Domingo à noite. Nada para fazer.
Nada de bom; de chato há umas tantas... Correções, leituras obrigatórias, revisões de texto e por aí vai.
Nada de bom a se fazer talvez seja necessário para algo de bom começar a ser sentido. Dando-nos sentido(s).
Perdemos muito tempo de nossas vidas agredindo - muitas vezes sem querer, tantas outras por querer - àqueles a quem amamos. Não falo de uma pessoa específica, mas, por exemplo, da sua vizinha e até do seu cão. Entramos num ciclo vicioso de raiva e ódio e não nos damos conta das qualidades do outro e das pequenas maneiras que o outro tem de demonstrar o amor em sua miudeza. Amor de mãe, por exemplo. Amor de namorado. Amor de cachorro. Amor entre amigos.
No final, amor.
Não se pode mudar o passado e o futuro a Deus pertence, dizem. Ou aos astros. Mas o presente ainda está.
Hoje recebi um grande presente, à distância. E reconheço nele que muitas vezes não dei o melhor amor que tenho. Ou por negação ou por não percebê-lo. Se me permitem um conselho, leitores, reconheçam a partir de hoje os sinais de amor dados e os obscurecidos também. Sinais pequenos. Sempre existem. No presente.
Para se ler o presente é preciso considerar o passado. Mas o presente só tem esse nome, em inúmeras línguas, porque é algo assim: Um mimo dado por outrem. Um carinho gratuito.
Busquemos então reconhecer o amor nas pequenas coisas desde o presente - embora nunca saberemos onde ele começa ou termina.
Conheci a uma moça, uma amiga muito próxima que... Vinda do interior da Zona da Mata mineira e de uma família tradicional, recebeu alguns presentes importantes durante um tempo, esse que não consigo calcular.
Passou em um Mestrado importante. Iniciou uma relação com um homem bem mais velho do que ela; quero dizer... Sei que foi uma batalha para que tal relação fosse aceita pelos seus. Mas foi.
E então, um estágio em Belo Horizonte na sua área de atuação, a fisioterapia.
Depois de tantos presentes, dados no presente, havia também os presentes recebidos no passado - presente: Nasceu cega e voltou a enxergar por milagre; tinha lúpus e, apesar dele, vivia plenamente e como qualquer jovem feliz o faria; enxergava com pouca nitidez, mas ouvia como uma sábia. Ensinou-me a fazer pipoca... Absurdo, não?
As pessoas que nos ensinam as coisas bobas da vida, as que deveríamos aprendê-las sozinhos, no fim das contas são as pessoas mais importantes. Ensinar a uma "macaca veia" a fazer pipoca foi sem dúvida o maior gesto de amor dessa moça para comigo.
Um dia, voltando do estágio em Belo Horizonte, foi atropelada em uma rodovia e morreu.
Com o Mestrado engatilhado, casamento marcado, lúpus controlado e enxergando a vida como ninguém.
Vinte e três anos.
Acabou.
Morreu atropelada numa rodovia ou avenida (a que graças a Deus desconheço, pois moro em Belo Horizonte; ainda que vá a Viçosa com frequência, minha segunda casa. E a terceira, vocês já sabem que é São Paulo. A quarta, ainda não me disseram). Não é triste?
Ainda assim, amou como pode em seus vinte três anos de vida. Distribuiu o seu amor às pessoas de formas diferentes. Tinha amigas mais próximas do que eu, mas dela nunca senti ciúme algum: Como sentir ciúmes ou raiva de uma amiga que lhe ensina a fazer pipoca (ambas com vinte e um anos). Acontece, às vezes, mas porque não enxergamos o grão.
Passemos daqui para frente, numa realidade atemporal, a transvalorar os momentos ruins e lembrar que, apesar deles, ou até mesmo por eles, o amor também estava lá.
Está.
Eu peço desculpas ao universo pelo Mal que causei a tantas pessoas sem querer ou por querer.
Mas agradeço ao mesmo universo pela oportunidade presente de relembrar esses detalhes... de agradecê-los, corrigi-los, reinterpretá-los e continuá-los de maneiras diferentes.
Como uma pipoca. Uma flor. Uma piada. Uma mentira bem intencionada. Uma mensagem. Um perdão. Uma companhia em um dia chuvoso. Um riso compartilhado...
...Uma pipoca ensinada a ser feita. Uma pipoca compartilhada entre amantes em um cinema. Uma pipoca engasgada na companhia de uma amiga. Uma pipoca feita por alguém que lhe ama.
No Tupi, pipoca significa pele arrebentada: "Pipoca – do Tupi Guarani pi(ra)- pele; poca-rebentar; a pele rebentada. É o produto dos grãos de milho, estourados/arrebentados em panela, no calor do fogo (eles explodem, quando aquecidos)."
O amor é um pouco isso. Ele nasce no calor do fogo, mas se materializa no grão que, de tão miúdo, quase não o notamos: Comemos-lo com ânsia e não o notamos, embora, às vezes, engasguemos-nos e soframos para o desengasgue do grão seco.
Passemos a notá-lo daqui para frente. A reinventar também a pipoca e o grão que a gerou. Antes que seja tarde.
Mas desconfio que nunca o é.
Post em memória de Julya Victor...
cuja cor preferida sempre foi rosa.
Demais fontes: http://www.dicionariotupiguarani.com.br/dicionario/pipoca/
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