domingo, 1 de janeiro de 2012

Sexo dos anjos

*Vazio. Foto de Soraia Cardoso.
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"Sonhei com a Dani". Estranho, sinto que sonhei com tal amiga paulistana, mãe, mulher e psicóloga. Não me recordo do sonho, mas a imagem é nítida: vestia azul, a Dani, grande amiga, grande mulher. Engraçado meu inconsciente tê-la escolhido como primeiro sonho de 2012: mãe e psicóloga, atualmente, duas coisas que não me saem da cabeça, quase como um palpite. O de que toda psicóloga jovem engravidará em 2012; ou, o de que engravidarei. Meu primeiro suspiro consciente pós virada de ano, pós chegar em casa trêbada e dormir como anjo, tal fora: "sonhei com a Dani e chove. Corra, antes que a chuva pare".
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Por quê?
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Aprendemos com minha avó materna a beber da chuva de primeiro de janeiro para nos trazer sorte. Sempre chove, sempre o fazemos. Minha mãe já estava acordada quando, desesperada, subi ao telhado, de pijamas, e lá coloquei um generoso recipiente para nos trazer a sorte necessária. A chuva já havia passado, restando-me a garoa (...como eu amo garoa). Mas, calculei que até o fim desta noite, haverá esperança em bebê-la.
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Desci, dormi, acordei, pensei: "Falta alguma coisa?". Sim! Nicotina. Meus cigarros acabaram e, ontem, talvez por surto de boa vontade-maliciosa, arrisquei parar de fumar este ano, prometê-lo, a fim de conseguir um empréstimo com minha mãe (para alguns detalhes supérfluos da minha viagem). Hoje, após descer, dormir, acordar, pensar e adivinhar, vi nisto tamanha bobagem; contudo, senti-me velha. Vi as fotos do nosso Reveillon - aliás, um dos melhores da minha vida - e senti-me assim. Fora o preto? Não: foram as marcas de expressão que teimam em nascer. Aí sim, tá certo, tá legal, vou parar de fumar esse ano porque cigarro é caro, envelhece....e pode até me render um câncer de pulmão, mas ninguém se preocupa com isso, da mesma forma que as mulheres não pensam no risco das DST´s quando transam, mas sim em gravidezes indesejadas....Ah, como nos perdemos, como somos burros, fome - pensei, tudo junto.
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Bebi água, o mundo sangrou, e voltei a dormir.
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Acordei. Para almoçar, óbvio, seria necessário acordar. Ainda a sensação de que falta alguma coisa, como se TODOS OS PRIMEIROS DE JANEIRO DO MUNDO, DE TODOS OS PAÍSES E GALÁXIAS fossem frágeis e assexuados. Vazios. Não um vazio que dói, mas um desses que....que....anestesiam a alma e o corpo. Havia muita comida sobre a mesa, o que estranhei, pois não soube (agora chove!), ninguém o disse, não vi gente além de nós três e um cão nesta casa enorme e assexuada de janeiro. Disse o patriarca "É por ser dia primeiro". "E só por isso tanta comida?" - respondi.
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Um mosquito morreu enquanto se travou o diálogo entre pai e filha.
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Mamãe, como por milagre, senta conosco. "Vamos rezar?" - perguntei, recebendo a seguinte afirmação do patriarca: "Não. Só por que é primeiro de janeiro temos que rezar?". E por ser primeiro de janeiro precisamos de tanta comida? - pensei, disse, rimos, comemos, rezamos (pra dar sorte, vá saber....Também não tenho o costume de rezar antes das refeições).
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Ainda faltava algo. Todos foram dormir e a chuva parou, quando acordei e senti saudade. Enviei uma mensagem; mas, imaginando que tal pessoa não teria como respondê-la, imaginando onde estaria, com que outras pessoas e situações, minutos depois, liguei. 1. Ligação não atendida. 2. Telefone desligado (ou ocupado). 3. Uma pessoa fria me atendeu e já me estragou a surpresa. Talvez a culpa seja minha, culpa da minha sensibilidade exagerada que se contrapõe, ou complementa...quiçá, a tal dia sem desejo. Foi quando senti a sexta falta do meu dia. (Faltas inconscientes: 1. A de ser mãe; 2. A de ser psicóloga. Há maior complexidade neste esquema, mas resumo-o assim). 3. Chuva; 4. Nicotina; 5. Distribuição igualitária de renda e, automaticamente, comida; 6. De quem amo.
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Foi uma dor tão grande que chegou a romper o silêncio virgem da casa. Vou dormir então, de novo, até vir o amanhã. Insônia precoce. Revirei-me na cama, pensando em minha viagem, pensando "E se justo a minha bagagem for a escolhida por Deus para o extravío?"....e se não me fizer entender em espanhol, inglês, língua do P, e se ficar desalojada durante três dias? E se o avião cair? - Bom, isso não seria tão mal. Mas a bagagem... Não, Deus, por favor!
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A cólica chega aos poucos. Graças a Nossa Senhora! É preciso um pouco de cor nesta parede tão branca.
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Mas ainda falta: A certeza da sorte.
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A realização da vida, do desejo, de bens materiais, de alguém a quem chamar de "meu amor" e, por escolha, ter um filho chatinho. É a sorte que me faltou hoje, pensei que fossem cigarros; mas, o vermelho que brota na parede (da mãe) diz:

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Tudo é sexo dos anjos...


2 comentários:

  1. Legal. (os comentários nem sempre atendem às expectativas...rsrsrsrrs)

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  2. Forte, profundo, intenso, como tudo no interior de seus pensamentos. Sonhos... Acaso... Destino... Vida... Doce mistério que nos rodeia. Seja você, ou apenas seja. Mas nunca perca o dom do seu encanto, menina dos olhos de ressaca.

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