domingo, 30 de abril de 2017

FRANCISCO ERASMO RODRIGUES DE LIMA: DOM QUIXOTE DA SÉ

                                           FONTE: Conservadorismo do Brasil

Dedicado a Francisco Erasmo Rodrigues de Lima (in memoriam)


"Quando o amor o chamar,

Se guie.

Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados

E quando ele vos envolver com suas asas
Cedei-lhe
Embora a espada oculta na sua plumagem possa feri-vos.

[...] O amor nada dá, senão de si próprio.
E nada recebe, senão de si próprio.
O amor não possui, nem se deixa possuir.
Pois o amor basta-se a si mesmo.
Quando um de vós ama, que não diga “Deus está no meu coração”
Mas que diga antes, “eu estou no coração de Deus”
(Trecho retirado do Alcorão - ou Corão).




Desde o ano passado venho tentando retornar ao Sofia de Buteco, embora saiba que está mais para fora de moda a escritura em Blogs. Na era dos Youtubers e de outros aplicativos, a palavra escrita perdeu um pouco da sua força atrativa; do encanto para os leitores. Contudo, jamais poderia ter um canal no Youtube, mesmo já havendo recebido convites para tal: 1. Não gosto de vídeos e tampouco da minha voz (apenas para cantar em karaokês ou determinadas músicas nas quais possuo afinação por sorte, sobretudo o choro e o samba); 2. Sou extremamente tímida; 3. Escrever é uma das coisas que mais aprecio e, sendo de graça, não poderei evitá-lo mais: Já era tempo de reaparecer.

A primeira providência foi contar com um novo Layout criado por minha amiga Claudineia Rosa (Obrigada por isso!). A segunda foi a escolha do tema. Já o havia feito há muito, porém, as intempéries da vida me obrigaram a recomeçá-lo pelo meio e não pelo início. A terceira providência está em processo: Retomar os velhos e novos canais de divulgação. Voltemos então ao começo. O Sofia de Buteco é um Blog pessoal, cujo objetivo é expor uma espécie de diário ficcional, acrescido por colagens e montagens feitas pela autora que voz fala. Passemos, sem mais milongas, ao que deveria haver sido o texto de estreia. 

Em qualquer dicionário de nomes que busquemos haverá lá como definição de Francisco: "livre" ou "francês livre". Como esse texto nada tem de francês, recordemos apenas o sentido de liberdade a que o nome evoca. Ao procurarmos por Erasmo, eis que encontro: "Significa 'o que gera amor', 'amável', 'amoroso'.Tem origem no grego Erásmios, derivado da palavra erasmós que quer dizer 'amor' ”. Posso, em livre interpretação, concluir que o nome Francisco Erasmo seria algo como "aquele que ama e gera o amor livremente". Por coincidência maior, Francisco é o nome do meu tio preferido por parte de pai (perdoem-me os demais tios...); e Erasmo, do cantor preferido de meu pai, que se chama Raimundo, e possivelmente o de meu tio Francisco inclusive. A escolha temática já estava feita desde o dia quatro de setembro de 2015. Mas é somente agora que ela se verbaliza (ou se textualiza).

Escadaria da Catedral da Sé, São Paulo.  Uma mulher que então lá rezava foi mantida como refém de um bandido desesperado que, possivelmente (minhas inferências), ao avistar a polícia fora da Igreja imaginou que mantendo-a como refém poderia, talvez, escapar de uma nova prisão ou do risco de morte. Seu nome era Luiz Antônio da Silva, cuja extensa ficha policial não nos interessa aqui: Cada ser humano tem seus motivos para fazer as más e as boas escolhas que a vida lhes limita. Deixemo-os o pobre, que hoje descansa ou purga em "paz". A moça em questão, Elenilza Mariana, de 25 anos (pouco nos importa as preces que ali fazia e o porquê ali estava...), foi então mantida como prisioneira e, segundo a jovem: "[...]'Desci as escadas todinhas com ele. Quando eu avistei os policiais, eles vieram e abordaram ele. Quando falaram ‘mão pra cima’, ele começou a dar tiro nos policiais. Me segurou, começou a subir de novo as escadas comigo. Teve uma hora que ele escorregou, foi a hora que eu consegui segurar a arma dele. Foi na hora que ele puxou com tudo, aí acabou atingindo meu olho', afirma a refém."

