Doce de figo. Bolo de chocolate. Quebra-cabeça atrás da porta, quando Natal. Conjuntinho xadrez, a ele e a mim, para evitar ciúmes. Palmadas no bumbum. Leite de vaca. Cozinheira do grupo escolar. Faxineira do grupo escolar. Meus primeiros cadernos. Meus primeiros lápis de cor - anuais. Primeira pessoa a que me apresentou uma escola tão bonita. Todo Natal. Todo Réveillon. Dia de "simpatia". Gavetas. Naftalina. Postais. Cartas de um amor clandestino, amor impossível. Livros de tarô. Presépio. Capela. Velas. Coroação à virgem. Tombo da Cachoeira. Mãe da minha mãe. Roça. Fogão à lenha. Calcinhas de Natal. Romãs no dia de Reis. Céu estrelado. Crucifixo artesanal, com fitas multicor. Quadro de Nossa Senhora das Graças, com nuvens azuis que me faziam sonhar. Pequeno santuário com luzes brilhantes. Asas. Vacas, Bois, Bezerros, Café. Acordar na madrugada. Brava. Doce. Briga com dois filhos homens; briga com a filha do meio; amor incondicional pelos filhos mais velhos; amor eterno à filha especial. Mentirinhas bem contadas. Nora do impiedoso Senhor Antônio Clemente, meu bisavô. Coração grande, porém disfarçado; conhecia o mundo como ninguém e as próprias crias. "HUM!, sá-moça!"; "Deus dá, Deus tira". Perdera um neto e, desde então, nunca mais pronunciou seu nome. Cleiton. Não fazia trico. Não mimava. Anotações em cadernos velhos. Viuvez aos trinta. Oito filhos, menos dois bebês. Mãe dos netos sem mãe. Macarronada e maionese. Cristaleira. Luta. Solidão. Felicidade disfarçada. Jardim. Rosas que tocavam o céu. Rosinhas. Cartões de aniversário. Bolsinha branca, para guardar remédios. Madrinha. Briga em meus dezesseis. Falta de perdão. São Miguel do Anta. A vizinha engraçada. Forrós. Ex dona de boteco. Silêncio. Amargura ou Amor? Dentaduras. Minha felicidade. Minha tristeza. Melhor amiga "de" mãe. Telefonemas diários. Visitas semanais. Trabalho árduo. Caixinha de fotografias - a minha única herança. Infarto aos 77. Meu remorso. Minha infância. Meu velocípede. Meu amor. Minha saudade.
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Mesa farta: café, almoço e jantar. Rezávamos o terço, apesar da nossa preguiça. Desligava o ventilador, após o meu adormecer; Ligava o ventilador, se muito calor; cobria-me com manta grossa, se muito frio - se muito calor. Mãe do meu pai. Cachoeirão, Pocrane, Ipanema, Minas. Nove filhos, todos vingaram (Amém). Puxa-saco dos homens caçulas. Café para tio Rui. Á espera de Pedro, até o fim. Mãe da neta com mãe. Broa, biscoito, café. Preocupação com a neta do meio. Almoços aos domingos, uma vez ao mês. Arroz, feijão, quiabo, frango e angu. Sarcasmo. Ironia. Liberdade. Alguns Natais. Um Réveillon ou dois. Quando vinha a melhor amiga, para o chá, convidava-me para cantar a elas uma canção muito antiga que só eu sei. Pouco contato, até um dia em que puxei assunto e, desde então, nunca mais parou de falar. Falava dos filhos; falava dos netos; falava das dores nas costas; das dores nas pernas; falava - sobretudo - do destino dos netos (preocupada). Não fazia trico. Não mimava. Belas pernas de moça. Belas irmãs, filhas e netas. Eternamente apaixonada pelo marido, vô Sodé. Viuvez aos sessenta. Andava de um lado ao outro, em plena madrugada ou nascer de sol. Hipocondríaca, como meu pai e eu. "Pedrinho chegou?"; "Pedrinho, vem almoçar!"; "Rui, o café!"; "Nenê, já tomou o remédio?"; "Como desentupiu a pia? Com seu nariz?" "Namorado da Amanda? Pra ela até que serve...."; "Tem uns capetinhas aqui, tem uns capetinhas"; "Cade o Rui e o Dário - já me esqueceram?" (quando no hospital). Filha de Chico Bijos - ex padre, ex mascate, ex médico, o único ser humano a ver o diabo pessoalmente, dizem. São Paulo, Espírito Santo, Ipatinga (a irmã de olhos azuis ainda vive lá, com o bombeiro de pias entupidas). "Você? Bailarina de perna grossa?"; "Nutricionista serve pra quê, Elia?". Fanha - como meu pai. Negra, como todos nós. Coração grande. Fala de matraca. Aos poucos, o devaneio. Internações. Alzheimer. Antes, o álbum de fotos e confissões em certo hospital, quando com ela estive por três noites. Um terço pela metade - minha única herança. Falência múltipla de órgãos aos 83. Saudade da broa, do biscoito, do ventilador, da matraca, da voz fanha a que herdaram os netos.
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Obrigada vovó Maria e vó Apolônia.
Por me convidarem ao banquete da vida, no qual permaneci por sorte e picardia.
Obrigada por tantas memórias, as que guardei numa caixinha de palha e pedaço de alma.
Obrigada pela família que me emprestaram. A que amo involuntariamente, sempre que respiro.
acabei de ler, hoje vc me fez voltar ao passado, não taõ distante, mas c saudades e lagrimas, minha eterna vó e mãe nunca vou esquecer nem das broncas.(a saudade doí)bjs
ResponderExcluirEnvidio tu facilidad para convertir la memoria en literatura y las palabras en un antídoto contra el olvido. Ojalá tuviera ese don. Besos
ResponderExcluirPero tu lo tienes. beso.
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