sexta-feira, 17 de maio de 2013

AMOR, SEXUALIDADE E HOMEM DE FERRO.


Hoje é Dia Internacional do Combate à HOMOFOBIA, sabiam? Pois é...Eu também não. Enquanto navegava pelo facebook, vi esta imagem em uma das páginas da qual sou seguidora e logo tratei de curti-la. Embora uma rede social não seja um veículo que possa concretamente mudar os rumos políticos de uma nação, é um interessante espaço para debates e difusão de informação legal, quando aprendemos a reciclá-la. Como em qualquer aparato ideológico, encontra-se de tudo um pouco, cabe a mim decidir o que hei de consumir.
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Pois bem! Surpreendi-me ao receber o primeiro pedido de casamento da vida, vindo de uma amiga de "adolescência" minutos depois de curtir a foto acima. Trata-se de um ato simbólico contra à homofobia: a ideia é colocar nos "perfis" que somos casados com pessoas do mesmo sexo, a fim de desconstruir um pouco da mentalidade heteronormativa dos nossos dias. Divorciei-me instantaneamente para aceitar o pedido que me foi feito ("Ah...depois explico pra ele...") - e, ansiosa, pus-me à espera dos comentários alheios, daqueles que não sabem da campanha - como minha família.
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Uma curtida aqui, outra ali....Uma piadinha de bom gosto, outra de mau gosto camuflado....E vamos seguindo...Até que decido contar a minha mãe o ocorrido, com o intuito de evitar algum comentário desagradável (que me matasse de vergonha!).
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- Mas... seu namorido-marinado já sabe disso?
- Não, e daí? É só uma "brincadeira".
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Dona Maria não só curtiu o meu "status", como fez uma piadinha singela para não perder o rebolado "Cada coisa!". Mas sei que, dentro do seu limite humano, orgulha-se da minha luta contra a opressão e sofrimento alheio, porque sim: Homofobia é opressão, sofrimento, aniquilamento do outro - e isso não foi prescrito em nenhum código sagrado. Eu, por outro lado, orgulho-me da criação que tive. Meus pais, assim como eu, têm inúmeros defeitos porém ensinaram-me desde criança o que é  factualmente amor ao próximo. E toda forma de amor é sinal de Deus, assim como todo Deus é sinal de amor.
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Ninguém em sã consciência nasce para o sofrimento, escolhe o sofrimento. Somos para o que nascemos. Não acredito na existência de um gene "gay", inclino-me a pensar na tal "influência" genética que somada à construção social e nossas experiências pessoais nos formam enquanto sujeito e sexualidade. Não sei se "tudo" é construído, mas muito do que somos certamente é.
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Ninguém sabe disso, porque é um pouco ridículo, mas vamos lá! Não sei quando me entendi por heterossexual pela "primeira vez". A verdade é que quando criança, achava homens e mulheres igualmente "bonitos", não tinha noção de pênis, vagina, rosa ou azul. Incomodava-me que homens me tocassem, isto é, beijassem-me e me abraçassem. Mas, pensando bem, também não gostava do carinho feminino....Era uma criança que não gostava de beijos, de modo geral. Isso mudou por volta dos seis ou sete anos, quando passei a me socializar com outras crianças e dessa forma, aprendi a "gostar" de carinho, beijo das professoras ou do tio japonês da perua-escolar (essa imagem é muito importante para a minha formação como sujeito e a retomarei em seguida).
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A primeira vez que em que vi um homem "bonito" foi por volta dos cinco anos. Moreno de olhos extremamente verdes, lembro-me do frio na barriga que sentia perto daquele "menino", frio na espinha dorsal....vontade de me esconder por debaixo da barra da saia materna, para que ele não me enxergasse nunca.  Anos depois, tal rapaz tornar-se-ia uma história muito bonita da minha existência, o que hoje não nos vêm ao caso.
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Já o primeiro amor nasceu no primeiro ano de colégio. Não acaso, era japonês: um japonesinho lindo-lindo, que seria muito amado por mim durante os próximos dez anos. Acho engraçadíssimo ter me apaixonado, em primeira vez, por um japonês; cresci assistindo a heróis japoneses e minha primeira referência masculina, depois de meu pai, foi o tal senhor japonês que me levava e buscada da escola. Lembro-me que desejava ser japonesa, para que pudesse me casar com algum belo compatriota, mas o destino não quis. Naquela época, ainda não entendia a atração que reside entre os opostos, também no que diz respeito às nacionalidades.
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Mas o que defino por ridículo ainda não vos disse. Trata-se da minha primeira experiência com a noção de desejo sexual ou o que mais se aproxima disso na infância. Fiz um pequeno esforço para me lembrar de onde veio e com quem foi, se com homem ou mulher. Na verdade, não precisei de tamanho esforço, a informação estava aí, latente em algum lugar secreto.
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Foi no início da década de noventa, em um filme com Robert Downey Jr! Não faço ideia de que filme é esse, lembro-me razoavelmente de que ele não era o protagonista, mas uma personagem central. O filme era exibido no SBT  a cada quinze dias - para a minha alegria -  e havia algumas cenas proibidas para menores que, enfim....Por alguma razão especial, marcaram o meu primeiro imaginário sobre  homens.
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Depois de confessar que minha primeira experiência sobre desejo se deu com um Homem de Ferro.....Só me resta silêncio e clausura! Dessa forma, encerro  por aqui este textículo ressaltando a importância de se desconstruir os preconceitos mais íntimos: sexualidade é também construída, mescla daquilo que "sou" com aquilo que experiencio - individualmente e socialmente. É hora de abrir nossas janelas mentais para o novo que se aproxima. Na falta de jeito, a sugestão divina do amor ao próximo sempre cai bem!