Foi naquele momento em que surgiu o herói da nossa história, um senhor - morador de rua por opção (mais tarde falarei sobre isso) - cujo nome era (ou é) Francisco Erasmo. O senhor, de 61 anos, que passava por ali casualmente, com uma pequena sacola em mãos, por razões as que nunca serão conhecidas, só imaginadas, interveio na cena do crime tentando salvar a moça. Parece-nos que se aproximou do "casal" e avançou contra o homem que abraçava a refém sob a mira de uma arma. Ele conseguiu empurrar o "criminoso", mas esse foi mais rápido em pegar a arma e atirar em nosso Dom Quixote. Em seguida, é possível ouvir (ver? com pouca nitidez) os disparos da polícia que deram cabo à vida do "suspeito": o criminoso cai morto instantaneamente. Há vídeos e mais vídeos sobre o caso, mas deixo à curiosidade do leitor para que o veja, pois a minha escritura traz outra proposta. Ainda, segundo a refém: "O senhorzinho veio, empurrou ele e os dois caíram. Na hora que eu me levantei. Desci as escadas correndo. Ainda eu vi o senhorzinho sendo atingido”. Por quem? Pelo criminoso ou pela polícia? Conforme disse, muito se escutou mas pouco se viu, com a nitidez necessária. Em menos de um mês o caso já havia sido esquecido, exceto por mim, que o mantenho comigo quase diariamente e, em uma aula de Doutorado da semana passada, o episódio me veio à mente e por isso estamos aqui, neste momento único. 

Francisco Erasmo era morador de rua por "opção". Os onze familiares (ou parentes) que compareceram em seu enterro, sem velório, afirmaram que o nosso Dom Quixote da Sé vivia nas ruas do Centro de São Paulo há dez anos, devido a problemas com bebida. Era casado, tinha quatro filhos (um desses era filha, pesquisei), dormia em albergues e já havia tido passagens pela polícia. O "morador de rua" foi enterrado na presença da sobrinha, da filha mais velha, da esposa e dos demais parentes. Na época, meu tio e pai tinham quase a mesma idade desse senhor, então, egoistamente pensava (egoistamente porque nunca saberemos o que realmente ocorreu na vida daquela família): Onde estavam todas essas pessoas enquanto ele dormia nas ruas negras e sujas de São Paulo?

"O amor nada dá senão a si próprio"

Durante a aula de Doutorado que comentei, discutíamos a proposta de Amor Fati de Nietzsche e a leveza do seu pensamento filosófico, apesar da sua melancolia e morte trágica. Discutíamos também a noção de Desejo. Todo o ser humano possui desejo e, ao ser castrado dele (como supostamente é imposto pelo catolicismo e outras religiões), esse homem nega-se em vez de afirmar-se. Como era de se supor, a discussão tomou outro rumo - O que é o Amor? 

Para mim há várias formas de amor e todas legítimas.

E se o desejo de um sujeito for o do amor sacrificial? Bem, para boa parte das pessoas que lá estavam, o amor é um processo de alegria pura, de liberdade incondicional destinado à humanidade. Habituados a uma formação judaico-cristã, acreditamos levianamente que o amor nada tem de sacrificial, de Ágape: "Ágape (em grego "αγάπη", transliterado para o latim "agape"), é uma das diversas palavras gregas para o amor. A palavra foi usada de maneiras diferentes por uma variedade de fontes contemporâneas e antigas, incluindo os escritores da Bíblia".

