedaço de mal que me faz quando tenta fazer o bem. Eu tenho deixado levar...Como uma conchinha levada pelo mar, porque sei que cedo ou tarde esta história terá definitivo fim. Essa coisa de relacionamento aberto comigo não funciona por muito tempo. Digamos que abri uma exceção pelo valor que tal sujeito tem para mim, para minha vida (e pelo fato de que no momento caótico em que me encontro, ele não me é prioridade). Mas sei que em pouco tempo a coisa há de descambar de novo, seja daqui ou do lado de lá. Sabem por quê?
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Porque essa coisa de que "amor é livre", "certos sentmentos são irrotuláveis" é balela. Amor é compromisso, o resto é carnaval, e de carnaval já tenho BAKHTIN.
...
Por fim, sofro: desde ontem não saio, falta-me gana.
...
Voltando, tenho muito medo da mediocridade! Não digo isso com relação aos salários dos professores das escolas municipais, caso este seja o meu fim. Estarei lá, lutando nas greves, nos sindicatos e sobretudo em minha postura como educadora.
....
Mediocridade para mim é a vida que escapa por falta de coragem ou oportunidade.
...
- Mas oportunidade a gente cria!!
...
- Será?
...
Tenho minhas dúvidas e acredito bem mais na conjunção das coisas: sorte também é preciso na vida. Conheci um cachorrinho que superou uma doença gravíssima (a que veio a matar o cachorro de meu pai, causando-lhe uma tristeza absurda), porém, uma semana depois de curar-se, o cãozinho atravessou a rua e morreu atropelado por um caminhão.
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Estou ainda em busca de meios para pular os degraus destas próximas semanas, solucionando meus problemas e escolhas: Quando cair com a cara no chão, por fim, tentarei o modo simplificado e óbvio de resolver tudo: esperar.
...
Quanto à chegada do meu destino, o destino abstrato, (profissional, acadêmico, amoroso, familiar) sou a transeunte que aguarda no ponto de ônibus, enquanto vê cair, quase por cima de suas sacolas de compa, uma adolescente de 16 anos que tentou suicídio ao saltar os degraus do tempo.
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Bom dia!
Engoli o orgulho, saltei o pedregulho, resolvi o marulho, comi o sarrabulho, escrevi o bagulho, de beca eu tô em julho: Diário de uma Formanda.
Cap.XV: degrau a degrau
Cap.XV: degrau a degrau
a espera as vezes eh longa...axu q estou esperando as coisas "se resolverem" há um semestre! mas o futuro há de vir!
ResponderExcluirsou adepta do lema de Santo Expedito (desde os 13 anos, quando rezava a ele pra poder conhecer o Hanson - nao me critique por isso).
ResponderExcluirEle pisoteia um corvo que grita em latim crás, crás (tipo deixe para amanhã sua conversão, ele era romano mas defendia os cristãos, na surdina). Daí, ele pisa no corvo e diz HODIE! rsrsrsrsr
Ah Rebeca, eu não sei esperar...será que com 25 anos eu aprendo?
25 é a idade! ao menos vc se conforma mais com as coisas... ao menos foi isso que me aconteceu, cada um é cada um.
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