Durante as filmagens do nunca concretizado It´s all true (1942) de Orson Welles (por quem estou apaixonada), decidiu o grande astro filmar a segunda parte do "longa" em Fortaleza, narrando as dores e proezas dos jangadeiros, pescadores e pessoas que lá viviam. Seu primeiro contato foi com o cearense Jacaré (cujo nome esqueci). Esse senhor era uma espécie de militante daquela gente e assim considerado pelo governo Vargas como um comuna. Isso foi possivelmente um dos porquês do filme não ter sido realizado: Não era objetivo de Welles mostrar um Brasil exportação, senão a vida real das gentes excluídas daquele 42.
Jacaré, um dos protagonistas, faleceu em plena gravação fílmica, enquanto uma onda levou a jangada (se assim entendi) à deriva. Os outros três companheiros sobreviveram. Consternado, Welles, após certo tempo, retorna à Fortaleza e finaliza o filme, ainda que haja dúvidas sobre quem de fato o editou, haja vista que seus registros só foram encontrados em 1985 (a data é precisa, pois foi o ano em que nasci). Nessa segunda refilmagem (desculpem a redundância) imitaram o enterro de Jacaré de tal forma que, ainda em silêncio, preto e branco, sem dinheiro, sem incentivo por parte do governo Americano (principal interessado nessa rodagem) - foi uma das coisas mais belas que pude assistir na vida (n'outra aula de Doutorado). Dessa maneira, quis postar a foto dele aqui para, de certa forma, eternizá-lo em meu reles Sofia.
Foi um choro sem lágrima - o meu - ou desses de lágrima interna. Foi um silêncio. Lembrou-me muito as Danças da Morte e fiz ali uma série de inferências. A vida realmente é muito triste, porém, em paradoxo, há uma beleza misteriosa nela. O povoado todo acompanhando o enterro do jangadeiro, pessoas que nunca sequer haviam visto uma câmera e infelizmente nunca assistiram ao filme, tampouco seus descendentes. Apenas nós, cults e acadêmicos... (silêncio e raiva). Porém, essas pessoas simples o interpretaram de maneira tão extraordinária e viva, que me deixaram sem palavras e sem lágrima.
Há coisas que só a não palavra exprime, mas eu não sabia.
Não faço ideia de como encontrar esse filme, na verdade um documentário, mas gostaria muito de tê-lo em casa. Até então, o único de Welles que havia assistido na vida fora "Othelo", nem sequer Cidadão Kane cheguei a ver. Caso algum leitor queira deixar uma dica de onde encontrá-lo ou comprá-lo, fiquem à vontade. Claro que poderia ter perguntado a meu professor, mas deu-me um pouco de preguiça...rs.
Contudo, o texto ainda é sobre Jacaré e as intempéries da vida. Toda nação, estado, cidade, bairro ou povoado precisa de um líder e Jacaré foi um grande herói nesse sentido. Associei sua figura rapidamente a de Lula e, embora não tenha acompanhado seu depoimento e últimos acontecidos, espero que esse homem tire forças de qualquer lugar e seja o nosso presidente em 2018. Espero que realmente não tenha feito merda alguma; ou ao menos, uma pequena, dessas que fazemos vez ou outra em moda privada. Espero muitas coisas, mas senti saudades do Lula e de tudo aquilo feito por esse povo antes invisível: Jangadeiros, pescadores, nordestinos, mulheres, índios, negros, pobres, filhos. Minha visão é sim romantizada, mas é a minha visão sobre os fatos e não fatos.
A verdade é que estamos à beira do abismo e nisso coxinhas e mortadelas se dão mãos. Estamos à beira de um abismo e , já em um caos político, isso me dá bastante medo. Medo do futuro. Medo da crise. Medo do desemprego. Medo da não aposentadoria. Medo da educação a que meus dois filhos receberão. Medo de que nem cheguem a nascer, esses dois. À beira de um abismo.
Pesquisei aqui: Manuel Olímpio Meira é o nome de Jacaré.
Foi também poeta, além de líder, jangadeiro e pescador.
A sua vida e morte dedico (-lhe) um poema de outro Manuel (Bandeira).
O rio
"Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas."
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas no céu, refleti-las
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranqüilas."
Já para Lula, dedico-lhe o de outro Manoel (de Barros)
Os
deslimites da palavra
"Ando muito
completo de vazios.
Meu órgão de morrer me predomina. Estou sem eternidades.
Não posso mais saber quando amanheço ontem.
Está rengo de mim o amanhecer.
Está rengo de mim o amanhecer.
Ouço o tamanho oblíquo de uma folha.
Atrás do ocaso fervem os insetos.
Enfiei o que pude dentro de um grilo o meu
destino.
Essas coisas me mudam para cisco.
A minha independência tem algemas"
Por fim, em homenagem aos heróis e reis, um discurso sem palavras:
Até mais...
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