domingo, 13 de abril de 2014

Arrumando o armário

"Querer abraçar o céu". Foto de Isabel Daniel

Tudo o que queria neste momento era a foto literal de um armário desorganizado. Disseram-me, certa vez, que se pretendermos mudar as nossas vidas, é preciso antes organizar o nosso armário, ou guarda-roupas, ou caixa de papelão onde guardamos nossas lembranças. Fato é que não consegui uma foto "literária" que transmitisse a experiência desejada, o que me fez colocar a que aí está, embora nada tenha que ver com o assunto deste primeiro post do Sofia de Buteco, ano V. A menos que, apelando a Freud, meu  padroeiro das causas inconscientes, analisássemos: Se queres abraçar o céu, antes, organiza-te tua casa, teu armário, teu guarda-roupas, tua caixa de lembranças. Pensando assim, estamos no caminho certo.

Neste quinto ano de Sofia, após meses sem escrever devido ao preparo da minha dissertação de mestrado, optei por realizar outro tipo de escrita, mais engajada, mais atual, menos subjetiva. Não sei, sinceramente, qual foi o último post escrito, porque deletei alguns que diziam o que não diziam e vice-versa. A subjetividade para um escritor é muito perigosa, ainda mais para um pseudo-escritor, como eu, cujos eu-líricos estão sempre num ringue de MMA, a ver a voz predominante. Depois que minha cunhada, há um oceano de distância, desvendou-me um segredo, destes de entre-linhas, resolvi repensar os meus métodos de escrita, e, assim, de agora em diante, Sofia tratará de temas sociais e políticos e de circunstância - além de receitas culinárias; porque sim, caro leitor: estou aprendendo a cozinhar.

Antes, contudo, é preciso arrumar o armário; ou seja, contar ao querido leitor o que ocorreu na vida da autora, porque as afinidades criam essas obrigações: a de explicar-se. Arrumar o armário é botar a casa em ordem, antes dos próximos passos.

N'outro dia, estava caminhando pelas proximidades do Colégio Viçosa, quando um transeunte, desconhecido, parou-me e disse: 

- Você tem 28 anos, é muito amada, mas faz muita guerra. 
- Como o senhor sabe?
- Sou cartomante....

(quem me conhece sabe que amo cartomantes, aliás...sou uma em potencial)

- Deixa eu te perguntar uma coisa, então....
....Nem sequer me ouviu; saiu caminhando, lentamente, com um sorriso no rosto....
....

Partindo disso, falemos antes do amor, para findar com a guerra - sempre mais interessante.

Fui aprovada por unanimidade em minha defesa de mestrado (embora ache a unanimidade burra, e que em bancas de defesa isso é apenas uma fala de efeito para fazer chorar os pais e cônjuges que suportaram os ataques de histeria do mestrando ou doutorando ao longo dos dois ou quatro anos....). Para que problematizar a felicidade? Comprei um vestido vermelho e me pus a falar horas a fio sobre o tema que mais gosto na vida: Gil Vicente, Morte e Moralidade. Aprovada com louvor, passei - em apenas uma semana - de mestranda, a quase desbravadora do mundo, para finalmente desempregada.

Explico mais tarde.

Ainda sobre o amor. Fiz as pazes com os amigos com quem estava brigada. Chega um momento da vida, antes dos 30, que os indícios de solidão nos fazem mais amáveis, pouco importando quem estava certo ou errado numa discussão. Meu coração está afável e aberto; feliz por ter recuperado uma amizade que tanto me fez bem, há alguns anos. Hoje, somos diferentes em quase tudo, mas aprendi a respeitar, o amigo, porque a única coisa que se leva da vida é o nada; mas, antes do nada, o último rosto a ser visto deve ser o de alguém muito amado, e só por isso relevei as minhas broncas, porque hoje sou só coração.

Minha relação amorosa entra nesse ínterim. Contrariando as minhas expectativas, lá vão dois anos de enrolamento, mais dois de namoro e alguma coisa de pseudo-casamento. Passamos por muitas dificuldades, brigas, quase rompimentos. Mas o que é o amor senão a necessidade de perdoar-se? Eu me perdoei pelos meus erros - e só poso falar sobre mim. O plano agora é assumir a vida matrimonial, ainda que seja essa - a vida de casada - um pouco alternativa. Não sei se casei, se amiguei ou se encontrei um amigo que amo. Numa lista de opções, escolheria a opção "outro", porque não gosto de rótulos de qualquer espécie.

Sempre que posso, preenchimento de formulários, questionários, comentários em sites, reserva de passagens, escolho a opção "outros". Acho muito legal a ideia de que os motivos que me levam a tal situação não estão listados em universo algum, porque são parte do grupo inacessível "outro". Tipo: solteira, casada, separada, viúva, (X) outro; turismo, estudos, visita a familiares, (X) outro; Heterossexual, Homossexual, Bissexual, Transexual, (X) outro; ....e por aí vai!
...
Ser outro(a) é uma felicidade.

Pois, casmurrices à parte (porque somos dois bicudos se beijando), perdoamos-nos. E o amor, pelo menos da minha parte, cresce a cada dia, fazendo valer a pena as escolhas feitas, antes conflituosas. Abri o coração, desnudei-me. Aceitei os hábitos, apaixono-mo pelos amigos do outro como se fossem meus. Ainda há, claro, a dificuldade do ciúme quando certas circunstâncias se dão. Mas,diante disso, a vida - de tão circular - devolve a guerra na moeda do amor, e diante de tal milagre, só nos resta aceitar....e nos dar as mãos.

