sexta-feira, 5 de maio de 2017

Samba-em-Berlim & AMIGO SINHÔ SARAVÁ

Fonte: Orson Welles gravando "it´s all true". Carnaval do Rio de Janeiro, 1942. (Em Pinterest)


PARTE I -  SAMBA-EM-BERLIM

"[...] '– A cerveja tá gelada, Quincas? – perguntou o ator brasileiro, miúdo e de boné, ao garçom português. – Se estiver, manda ver.

– Estupidamente gelada, seu Grande Otelo – respondeu o garçom bigodudo, tirando uma garrafa do freezer e botando no balcão diante dos fregueses, trepados em tamboretes altos.

– Quem bebe cerveja estupidamente gelada é um estúpido – sentenciou o ator brasileiro, repetindo Luiz Lobo, apreciador de frases de efeito.
– Concordo – disse o ator norte-americano, grande e gordo, examinando debaixo da luz fraca um pedaço de peixe. – Essa sardinha tem espinho demais.
– O que você queria num botequim brasileiro, Mr. Welles? – ironizou o ator brasileiro. – Mastiga bem e engole. Espinha de sardinha não mata ninguém. É só empurrar com arroz e pimenta.
– De fato – admitiu o ator norte-americano. – Então, Quincas, manda também duas doses duplas de samba-em-Berlim.
 – E que diabo vem a ser samba-em-Berlim? – perguntou o garçom.
– Um drink que acabo de inventar em homenagem a nosso amigo aqui: cachaça com Coca-Cola. Uma parte de cachaça e duas de Coca-Cola. Marrom como ele, basta uma dose pra transformar o mundo em alegria pura.
– E por que Berlim? – indagou o homenageado.
– Não faço a menor ideia.
LONGA JORNADA NOITE ADENTRO
Eram quatro horas da madrugada. Custaram a escapar do Copacabana Palace, lotado de amigos, curiosos e jornalistas. Orson Welles queria conversar com Grande Otelo longe de gente intrometida e propôs saírem dali. Agora estavam sozinhos num botequim do Beco da Fome, na baixa Copacabana.
– Você é o melhor ator brasileiro – disse o ator norte-americano.
– Já fui informado, obrigado – respondeu o ator brasileiro, mastigando um pedaço de sardinha. – Muitos já me disseram a mesma coisa. Até na Europa.
– Quero que você vá comigo pros Estados Unidos. Podemos fazer vários filmes e você ganhará muito dinheiro.
– Ganho muito dinheiro aqui mesmo. Ganho um conto de réis por mês, às vezes mais. Além disso, não estou disposto a suportar os racistas de seu país.
– Mas aqui também está cheio de racista. Uma semana no Brasil e já deu pra sentir como é. No hotel mesmo, fora artista e garçom, o resto todo era jornalista branco e grã-fino metido a besta.
– É. Mas aqui não tem a separação rigorosa que tem lá. Preconceito sim, mas a gente anda na rua de cabeça erguida e frequenta os lugares sem ser incomodado.
– Quando dá em dólar um conto de réis?
– Não sei nem quero saber. Não estou interessado.
– Então filmamos aqui mesmo – teimou Orson Welles. – E vai se chamar “It’s all true”, que tal? Inventei agora.
– Puxa vida, com essa são duas invenções numa noite só. Eu topo.
O ator norte-americano, de puro entusiasmo, abraçou com força o ator brasileiro, quase lhe quebrando as costelas. Sorrindo e encarando-se, brindaram com o resto do samba-em-Berlim: novos amigos de fé.
– Mais duas doses duplas, Quincas – comandou o ator norte-americano."
FONTE: http://jornalggn.com.br/blog/sebastiao-nunes/grande-otelo-e-orson-welles-comem-sardinha-frita-no-beco-da-fome

Fonte: http://www.folhavitoria.com.br/entretenimento/noticia/2015/10/retrospectiva-marca-os-100-anos-de-nascimento-de-grande-otelo.html

 Novos amigos de Fé...
Fonte: Ary Barrosso , Welles e Vinicius de Moraes. Fonte: http://www.contramare.net/site/pt/citizen-samba-2/

ORSON WELLES EM FILMAGEM

A Manhã , 30 de Abril de1942

Ontem fui à Cinédia, a convite de Orson Welles, para vê-lo um pouco em ação. Anteontem o havia encontrado em Copacabana, e, como sempre acontece quando o encontro, toda a minha admiração e simpatia por ele se renovaram. Discutimos, como também sempre acontece, numa roda onde se achavam entre outros amigos o pintor Misha e o escritor Aníbal Machado (escritor é a única palavra que cabe para Aníbal Machado, que se sente à vontade em qualquer gênero de prosa), e dessa discussão nasceu o convite. Apressei-me a ir, naturalmente. A verdade é que, em toda minha longa vida de fã e estudioso de cinema, faltou-me essa experiência. Não a considero de máxima importância, uma vez que a filmagem é processo muito mecânico demais, com um aparato muito fotográfico demais para interessar especialmente um leigo como eu. O melhor do interesse da filmagem reside no diretor, no seu modo de ver: e convenhamos que por mais que eu conheça Orson Welles não me é possível decifrar o que lhe vai na cabeçorra. Mas mesmo assim interessava. Eu queria vê-lo mover-se; vê-lo "ver", vê-lo tratar com os amadores que o servem, nesse momento. 