Ora, como sou uma aluna B (e não A), obviamente não me arriscaria a falar de Deus ou de amor Ágape em uma aula sobre Nietzsche. Mas recordei, em breve alusão, aos "castrados" Juan de la Cruz ou Tereza D'Avila que, ainda sendo religiosos, não deixaram de amar ou de sentir desejo e isso é claro pelas escrituras que a nós nos deixaram. Imediatamente, contei-lhes a história do Senhor Francisco Erasmo e, nas entrelinhas, sugeri que o seu desejo naquele momento - o de doar-se para a morte - pode também ser interpretado tanto como desejo quanto amor.

- Desculpa, mas.... O que isso tem a ver com amor? - perguntaram-me.

Nunca saberemos se Francisco Erasmo estava bêbado, surtado ou se  pretendia há tempos cometer um suicídio alternativo. Isso claramente nada teria a ver com amor ou desejo, apenas com a impulsividade do sujeito, a fatalidade da vida e o azar de estar na hora errada e no local errado, agindo sob um impulso desmedido, inebriado ou alucinógeno.

Eu, contudo, tenho outra interpretação: Um senhor daquela idade, vivendo há tantos anos nas ruas de São Paulo e dependendo delas para seu sustento, de inebriado nada realmente tinha, independente de suas formas de escape, alucinógenas ou não. Assisti ao vídeo umas tantas vezes e é certo de que sabia o que estava fazendo e de que desejou fazê-lo. E, na minha opinião, é possível que o tenha feito não por aquela moça, mas por sua filha, sua sobrinha, ambas que tinham uma idade aproximada a da vítima. É possível que seu ato "impensado" - o que salvou a vida da refém - fosse uma espécie de auto-redenção: não a Deus, não à vida eterna, não à moral e aos bons costumes, mas ao amor que sentia pela filha, amor esse que não lhe pode demonstrar nos dez últimos anos em que viveu nas ruas da capital, seja pelo motivo que for.

Amor esse talvez nunca demonstrado. Quem nos dirá? Quem nos julgará?

Ainda assim, nosso Quixote da Sé desejou sair de si mesmo e amar sacrificialmente. E o fez com a própria vida. Seria isso uma negação da vida? Para mim.... Uma afirmação em absoluto! Se pudesse ter o privilégio de escolher como será a minha morte, salvar a vida de alguém - com a minha própria - estaria dentre as opções. 

Mas sei que isso nunca me ocorrerá, pois essa morte ou vida afirmativa só  são destinadas aos bons heróis: não aos heróis da moral, mas aos não-heróis. Àqueles que não se reconhecem como tal; aos sonhadores, aos fracos, aos bons ladrões, aos loucos, às crianças, aos inebriados, aos Franciscos e Erasmos da vida real e claro, aos Quixotes que ainda resistem. 

Quixote da Sé...


....
Fontes:
http://adonadotempo.blogspot.com.br/2010/08/o-alcorao-e-o-amor.html
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2015/09/deu-vida-dele-por-mim-diz-mulher-feita-refem-na-catedral-da-se-em-sp.html
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/09/morador-de-rua-que-ajudou-refem-na-se-e-enterrado-em-sao-paulo.html
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/09/tiroteio-em-frente-catedral-da-se-deixa-dois-mortos-diz-pm.html.
https://www.dicionariodenomesproprios.com.br/



sábado, 29 de abril de 2017

TIC-TAC




"Cada tic tac é um segundo da vida que passa, foge, e não se repete. E há nele tanta intensidade, tanto interesse, que o problema é só sabê-lo viver. Que cada um o resolva como puder." (Frida Kahlo) 

