segunda-feira, 25 de julho de 2022

Pressentimento de desastre

 

Há dois anos, com o início da Pandemia de Covid-19, tinha em mente o não estabelecimento de uma meta de vida, a ideia era não colocar uma meta,  deixar a meta aberta e quando a gente coletivamente atingisse a meta, eu a dobraria.  Pois bem: tudo sucedeu-se como pensando e hoje aqui estou dobrando a meta: é preciso sobreviver não só à pandemia, mas à nova vida nova-normal, que de normal nada tem. 

Pressentimento de desastre.

Um dos autores que estudo no doutorado, o Javier Marias (Madrid, 1951), traz para dentro do seu universo diegético em dois dos meus livros preferidos da vida, Coração tão branco e Amanhã na batalha pensa em mim, dos anos de 1992 e 1994 respectivamente, salvo engano, essa noção através do olhar de duas personagens narradoras que, ao se depararem com a situação de morte de duas mulheres sendo uma delas a tia desse narrador de "Coração", e em "Amanhã", a amante em potencial do também narrador desse segundo romance, essas personagens passam a viver sob o crivo de um encantamento no qual se tem a tensão conflitiva de um pressentimento de revelação de uma tal verdade-velada, eixo motriz da tessitura romanesca, acontecimento com grande carga destrutiva, mas a la vez, criaccional.  Embora seja um acontecimento mais adequado para o primeiro livro, leio o segundo como uma extensão desse, como obras-gêmeas e espelhadas. 

Tenho a impressão, querides leitores, que todos nós somos dotados desse mecanismo - sabe-se lá eu de que procedência, mas eu chutaria glândula pineal - a capacidade de pressentir a aproximação de algo muito grande, a ponto de nos transformar. Isso já foi dito no post anterior, a propósito, um texto muito ruim, mas com a exceção de dois grandes amigo e amiga de escrita que vez ou outra me visitam quando texto há nessa padaria, não creio que esse espaço ainda agregue alguma vivalma. 

Até aí tudo bem.

O que a glândula pineal e o nosso córtex pré-frontal ignoram, por outro lado, é a transformação cotidiana e a capacidade que a pequena soma de caos + tempo + realidade + obrigação nos é capaz de também ofertar (Atenção, leitores: Sofia está descobrindo a maturidade!): a resiliência. 

(Texto em construção e que nunca será concluído)

segunda-feira, 14 de março de 2022

NOEL BILL, BOZO E A SEGUNDA AMANDA: DELÍRIO PLÁSTICO

Quando criança demorei um bom bocado para desacreditar no Papai-Noel, Senhor Noel. Aos dez anos, ainda tinha o hábito da cartinha natalina deixada a Deus-dará: sim, a Deus- dará, porque nessa idade, o meu bom velhinho não era um produto neoliberal à la Coca-cola, senão um espírito que - na minha imaginação - inspirava os entes próximos a cometerem atos de bondade. É possível que eu ainda acredite nisso e que essa seja a minha versão atual de Deus, mas aos dez anos, caríssimes leitores, quase tudo era possível. Até que um dia minha avó materna me disse assim de jeito "seu Papai Noel se chama Raimundo". Ali o meu mundo desabou e comecei a chorar. Para então criar a fictícia noção de um Noel Gasparzinho, isto é, a minha força plástica. 

Sendo assim, senhoras e senhores, não sei bem o que nasceu primeiro, o espírito ou o sopro, mas, seja como for, o objetivo dessa microcrônica é outro. Estamos bem antes desse incidente natalino, voltemos aos anos de 1989 ou 1990, eu e meus quatro ou cinco anos. Meus pais me levaram ao Center Norte, shopping badalado em São Paulo - na época - porque traduzia num single genial o espírito capitalista do Natal, como esquecer: "Center Norte, alegria, Papai Noel existe mesmo e mora lá". 

Ops! Como a memória é interessante, ou, no caso, a não-memória!

