quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Aos dezesseis....


Há algum tempo, meu professor de Literatura Portuguesa, e atual orientador, contava- nos suas aventuras em Lisboa, lugar de que tanto gosta. No meio de sua fala, ele nos indaga: “Nunca sentiram a sensação de pertencerem a um lugar ou a uma situação, ainda que nunca a tivessem vivido anteriormente?” – Meu querido “prof” usava essas palavras para justificar o estranho enigma de sua vida: conhecia Portugal como a palma de sua mão, inclusive lugares os quais nunca houvera visto.....

Enquanto ele fava sobre essas coisas, tentei me lembrar de algum momento na vida em que eu tivesse encontrado meu quinhão de paz; isto é, a plenitude de sentir e saber que estou no melhor lugar do mundo, berço da minha alma...a “minha Portugal”. Sem muito esforço, recordei-me quando minha amiga Cinthya convidou-me para dar umas voltinhas pelo hospital INCOR, em São Paulo, com um jaleco e um crachá à la estudante “Uspiano” de Medicina....Sabia, de alguma maneira, que ali era o meu lugar.....Estudante da USP? Não mesmo.....Refiro-me sobre a sensação de estar em um hospital.....

Ando muito feliz com a minha profissão. Sei que nasci para ser professora; amo o exercício da escrita, melhor ensinamento herdado de minha mãe; aprendi a amar a literatura, mesmo sabendo que me falta ainda muita disciplina...(porque Literatura é arte e toda arte exige disciplina; disciplina que tenho tentado conquistar nestas férias...), e , penso que se um dia conseguir unir literatura ao estudo de religião, terei encontrado meu objeto de pesquisa.

Fui bailarina durante muito tempo e afirmo que amo a dança clássica...mas o Ballet sempre foi para mim uma fonte de inquietude, paixão, frustração; misto de alegria e tristeza.....

Resumindo, é quando estou dentro de um hospital, e não sei bem por quê, que sou capaz de encontrar uma alegria tão cotidiana e singular que me preenche.

Não faço idéia da primeira vez em que estive num hospital...nem sei se nasci em um. Quando criança, lembro-me de ter visto meu pai internado muitas vezes, e de pedir a Deus insistentemente para que ele fosse imortal, para que ele não morresse ali. Na adolescência, aos dezesseis, acompanhei o drama do meu primo Cleiton e do jovem Rodolfo, um dos meus amores, mas, foi sobretudo com a doença do Cleiton que vivi uma série de experiências marcantes e responsáveis pelo meu “ponto de virada” nesta vida. Fui à última pessoa a ver o Cleiton com vida, na UTI do Incor....a última pessoa.....

Quando cheguei a São Paulo para revê-lo, lembro-me das inúmeras recomendações das pessoas pedindo que não demonstrasse a meu primo sinais de espanto, piedade, ou qualquer coisa do tipo. Ele estava retendo líquido; estava “enorme”....não parecia o Cleiton com quem convivi 16 anos.......(faziam-me crer assim...).

No meio das lágrimas e agitações, respirei fundo e fui vê-lo: e lá estava o “nosso” Cleiton.....Inchado, fraco, ranzinza.....Mas o irmão de sempre, adolescente- “chatinho”-CDF- quatro olhos que sempre fora (tenho uma queda por pessoas chatas...).
Que alegria esse reencontro.....logo após um bom número de palavrões, meu eterno primo-amigo-irmão me diz algo que eu nunca, nunca mesmo hei de esquecer:
- Quando eu fizer o transplante (de coração), é você que vai ficar aqui comigo, porque você não vem aqui para rezar... – disse.
As pessoas chegavam...rezavam...rezavam..longe longe com seus terços infinitos e cheios de véus; mal sabiam que a melhor oração que se pode oferecer a um jovem paciente é nada mais que um pouco de carinho e conversa fiada....jovem é jovem...em qualquer lugar do mundo, do tempo e do espaço.

Depois dessa experiência, lembro-me de ter visitado um amigo com leishmaniose no hospital....Menino gente boa com quem gostaria de ter construído uma amizade mais próxima. E sempre a mesma sensação....de paz e segurança.....