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Dupla afirmação / Ruido / Misofonia


fonte: Fernanda França. Site olhares

I. DUPLA AFIRMAÇÃO

"[...]Depois de abandona por Teseu na ilha,  Ariadne vai deixar Dionísio aproximar-se, ele é leve ao contrário de Teseu não quer ser Deus como o herói, porque nem sequer se considera homem, ele faz tudo o que o homem racional condena como inútil, ele dança, ri, brinca, afirma-se!
Ariadne torna-se leve com Dionísio, a sua alma deixa de ser reactiva, torna-se activa, afirma-se.
Dionísio vai precisar de Ariadne para ter uma segunda afirmação, ele é o Deus da afirmação, mas esta para ser afirmada precisa de uma segunda afirmação.
Ele é o Ser e ela a afirmação do ser, o devir-activo. Dionísio precisa dela, ela vai redobrar a sua afirmação o sim que responde ao sim, e ele por sua vez é a sua cura a sua sanidade. O eterno retorno será esta união, o produto de uma dupla afirmação que faz retornar ao que se afirma e só faz devir o que é o activo.
Ariadne esquece Teseu ele nunca mais voltará, já nem sequer é uma má recordação.
O labirinto deixa de ser o caminho em que nos perdemos para ser o caminho que retorna. O labirinto já não é a moral mas o sim, a vida o Ser."
DELEUZE, G. Nietzsche. Trad. Alberto Campos. Lisboa: edições 70, 1994.


II. RUIDO

Ruido como sables
Ruido enloquecido
Ruido intolerable
Ruido incomprendido


III. MISOFONIA

Miso (aversão,ódio)  e fonia ( som), o que significa dizer que é uma reação forte a determinados sons. [...] Hiperacusia e misofonia são enfermidades relacionadas à  redução de tolerância de som. No entanto, hiperacusia é uma enfermidade cuja informação auditiva é considerada insuportável. Já na misofonia, ocorre uma repetição ou padronização de sons, os quais são intoleráveis.Indivíduos com misofonia sentem aversão a específicos sons , como mastigação, tosse, clique de uma caneta, espirro, e outros semelhantes.



NOTA: Ruido sin sentido.....

quinta-feira, 27 de abril de 2017

stay while the stone throwers play....



















fonte: http://blog.aquariusmetais.com.br/o-que-e-descarte-de-primeira-chuva/


INTIMATE WAR - ROCKWELL CHURCH

.....

You had forsaken and taken for time
Counting on trances and old paradigms
Resting in chambers with walls made of sand
Hiding and whole in the palm of your hand
...
Headstrong and new try empirical chances
Conclusions for you and your desperate romances
Stabilize all that was normal and just
Make much ado when you do what you must
...
But just stay while the stone throwers play
Let all of your questions of virtue chase answers away
Dance with the darkness and lie with the breeze
Harbor your vessels and the things that you please
You've been bought, you have been sold
You have my heart, you have my soul
Stand for the lost and the soldiers who fell
Bury your anchor in the stories you tell
Yeah but salient fortune it springs from the core
Ride in the saddle we'll settle our intimate war
Intimate war
...
Doubtful of fashions that shadows were worn
Distanced and stuck between the things that you're torn
Hire the hitman to hunt and reveal
All of those cards that were lost in the deal
...
But just stay while the stone throwers play
Let all of your questions of virtue chase answers away
Dance with the darkness and lie with the breeze
Harbor your vessels and the things that you please
You've been bought, you have been sold
You have my heart, you have my soul
Stand for the lost and the soldiers who fell
Bury your anchor in the stories you tell
Yeah but salient fortune it springs from the core
Ride in the saddle we'll settle our intimate war
Intimate war
...
Wind from the alter brings faltering love
But your paragon wings hide the wandering dove
Fly to forgiveness and drown in the sea
Watch for the wave bearing down over me
...
But just stay while the stone throwers play
Let all of your questions of virtue chase answers away
Dance with the darkness and lie with the breeze
Harbor your vessels and the things that you please
You've been bought, you have been sold
You have my heart, you have my soul
Stand for the lost and the soldiers who fell
Bury your anchor in the stories you tell
Yeah but salient fortune it springs from the core
Ride in the saddle we'll settle our intimate war
Intimate war
...
Ride in the saddle we'll settle our intimate war
Ride in the saddle we'll settle our intimate war
Ride in the saddle we'll settle our intimate war

"...Cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar...."