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Amanda Lopes de Freitas é mestranda em Estudos Literários e escreve para o Sofia de Buteco desde 2009. Não gosta de lecionar, mas o faria por dinheiro (atualmente se encontra desempregada). Gosta de ler, estudar, escrever e só por isso fez Letras, mas na verdade gosta mesmo é de hospitais e seu sonho é trabalhar em um. Também quer publicar um livro de crônicas. Está perdida na vida, mas tem esperanças em se encontrar até os trinta!  Quer ter dinheiro fácil para viajar o mundo e criar os filhos que ainda não tem. Interessa-se por: a vida alheia, todas as formas de escrita, hospitais, doenças sanguíneas, oncologia, medicina preventiva, morte, desastres, Deus, Diabos, religião, literatura, psicanálise, Idade Media, Ballet Clássico, Argentina,  Relações de poder (injustiças sociais), música, cinema, pessoas, facebook, investigar às amigas do namorido, ficar à toa e sonhar. 

Calle 13

terça-feira, 7 de maio de 2013

Charlie, Hank and eu

*Charlie to Hank Transformation. Me , Myself and Irene (2000)



A capacidade em engolir sapos do sujeito é ampliada de acordo com a idade - esta é a conclusão a que chego após o término desta semana, aliás, também do dia de hoje. Ainda não fui diagnosticada com nenhuma doença psíquica responsável por variação abrupta de personalidade, mas tenho a certeza de que dentro do meu "eu interior" há uma série de Amanda´s espectros, não importando idade, nacionalidade ou gênero: do amável ao vingativo, do coach empresarial bem sucedido ao fracassado profissional, da femme fatale à bicho do mato antissocial, de professora de etiqueta a homem de meia idade coçador de saco em festa-familiar, de garotinho tímido criado pela avó a Isabelita dos Patins. De Charlie a Hank.

Já perdi namorado, "amigos" e orientadores devido a uma inabilidade social crônica, cujos sintomas são excesso de sinceridade, falta de desconfiômetro, instinto de cordeiro imolado, mescla de pedantismo e ingenuidade infantil. Hoje, contudo, engulo-os todos, sapos e sapinhos, de modo que percebo um sinal de maturidade tardia que me vem pelas "beiradas". Penso que minhas perdas anteriores não teriam ocorrido se "agisse ontem com a cabeça de hoje". Algumas dessas perdas ainda me tocam profundamente.

