quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Tempestade

*google.
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Sempre admirei pessoas capazes de grandes mudanças, conversões religiosas, conquistas impossíveis. Desconheço o mecanismo que as movam, mas desconfio de que seja uma mistura de paixão, raiva e necessidade,não exatamente nessa ordem,

Não tive uma vida de muitas conquistas, a não ser aos quatorze e quinze anos, ao decidir que conheceria a banda Hanson pessoalmente; não só isso, os reencontraria para tirar uma foto que não deu tempo no primeiro encontro. Acho que naquele momento, paixão, raiva e necessidade (ainda que inventada) fizeram-se valer e consegui o que muitos, na época, invejaram. Hoje talvez seja fácil, ainda tenho vontade de revê-los, por volta do fim da vida, com a chegada da velhice, para contar-lhes sobre minha admiração. Ultimamente há mudanças mais urgentes a serem feitas.

De maneira ou outa, o fato é que ninguém muda sem necessidade. Ninguém acorda n'um domingo de manhã propondo-se a ser uma pessoa melhor, trabalhar em uma ONG, adotar um filho, fazer academia, entrar com um processo contra a empresa que o demitiu sem justa causa....mudar alguns defeitos. As pessoas, pelo menos as que conheci, mudam por necessidade: para fugirem da solidão, do medo, do abandono, da dor; para serem felizes e com isso tornar as pessoas ao redor - companheiro(a), filhos, vizinhos, amigos, humanidade.... - igualmente felizes. As pessoas são acomodadas e permaneceríamos ainda nas trevas se a necessidade de esquentarmo-nos não houvesse feito com que, instintivamente, o homem criasse o fogo. O mesmo se dá com essas modelos que após posarem para revistas masculinas tornam-se evangélicas ou qualquer outra ramificação. Não consigo analisar o porquê....(não acho vergonhoso posar nua) mas há alguma razão, a pretensa ideia de haver chegado ao fundo do poço. Cada ser humano tem sua ideia única sobre o que vem a ser o fundo do poço.

Não só admiro como também creio nessas conversões religiosas, nesse estalar de dedos que faz com que o sujeito decida tomar a estrada contrária, evitando assim uma morte precoce, morte de um amor, morte de uma amizade, morte de um sonho, ou de si mesmo. Não creio, todavia, que essas coisas se deem de repente, acho que é um processo longo e gradativo, mas possível, pensando no tripé acima (paixão, raiva e necessidade).

Sou escorpiana e como tal sempre tive de berço paixão e raiva. Em minha última apresentação de Ballet, em um festival, apresentando "o desafio de Kitri", sentia uma raiva imensa dentro de mim. Raiva por saber que possivelmente seria a última vez que pisaria num palco. Prestes a me mudar para o interior de Minas, via naquele momento o naufrágio da minha carreira de bailarina. Bem, naquela altura da vida já não queria dançar profissionalmente, mas queria ainda curtir a leveza que a juventude me proporcionava. Da coxia, três batidinhas no chão e um sinal da cruz, como sempre. Ao entrar naquele palco, já não era eu, tampouco Kitri, era um ser intermediário movido por uma paixão, uma saudade, uma vontade de permanecer eternamente ali. Fiz um "balance" perfeito; a diagonal com pirouettes simples foi perfeita, finalizando-a com uma tripla. Aplaudiram-me de pé.

A menina da coxia me abraçou (uma desconhecida), dando-me os parabéns.

Por fim, ganhei o terceiro lugar junto de outra colega. Eu estava gorda (risos). Mal tive o prazer de subir ao palco e pegar o meu troféu, visto que minha colega, e amiga, muito mais "aparecida", mal ouviu o próprio nome e saiu a correr, pegando o dela e o meu - troféu. A verdade é que o joguei fora, nunca mais o vi, mas naqueles segundos de variação de repertório, sofri novamente o transe das grandes conversões.

Poucas vezes vivi o mesmo. Sou do tipo que me deixo abater pelo ódio, pela tristeza, pela injustiça, pelo medo de perder. Já vi tantas e tantas pessoas morrendo, tantos jovens....que de alguma forma isso me bloqueia, todas as vezes que tento mudar algum comportamento viciado.

Estou passando por um momento de muita dor. Dentro de mim, sinto a ressaca do mar, ressaca de pensamentos, vontade de me segurar em algum apoio que não vem, que não enxergo, que não existe. Sou o tipo de pessoa que venceria uma leucemia linfoide aguda, mas que não consegue vencer os seus sentimentos.

Queria outra vida.

Mas, na impossibilidade de tê-la, decidi que vou mudar algumas coisas na que já possuo, coisas práticas e coisas mais complexas, dessas que só mudamos por amor ou pela ausência dele.

Um brinde ao que virá!