"Eu andarei vestido e armado com as armas de São Jorge para que meus inimigos, tendo pés não me alcancem, tendo mãos não me peguem, tendo olhos não me vejam, e nem em pensamentos eles possam me fazer mal. Armas de fogo o meu corpo não alcançarão, facas e lanças se quebrem sem o meu corpo tocar, cordas e correntes se arrebentem sem o meu corpo amarrar..."


LA LÍNEA




* Paterson (Diração e roteito de Jim Jamusch, 2016)



i. PATERSON:
La línea

Hay una vieja canción
que mi abuelo solía cantar
que contiene la pregunta:
"¿O preferirías ser un pez?",
En la misma canción
está la misma pregunta,
pero con una mula y un cerdo,
pero el que escucho a veces 
en mi cabeza, es el pez.
Solo esa línea.
¿Preferirías ser un pez?
Como si el resto de la canción
no tuviera que estar allí.



ii. LA NIÑA:
Agua Cae

El agua cae desde el aire brillante.
Y cae como el cabello, que atraviesa los hombros de una joven.
Agua cae, haciendo charcos en los huecos del asfalto.
Espejos sucios con nubes y edificios adentro.
Cae en el techo de mi casa, cae en mi madre y en mi pelo.
La mayoría de la gente lo llama "lluvia".


...

NOTA: [...]  “a veces, página en blanco da más posibilidades” 

terça-feira, 25 de abril de 2017

LABIRINTO

*Fonte: https://floresdeumdeserto.blogspot.com.br/2012/09/ariadne-o-mito-da-princesa-apaixonada.html


                            Dioniso canta:


"Sê prudente, Ariadne!...
Tens pequenas orelhas, tens minhas orelhas:
Põe aí uma palavra sensata!
Não é preciso primeiro odiarmo-nos se devemos nos amar...?
Sou teu labirinto..."

DELEUZE, Gilles. Mistério de Ariadne segundo Nietzsche. IN: Crítica e Clínica. São Paulo: Editora 34, 1997.

Tentativa de crônica: Meu lugar no mundo

*Carros em Cuba. Bol Fotos



Além de tema desta temporada de Malhação, creio, o título acima poderia muito bem ser o do meu futuro livro, acrescido pelo meu número de azar, 630 (piada interníssima, a que somente um novo amigo entenderá). Mas não tratarei do tal seriado adolescente, embora reconheça que muitas vezes viva situações semelhantes e trago em mim certa imaturidade. 
Meu tema será Viçosa.


Nunca gostei de Viçosa e hoje temo que o meu vaticínio infantil estivesse certo; de que não fosse apenas amor pela minha cidade natal, senão intuição feminina - infantil. Sempre falo disso com muito respeito, por medo de ser taxada como prepotente (sim, sou humana e o julgamento alheio me amedronta).

Nasci em São Paulo, capital, onde vivi os quase dezenove melhores anos da minha vida. Mas minha família é mineira e, portanto, desde que nasci venho a Minas Gerais anualmente: antes em maio, dezembro e janeiro; depois, dezembro e janeiro; ainda, julho, dezembro e janeiro, e...Finalmente, ora julho, ora dezembro, ora janeiro. Contudo, nunca estive em Viçosa, ao longo daqueles anos todos, apenas de passagem. Íamos, minha mãe e eu sozinhas (meu pai às vezes, devido ao trabalho), ao Tombo da Cachoeira, roça da minha avó que fica no município de Canaã; a Ervália, onde tenho tios que lá ainda vivem e a São Miguel do Anta, onde tenho tia, parente, além de ser esta a cidade a que minha avó viveu por muitos anos, após se mudar de Canaã (em minha opinião, um grande erro). Primos em todas essas cidades tive e tenho. Há outras também, as que não "fediam ou cheiravam", e por lá muito estive para os eventuais casamentos, velórios e obrigações familiares. As cidades supracitadas, porém, sempre as amei. Em sua pequenez, em sua gente sábia, em suas cachoeiras, em suas igrejinhas, em minha família - em todos os nossos erros e acertos. Mas Viçosa - não.