Não me arrependi. Achei Orson Welles esplêndido. E que energia, que vitalidade, que ubiqüidade há nesse grande brasileiro! Brasileiro, sim; Orson Welles começa a conhecer o Brasil, ou pelo menos um lado importante da alma do Brasil, melhor que muito sociólogo, que muito romancista, que muito crítico, que muito poeta brasileiro que anda por aí. Sua visão é às vezes crua, mas nunca peca por injustiça. E Orson Welles soube compreender como ninguém a importância do nosso caráter, dos nossos erros, dos nossos comodismos, das nossas qualidades por assim dizer negativas. A isso ele dá importância, à natureza coletiva que se começa a formar a bem dizer do nada, num impulso brasileiro, de criação autodidata, à luz das melhores e piores influências, e em verdade autônoma. 

Orson Welles está de tal modo de posse do nosso carnaval que Jaime Azevedo Rodrigues, que estava comigo, aconselhou-o a fazer uma palestra sobre todos os carioquismos, todas as "pintas", todos os ritmos, todos os instrumentos, e sobre tudo aquilo que esse garotão americano sabe. Olhando o estúdio em volta, disse-nos ele, uma hora, lá: "Amor aqui é mato." Rimo-nos, e eu perguntei a ele se já sabia que carência de alguma coisa aqui era "gasolina". Ele me olhou com desprezo. Para não me encabular diante dos presentes declarou-me que a piada já era velha... 

Disse-me, inclusive, que a cuíca tinha sido introduzida em nosso conjunto instrumental popular através do cinema americano, coisa que me deixou de boca aberta, e que preciso perguntar amanhã a Mário de Andrade, que conhece essas coisas melhor que Orson Welles. 

É um ótimo companheiro. Visse o leitor o modo como trata os seus atores, sempre brincando com eles, sempre os ajudando, nunca os pondo nervosos ou encabulados, e teria uma boa noção da dificuldade e da trabalheira que um filme dá a um diretor consciente. Orson Welles tomava ontem uma cena mínima, de um baile de carnaval. Fê-la, no entanto, repetir várias vezes, e eu pude observá-lo bem, a meu lado, os olhos meio esbugalhados na atenção, até que gritou o seu Cut! com um ar satisfeito. A menina que representava tinha acertado, enfim. Tratava-se de dar dois passos para a frente e ficar com um arzinho ligeiramente enciumado, ligeiramente consternado. Só isso. E quanta canseira... 

Conversou-se muito. Conversa que não daria para uma crônica, mas para muitas, algumas das quais nem sei se lógicas. Orson Welles está consciente da verdade do seu esforço, e disse-me que se o filme não sair bom a culpa não terá sido dele.

Falar verdade, é dificil saber exatamente o que vai ser esse filme seu. Mas de qualquer modo será um documentário da maior importância sobre nossa verdadeira vida e nossos verdadeiros costumes, que eu acho não devem envergonhar ninguém.

Não somos uma raça, e não nos devemos pejar disso. O nosso negro é um valor excelente, e de grande expressão. Não há razão para escondê-lo, criando um preconceito que não cabe na nossa natureza de povo americano. Devemos nos mostrar tal como somos, tal como fomos feitos. Porque, se alguma coisa de boa deve sair do Brasil, virá dessa consciência de nossa impureza e do nosso provincianismo. Há um destino a cumprir em cada povo. O Brasil se apronta para cumprir o seu. Mas que o faça sem couraças adamantinas, que não lhe vão bem no corpo mestiçado.
FONTE: Vinicius de Moraes sobre Orson Welles. EM; http://www.viniciusdemoraes.com.br/pt-br/cinema/orson-welles-em-filmagem
Vodoo Macabeth por Orson Welles. Fonte: https://dp.la/exhibitions/exhibits/show/the-show/african-american-theatre-impac/orson-welles-voodoo-macbeth

PARTE II - AMIGO SINHÔ SARAVÁ
FONTE: http://noize.com.br/35-anos-sem-vinicius-de-moraes-o-candomble-na-vida-poetinha/

"O canto da mais difícil
E mais misteriosa das deusas
Do candomblé baiano
Aquela que sabe tudo
Sobre as ervas
Sobre a alquimia do amor

Deaaá! Deeerê! Deaaá!"

"O homem que diz dou
Não dá!
Porque quem dá mesmo
Não diz!
O homem que diz vou
Não vai!
Porque quando foi
Já não quis!
O homem que diz sou
Não é!
Porque quem é mesmo é
Não sou!
O homem que diz tou
Não tá
Porque ninguém tá
Quando quer
Coitado do homem que cai
No canto de Ossanha
Traidor!
Coitado do homem que vai
Atrás de mandinga de amor

Vai! Vai! Vai! Vai!
Não Vou!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Não Vou!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Não Vou!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Não Vou!

Que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor
Que passou
Não!
Eu só vou se for prá ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor

Amigo sinhô
Saravá
Xangô me mandou lhe dizer
Se é canto de Ossanha
Não vá!
Que muito vai se arrepender
Pergunte pr'o seu Orixá
O amor só é bom se doer
Pergunte pr'o seu Orixá
O amor só é bom se doer

Vai! Vai! Vai! Vai!
Amar!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Sofrer!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Chorar!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Dizer!

Que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor
Que passou
Não!
Eu só vou se for prá ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor

Vai! Vai! Vai! Vai!
Amar!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Sofrer!
Vai! Vai! Vai! Vai!
Chorar!
Vai! Vai! Vai! Vai!

Dizer!"


Pergunte pro seu orixá: it´s all true.
THE END...
**Demais fontes: youtube e Letras.Mus.BR

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