Meus pais estão muito bem e aparentemente felizes. Digo "aparentemente" porque desconfio de toda felicidade e simpatia plenas. Detesto pessoas extremamente simpáticas e nesse sentido agradeço a vida por ser paulistana, criada por dois mineiros desconfiados, e vivendo há nove anos numa cidade rural. Ruralíssima, com uma universidade no meio, tal qual bolo floresta-negra com uma vela desforme em seu meio, sem propósito algum. Voltando ao amor, meu casal de velhinhos vai bem. Ele, recuperando-se das cirurgias, estudando inglês e matemática, divertindo-se na casa dos cunhados, tios avôs e irmãos. Ela, sem mais as manias que nos irritavam - como a da limpeza da casa; cada vez mais jovem, bonita, alegre, fazendo aulas de natação e de hidroginástica. Cuidando da irmã e dos sobrinhos.

Sobre os sobrinhos. Uma pena eu não ser espírita e, confesso que ultimamente estou mais para "atéia" que qualquer (x) outro. Uma pena porque o amor que sinto por aquelas crianças transborda, transcende, um amor de mulher sem filhos e sem irmãos. Daria a minha vida por cada um deles. Daria o melhor ovo de páscoa, ainda sabendo que é o preço de uma picanha. Porque crianças, assim como eu, dão mais valor ao embrulho do presente que o presente propriamente dito. Deem-me de presente uma caneta bic com um embrulho caro, que sorrirei como criança e seu doce. Há coisas que são assim, que nos empurram, levam-nos como marcas de personalidade, vergonha tenhamos ou não.

Sou toda amor, ultimamente. Até as ruas da cidade que odeio tornaram-se mais belas, os transeuntes mais belos e misteriosos, como se ainda houvesse o que descobrir, após nove anos vivendo no mesmo feudo. Meu coração habita a selva de pedra paulistana, mas é possível que , de tão grande, caiba um pouco de doce de leite em minhas veias.

Sobre a Guerra.

Recebi uma proposta irrecusável de trabalho em outro país, por seis meses. A que poderia ser renovável por mais um ano e meio, mas já de antemão propus-me seis meses. Seria uma espécie de leitorado, o trabalho dos meus sonhos: ensinar língua portuguesa como pretexto para conhecer novas culturas e gente que realmente vive; gente que lutou por mais de trinta anos por sua independência. Um povo que luta por sua independência, com tanta alma, não é um povo qualquer; o sorriso daquelas crianças é a prova disso.

Por que recusei e por que me arrependi.

Recusei por medo. Medo absurdo de uma viagem aérea de 30 horas, medo de habitar um país onde existe, ainda que remota, a possibilidade de um tsunami, um terremoto. Sempre fui muito independente no que diz respeito à morte. Nunca tive medo de morrer, de andar só e nua pelas ruas de São Paulo ou pelo caminho de uma "boate" viçosense até a casa dos meus pais, às 5 horas da manhã, sozinha. Nunca tive medo, mas Freud me o mostrou em sonho.

Levei tempos para enviar os meus documentos assinados e, antes de fazê-lo, desisti. Enviei um ofício a tal agência de fomento informando a minha desistência.

Por que me arrependi.

Foi só depois de fazê-lo que me dei conta de que a morte está em todo lugar e que não seria, então, uma bobagem perder tal oportunidade por medo de se arriscar? Seria! Escrevi um novo email, arrependendo-me, sobre o qual terei amanhã a minha resposta. São 5% de chances de que voltem atrás. Eu sei. Disseram-me as boas e más línguas.

Mas o sofrimento causado por essa escolha é o sinal de que ainda há esperança. De repente, vi-me envolvida com a luta daquele povo e o sorriso daquelas crianças, algo mais profundo que a bolsa excepcional que eu receberia ou qualquer desastre natural. Quem re-contrataria uma pessoa que sofre de medo?

Eu. Porque há o medo que te paralisa; mas há também aquele que te ensina, que te faz perder para, finalmente, com a cabeça no lugar, pesar nos prós e nos contras da vida.

Desde que tomei a primeira decisão - a de desistir - entrei numa terra sonâmbula da qual saio aos pouquinhos. Uma tristeza enorme, vontade de nada. Descobri que queria e precisava muito dessa viagem, mas o medo me impediu. Caso não reconsidere - a tal agência de fomento - o meu arrependimento, é possível que eu chore por mais alguns dias, mais algumas semanas, tente o próximo edital - que certamente não passarei; arrependa-me amargamente.

Mas assim como desvendou aquele pobre cartomante, amor e guerra coexistem no meu coração....e terei que lidar com isso para sempre. Neste livro sobre o aprendizado, vi que nem o amor e nem a guerra te fazem melhor ou pior. Aceitar-se como és é a melhor opção. Só assim, a calma das coisas controla o medo da vida (o que ainda está, mas já não suficiente para que me faça desistir, se conseguir outra/esta oportunidade).

E parei aqui. Neste momento da vida. Nesta linha.
Arrumando o armário da consciência, limpando com aspirador de pó tudo que é medo.

A gente aprende com os erros.....
...e o meu cigarro acabou! Oh céus....

Para finalizar, aceito sugestões de novos layouts, porque este acima está uma merda.

Amém.




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