Desde muito criança, meus pais me diziam..."quando papai aposentar, vamos morar lá em Viçosa, perto da casa de vó. Você vai estudar lá". Já muito pequena, aquilo me trazia certa ansiedade. Adolescente então, imaginava-me casada com algum fazendeiro rico e vivendo eternamente ali, indo logicamente à Semana do Fazendeiro (não sabia da existência do Leão e do Moreiras, os que certamente me salvaram da infelicidade).

Meus pais se mudaram para Viçosa no início de julho de 2004. Eu me mantive em São Paulo ao longo daquele semestre todo, fazendo somente Ballet (não era uma "patricinha", mas pouco sabia do que queria da vida...). Saia com meus amigos do Colégio União Brasileira, com as amigas da "minha" rua e do Ballet e com os amigos da Sociedade São Vicente de Paulo. E por fim, cerca de seis ou sete meses antes da mudança fatídica, também realizei algumas experiências "religiosas" (por muito pouco não me tornei missionária ou freira... Por pouco mesmo. Nisso foi BH o que me "salvou", com todo respeito aos meus amigos religiosos, no ano de 2005. Bem, isso seria tema para outro causo).

Lembro-me de que coloquei os pés em Viçosa no dia 02 de agosto de 2004. Ao descer na rodoviária, meu pai me esperava e sabia que nada poderia fazer além de escutar (sim, escutar) o meu choro adolescente. Em nossa nova casa, um quarto de cor azul - minha então cor preferida - decorado com ursos de pelúcia, os que sobraram das doações que sempre fazia. Nunca gostei de bichinhos de pelúcia. Mudei tudo de lugar. Tranquei-me no quarto, sentei-me na cama e chorei durante um mês: já estava feito.

Exatamente duas semanas depois, meu melhor amigo mineiro (não de Viçosa) foi urgentemente levado a São Paulo a fim de tentar um transplante cardíaco. Por sorte, estive com ele em seus últimos dias. Meu amigo e também primo.

Retornando a Canaã para seu velório e depois a Viçosa, para o "resto" da vida, restara-me nada. Nenhuma palavra, nenhuma ideia ("ah! vou tentar Letras em São Paulo" - pois é preciso lembrar de que Letras nunca foi minha primeira opção, mas hoje gosto muito dela, mesmo que não me dê emprego algum, no momento....deu-me uma vida mais viva). Nenhum riso, nenhuma alegria, nenhum amigo. Aos poucos, conheci gente no cursinho pré-vestibular. Em meu primeiro aniversário ali, triste e só, por intuição fui à Igreja de Fátima quando conheci a um padre que, mesmo hoje não nos falando, apresentou-me à Pastoral da Juventude. E assim.... A vida certo rumo tomou. Depois, os três primos virgens do cursinho G***.... E então a coisa melhorava: já tinha amigos e uma república para me agregar. Enfim a graduação em Letras na UFV e os amores terminados. O mestrado também na UFV e os amores recomeçados. Até que em abril de 2015, mudei-me para Belo Horizonte. Mas, o causo ainda é sobre Viçosa.

A pena que hoje sinto não foi descoberta, mas sim reconhecida, ouvida, o que é bastante pior... Disse-me uma amiga, enquanto lhe fazia uma recente confissão: "....Até aqui não vejo muito problema. A não ser o fato de você ter passado esses anos todos rodeada de gente ruim!".

Como dói o reconhecimento! Mais triste quando dito por outrem!

E olha que fiz muitos amigos e amores nessa cidade. Vivi momentos fantásticos.... Conheci seres humanos extraordinários e aqui aprendi a beber (em alguns anos, saberemos se essa será a minha causa mortis). Aprendi a ler o mundo, a ter consciência política (modéstia à parte, já era bem crítica antes, em São Paulo). Nunca fui uma pessoa "cult" e conhecedora do mundo, sabe aquele tipo interessante? Só saí do Brasil duas vezes - sendo uma delas a dois países, o que me leva a dizer que conheci três países ou sete cidades. Mas também devo isso a Viçosa. Ao empenho de uma grana juntada certa vez (e com a ajuda do meu pai, dinheiro que depois lhe paguei) e também ao empenho doutra grana juntada, acrescida pela ajuda do meu atual "não sei o que somos" - dinheiro que também lhe paguei, em parte.

