quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A formiga deslumbrante


Senti-me como cigarra em terra de formigas.
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Há poucos dias, aquela mulher maravilhosa, toda trabalhada em absoluto verde (o que não me deu esperança alguma na ocasião), chamou-me em sua sala. Eu, pobre cigarra que pensava ter - até então - talento para cantorias, ledo engano: só caraminholas trago comigo!
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Perguntou-me o que havia feito até então, dei meu  sorriso amarelo:
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- É preciso recomeçar sempre, já nos disse Drummond ou algum internauta cujo codinome é Carlos D. Andrade - respondi na ponta da língua, à espera de cem anos de perdão.
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Ganhei um sorriso e duas anedotas, igualmente verdes.
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Para  atenuar, contei-lhe sobre minha última experiência como educadora. Contei-lhe da dificuldade imensa, abismal, que é o lecionar.
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- Pois bem, dona cigarra! Você será o meu material de estudos! É preciso saber com urgência, ou não, se esta é a sua praia, ou formigueiro. Você gosta de dar aula? Olha, eu até poderia desistir....Há tantos anos nesse formigueiro, mas você - cigarrita - é charmosa, é bonita, é inteligente, só não joga limpo (nem sujo), tá amarrando, é? Escondendo o leite?
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Fiquei azul.
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- Veja bem, dona cigarra, o que você quer da vida? O que te dá "tesão"? Não culpe a terceiros pela SUA falta de compromisso. Você quer trabalhar na universidade?
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(Acho que sim....)
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- Você....quer? olha, pra trabalhar na universidade é preciso estudar muito, e vejo que você não gosta de estudar, de pesquisar? Gosta? Você gosta é de cantar, já conhecemos seu longo repertório......Pense!
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(Já conhecem, é...)
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- Você precisa decidir entre ser educadora ou abrir uma loja de calcinhas.....(o que seria super legal).
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Naquele instante, fui conduzida a um lugar sombrio que esteve diante dos meus olhos, mas que por razões óbvias eu sempre ignorei. Volví ao ano de 1999, quando um charmoso vidente de uma loja de artigos medievos (o que nada tem a ver com a calcinha que vestís, leitoras....), disse-me:
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- Você se casará com um homem bem mais velho que você. Vai se formar em uma coisa e trabalhará em outra.
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Pouco antes de me formar, isto é, no exato dia da cerimônia, minha mãe - achando servir de estímulo - disse-me "Agora de fome, pelo menos, você não morre." Sei que naquele momento, recordei-me do adivinho no shopping paulistano, gelando por dentro e por fora: ainda há longo caminho até " a derradeira". Isso me dá preguiça descomunal; daí, pus-me a cantar ao longo de tantos anos, mas pelo visto continuamos amarrados - destino  e eu.
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Invejo a todas as formigas do mundo. Todos os meus amigos são formiguinhas-trabalhadeiras; meu namorado, metade formiga-metade cigarra. Eu nascí em terra de formiga, em berço de formiga, mas pus-me a cantar desde pronto.
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Como é difícil saber. Observo meu cão, dono de olhos tão profundos, pergunto-me o que é viver em paz, na paz de um cão, eu que sou tão desmiolada.
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- Você vai se acertar. Mas não se acerte demais, você não nasceu pra isso.... - disse a formiga, elegante formiga.
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Peguei meu violãozinho e saí a cantar, pensando nos prós e contras da loja de calcinhas....
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Hoje de manhã, minha vizinha desmaiou subtamente, o que nos gerou um susto enorme. Quando adolescente, invejava também aqueles que desmaiavam vez ou outra, gerando charme e comoção. Gosto de comoção, da palavra. Gosto da palavra palavra.
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Eu desmaiei uma vez, há seis anos, mas todos perceberam que era fingimento. Foi a única vez em que menti tão dissimuladamente, e ainda assim pegaram-me no pulo (porque eram bons, os amigos).
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Sinto-me um pouco só, sem amigos. Meu namorado mora em outra galáxia.
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Além desses sinais de cansaço, temo pelos filhos que espero ter, já que há meses meus hormônios saíram de férias e não me convidaram: passo mal de quando em quando, e não sei o porquê. Nosso patriarca, retirou-se da cidade a fim de dar cabo a uns tumores que desenhou em seu intestino, ainda antes de seu nascimento, na barriga de sua mãe. Os tumores cresceram e se solidificaram, tornando-se coisa rara no universo médico-humano-animal. Também descobri que meu namorado gosta de diminutivos, o que me impacienta: pior que "amandinha" é ouvir um "letíciazinha, pamelazinha, gabrielazinha" por aí, "prasAMIGAS", coisa de gente doce, que só a convivência revela. Para terminar, dei-me conta de que não tenho sequer meia doçura nas veias, gosto é de desmaios. O artigo quase pronto se perdeu com a pane do computador; tenho pouco tempo, pouco dinheiro, duas viagens, um artigo a ser feito, avaliações bimestrais, 20 alunos que me odeiam, um cachorro carente, uma mãe ausente, uma vizinha com desmaios.
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(A família vai bem, obrigada....)
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Só penso em meu violão.

Um comentário:

  1. Que delicia de texto! me deu até vontade de escrever ou desmaiar! hahahaha...mas como você não tenho vocação, nem por figimento...rsrs
    Bju lindona!!

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