Durante muito tempo busquei um trabalho como voluntária num hospital do câncer, com base nessas duas experiências vividas...(as doenças do Cleiton e do Rodolfo). Nunca consegui....ora porque era muito nova (16 anos...)....ora porque todas as pessoas queriam “cuidar” das criancinhas com câncer...ora porque não era atriz, e sendo assim nunca poderia ser uma “doutora da algria”, por exemplo.

E colecionava todas as revistas sobre doenças sanguineas.....lí inúmeros livros....conheci muita gente boa também....(Sr. Wilson, que gentilmente me presenteou com o seu livro Impacto e a jovem Morena Perez, com quem construí uma pequena amizade virtual e “telefônica” – Morena não está mais entre nós...se contar a vocês como soube de sua partida vocês ficarão arrepiados. Contarei um dia).

Pelo Cleiton, entrei para a Sociedade São Vicente de Paulo, a fim de cuidar das pessoas, como se fazendo isso, ele pudesse sentir que cuidava dele, mesmo de longe....; Pelo Rodolo....assisti a inúmeros filmes....li livros sobre o assunto...conheci gente....visitei hospitais...assisti palestras....busquei trabalho voluntário....rezei o terço diariamente, durante oito meses; pelos dois: doei sangue pela primeira vez assim que completei 18 anos...cadastrei-me como doadora de medula óssea...e, acho que sou uma pessoa melhor....(embora eu reze bem menos ao vinte e quatro, do que quando tinha dezesseis....)

A experiência como Vicentina e posteriormente, já em Viçosa, como voluntária da Casa Assistencial São Francisco de Assis (CASFA) me aproximou de algumas situações “hospitalares” mas de modo muito superficial....Já vi muita gente morrer.....(Grande amiga Dona Ruth.....)...e muita gente nascer.....(Daniel,bebezinho órfão que acompanhei a pedido da CASFA uma noite no hospital...)....e sempre a mesma sensação de paz, como se conhecesse todos os corredores, todos os pacientes, todas as dores dos hospitais. Se fosse espírita, diria que se trata de uma experiência adiquirida em minha vida passada; como não o sou, dentro do que acredito, penso que por algum motivo o qual desconheço, dentro de hospitais a minha “energia” vital(energia que todos nós temos e emanamos de alguma forma...) encontra familiaridade; um lugar para se expandir.
Nunca sentiram nada parecido na vida de vocês? Certamente que sim....

Quando tive a minha crise de TBH, não consigo recordar a minha relação com o cenário hospitalar; os poucos flashs que tenho em mente trazem-me, apesar do desespero para ir para casa, lembranças positivas...vontade de ver os outros pacientes....E de dizer que a morte não existia....

Essa semana meu tio Milton foi internado em função de uma pedra no canal urinário. Passei a noite de ontem no hospital e parte do dia de hoje....e por isso, recordei-me dessas sensações. Já pensei em ser médica, quando tinha 16 anos....Para salvar a vida daqueles que amava....
Hoje eu penso em ser “eu”, Amanda, para “salvar” aqueles que amei do esquecimento eterno...por onde a vida me levar e seja lá a profissão que eu vir a ter....essas pessoas que “perdi” estarão caminhando comigo, bem como certas causas que vez ou outra insistem em tomar a minha voz: “Doação de Medula óssea”, “Doação de sangue”, “Doação de órgãos”, “Direitos de pacientes em estado terminal – como viver dignamente.”

Toda luta vale a pena. Toda. Algumas delas, porém, só são compreendidas muitas lágrimas e tempos depois...
Heberton nasceu no mesmo ano em que o Cleiton: 1988. É um lindo jovem, também um primo querido e que conseguiu vencer uma espécie de leucemia através de um transplante de medula (medula doada por sua irmã e minha afilhada fofíssima Andresa).
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..Eu estive lá e meus olhos também presenciaram essa luta....

...Rodolfo faleceu em 2003; Cleiton em 2004; Morena em 2005.....
Em 2008, Heberton é transplantado...e hoje vive feliz com os pais em Ervália/MG, piriguetando, andando de jipe e trabalhando com o pai no caminhão deste.......

Não sei a resposta desse mistério que é a vida e dos laços que a gente tece; mas o fato é que uma de minhas vontades, ainda hoje, é a de trabalhar voluntariamente num hospital...não sei como, quando, onde...mas....segundo a minha intuição, esse dia há de chegar....
Amo a Pastoral da Juventude e tudo o que aprendo com ela, dia após dia....
Mas trago essa lacuna comigo....

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