Uma única vez, aos vinte, extremamente apaixonada por um rapaz, disse-lhe que viveria em Viçosa eternamente por ele. Graças a Deus era só paixão!

Já com o atual "não sei o que somos", sempre lhe o dizia... "posso ficar mais um ano, mais um ano e meio aqui, mas tentemos concursos juntos em outros lugares, esse não é o meu lar, o meu lugar, sabes disso, e como para ti tanto faz, por favor, tente comigo".


(Silêncio)

Então, há alguns dias venho descobrindo que estava rodeada de pessoas ruins e que de mim pouco gostavam. Já o tinha notado....um ou outro na vizinhança (a de meus pais); um ou outro na vida acadêmica; alguns e outros do entorno religioso, que me abandonaram quando mais precisei. Mas nada se compara aos últimos acontecimentos. E mirem: não falo de assuntos do coração, não falo de uma pessoa em especial, falo de uma cadeia de acontecimentos maldosos que me trouxeram até aqui.

(Embora, se não por Viçosa, meus textos não existiriam)

.1. Amo São Paulo, com toda a minha alma, mas penso que já se tornaste uma Pasárgada: "[...] E quando eu estiver mais triste/ Mas triste de não ter jeito/ Quando de noite me der/ Vontade de me matar/ - Lá sou amigo do rei — / Terei a mulher que eu quero/ Na cama que escolherei / Vou-me embora pra Pasárgada." Meus melhores amigos ainda vivem lá, mas como seria eu - amiga desses, após tantos anos? Quem me tornei?
2. Adoro Belo Horizonte e suas luzes. Botecos, cinemas, arte - É a minha mini São Paulo. Tive um bom trabalho e hoje um Doutorado. Alguns colegas e uma amiga ou duas talvez. Mas era um lugar estratégico para estar em Viçosa sem não estar. Já não significam tanto as luzes e os botecos.
3. Não fui a Timor Leste. Não por medo da "violência de gênero", um risco mas que, poderia acontecer em qualquer lugar e hora no mundo. Os medos eram de três dias de avião (exatamente na época dos desaparecimentos daqueles chineses), um tsunami ou terremoto (Timor fica ao lado da Indonésia) e uma malária incurável. Se fosse hoje, iria. E tenho uma amiga que vive em Cingapura... Logo, já não teria medo da Malaysia Airlines, companhia aérea a que lá me levaria.


                                                       (mentira)



Mas sim, queria outra chance.


4. E Viçosa? Bem.. Há muita gente querida por lá, as quais não poderei abandonar. 
5. Queria era me mudar para Buenos Aires. Mas sempre me emocionei ouvindo Albeniz, Sarasate e Danse Bohéme (Bizet), minha música preferida. Mas isso não quer dizer nada, pois além do Gardel, gosto do Paganini e também da Anitta e do Noel.
...

Bem, em termos de religião a tudo já presenciei, compareci e frequentei. De certo, não a tudo, faltam-me o judaísmo e o islamismo. Mas espero ter tempo (não pretendo morrer muito velha, ainda quero ver coisas antes não vistas). O que pretendo realmente dizer (e me perco em minhas linhas), é que hoje sou "apenas" Cristã. Mas se fosse da umbanda, do kardecismo ou do candomblé (não estou segura dessa informação), teria que acreditar em karma e assim diria:

- Viçosa é o meu karma!! (com k mesmo, para enfatizar).


Tenho uma amiga espírita que concorda, mas tento não me influenciar, pois aí já seria sina.


Por fim:
1.Sempre deem ouvidos às intuições das crianças;
2. Temporariamente sem lar, sigo, ouvindo Cuba no repeat, Cuba de Albeniz.