Pensando nisso, meu psiquismo se adiantou: "Ahamm!! Acha que pode nos deter??? Vamos mostrar a você, dona Amanda, de quem é a bola da vez.....". Sexta-feira passada tive um surto de ódio inumano indescritível, o qual ainda me assombrou nesta terça-feira tão amada. Ao receber um email "profissional", todos os sapos engolidos até então teimaram em transbordar do intestino grosso à cavidade oral, como capim regurgitado de vaca-de-primeira-linhagem. O email não nos interessa, mas me soava absurdo.Os sintomas foram um nascente tremor por todo o copo, acompanhado por sudorese diurna; taquicardia; enxaqueca; falta de ar; choro compulsivo; perda de toda sensação de esperança ante à vida (que é bonita, é bonita e é bonita.....); e, por fim, um tique nervoso na região dos lábios acompanhado por solo de bateria, como nos ilustra  Jim Carrey em Me, Myself and Irene (2000) - por ocasião da transformação do recatado Charlie em seu avesso Hank. 

Não só isso, uma imensa vontade de jogar merda no ventilador e vacas à deriva, comportamento também adotado pelo dulcíssimo Charlie, quando Hank. Impulso libertador em fazer o que realmente se quer da vida... o que no meu caso seria assumir que errei em minha escolha profissional. Encarar as consequências disso como uma pessoa normal faria, sem todo esse desequilíbrio. Deixar o mestrado, trabalhar em minha atual profissão enquanto me preparo para começar uma nova carreira. E, a longo prazo, mudar-me daqui, aceitando que para isso uma série de outras perdas exigir-se-ão. 

Mas isto é sonho. Trocar o certo pelo incerto é coisa de quem tem coragem, eu-ainda-não.

Naquela sexta, havia o café combinado com as recém amigas. A recém amizade, frágil e decorosa como todas do gênero, impediu-me de agir com a sinceridade dos amigos de longa data .... "Re, te ligo em cima da hora pra desmarcar. Eu sei que está sozinha a minha espera, "puta" com a minha cara de pau, mas é que um imprevisto aconteceu...eu .....eu estou com problemas, sabe? Desses de ir ao banheiro a cada quinze e quinze minutos, não posso sair. E meu cachorro está com febre, de novo".

Cheguei ao café ainda com tique nervoso na boca, tique-denunciador-de-que-alguma-coisa-séria-aconteceu. Concentrei-me em qualquer coisa exterior, sei lá, praias de nudismo ou fim de semana em Bora Bora, com direito a golfinhos e mergulho matrimonial.  Disfarçou-se. 

Ao chegar em casa, a enxaqueca persistiu até o dia seguinte. Dei-me conta de que não estou bem, não sou mais capaz de vestir um "sorriso no rosto" e pular a amarelinha da vida. Preciso de mudanças. Ontem, insônia. Hoje de manhã, discussão estúpida que elevou o meu nível de estresse uma vez mais. Ouço o solo de bateria anunciando à chegada de Hank.  Respirei muito fundo para não explodir. Após a simulação do drama, voltei a casa (tenho duas casas, no momento). Desliguei-me do mundo e a paz reinou entre homens, mulheres e cães. 

Eis que chega Charlie, instaurando uma tarde pacífica. Durmo para compensar a noite de insônia, mas sou interrompida pelos vizinhos septuagenários que se reúnem na sala de jantar e não sabem....falar....mais baixo...Acordo, levanto-me, vou à cozinha e finjo beber um suco de caju. Olho dentro dos olhos daquele velhinho que, ao me ver, cumprimenta-me como se nada acontecesse, como se pessoas de bem não pudessem dormir às quatro da tarde. Toca o celular: é  meu namorido-marinado

.....ouço  um solo de bateria....