Nunca fui ao Center Norte. Fomos ao "coquinho" mesmo, ao Shopping Interlagos, nosso shopping de quintal. Mas para mim era o Center Norte (novamente, Força Plástica). Apreensiva, queria muito pedir àquele bizarro senhor algo ainda mais bizarro: um boneco gigante do Bozo. Sim...Era eu uma criança encantada pelo palhaço Bozo. Havia naquela representação certa canastrice que o fazia muito interessante, como a Xuxa verde da década de oitenta. Era o meu anti-herói, eu sempre gostei dos esquisitões. Contudo, havia uma segunda opção mais sóbria para ser pedida por uma garotinha com o meu perfil (eu era tímida e hoje posso dizer que sou uma falsa extrovertida. Ando muito feliz desde a quebra do meu celular, sinto imenso pesar em ter de consertá-lo amanhã...), um vinil do grupo infantil "Turma da Alegria". Havia uma Amanda nesse grupo, meu verdadeiro nome (não sou Sofia, uma pena, seria o nome da minha segunda filha se houvesse uma primeira...) e eu sentia muito ciúmes de que existisse no mundo, no universo, no caos, uma pessoa de mesmo nome que o meu. 

Para entender o mistério, virei fã da bandinha dos 80's e, a fim de selar essa união, um vinil com a carinha dos pequenos, sendo eu ainda menor, era uma boa pedida. Mas eu queria o esquisito desforme anti-herói cocainômano Bozo. Sentei no colo do velhinho, algo por si só igualmente bizarro....talvez sentasse sobre o banco do trenó. Pois bem, disse-lhe: "eu quero o disco do Trem da Alegria" (ato falho: é TREM, não turma). E saí, em silêncio, do trenó fake não Center Norte alegria, onde residia o verdadeiro e ilustre Papai Noel. Ao chegar ao carro dos meus pais, sentada no banco de trás, comecei a chorar de soluçar. Chorei muito. E disse, como quem revela um segredo, que o meu desejo verdade-verdadeiro era o boneco Bozo, mas, como saberia o Papai Noel, se lhe disse o vinil do Trem da Alegria? Seria capaz, Santa Claus, de adivinhações dos pensamentos infantis dos esquisitinhos? 

 Bom. Como filha única e mimada que sempre fui, ganhei o boneco Bozo naquele Natal e , em uma data posterior, o disco do Juninho Bill - meu crush aos seis - e de seus comparsas, dentre eles a segunda Amanda a existir no mundo. E todos foram felizes para sempre. Correto? Errado...

 Hoje, tenho 36 anos. Ainda acho inacreditável o fato de estar envelhecendo, e embora não devesse me orgulhar, envelheço bem e envelheço mal; bem porque sou uma eterna criança; e mal, pela mesma razão. Também minha aparência não revela a idade que possuo, muito embora seja um prato cheio para comentários machistas e sexistas disfarçados de elogio: "Nossa! você parece muito mais nova". "O quê? Você já se divorciou?" "O quê? você já se casou?" "O quê? Você assistia ao Palhaço Bozo REAL?" E por aí vai..... Mas, voltando: ainda hoje me vejo como aquela menininha que sabia muito bem o que queria mas, por medo, sempre expressava a sua segunda opção, uma vez que ela também era boa. A segunda opção a faria alegre...a primeira, feliz. E ser feliz é difícil, amedrontador: ser feliz é a força plástica da força plástica; como saber felicidade para quem sempre se conformou com a alegria? Preciso escolher entre o boneco bozo e o vinil do Juninho Bill, e não sei por onde começar. 

Escolher o Palhaço Bozo é correr o risco do fracasso. 
Se aos cinco essa sensação já era desesperadora, quem dirá aos trinta e seis, quando à vista de um Trem pode ser a última estação? 
A última chance. 

Sofia de Buteco, março de 2022.
#ForaBolsonaro


*Imagem domínio público.

terça-feira, 8 de março de 2022

O Palmeiras já tem mundial?



Feijão, Frango com macarronada,

Tempero Pernambucano.

A foto do Senhor em fronte à mesa de bilhar,

Acompanha o último calendário, 1975 - 

Quando nascera a sobrinha preferida.

Viagens à terra Santa, ao Canal da Terra Santa,

Santa Santa - Glória nas alturas, o céu e a terra se mexem, debaixo do sofá de um lugar, um pouco sujo, um pouco torpe, morada de um animal sem lar.

Viva o Palmeiras, sem mundial. 

Fotos dos primos de segundo grau e das primas das filhas da vizinhança,

Uma ambulante telúrica, eixo Pernambuco - São Paulo.

Sabará é o nosso amor, minha herança não-sanguínea. 

Nos perdemos. 

Silêncio. 

Quatro anos.

Silêncio.

Tia Ivany partiu, vestindo a camisa do Palmeiras. 

Tia Ivany: Não assistirás nunca a um mundial do Palmeiras.

Mas nós a amamos. 

(luto - 07 de março de 2022)

quinta-feira, 10 de junho de 2021