segunda-feira, 25 de julho de 2011

Engoli o orgulho, saltei o pedregulho, resolvi o marulho, comi o sarrabulho, escrevi o bagulho, de beca eu tô em julho: Diário de uma Formanda XXI

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Cap. XXI: Verdade pura (final).
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- Verdade pura! Nada mais difícil do que a verdade, Emília.
- Bem sei - disse a boneca. [...] Mas para isso ele não pode dizer a verdade, porque senão o leitor fica vendo que era um homem igual aos outros. Logo, tem de mentir com muita manha, para dar a idéia de que está falando a verdade pura.
(Memórias de Emília, Monteiro Lobato).
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Pois bem. Estávamos no meu baile, quando uma amiga trêbada (eu não passei do bêbada dessa vez) disse-me emocionada: - Um dia teremos um canil (referindo-se a ela e ao namorado)...Sonho em cuidar de cachorros desde os cinco anos, é isso o que quero da vida!
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Quantas coisas aprendemos com cachorros e crianças...Inúmeras, não? Sem contar o que trazemos desde sempre, desde não sei onde, e que guardamos conosco ao longo da infância e por um bom tempo além, até que a maturidade nos alcance...(maturidade que independe da idade "cronológica"; depende mais da idade da vida e das nossas circunstâncias).
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É Dr. Caramujo (o sujeito quem ensinou a boneca Emília a ser gente, dando-lhe pílulas "falantes") quem me disse há poucos dias:
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- Você tem que ser menos Emília, Amanda, menos criança. É preciso crescer e medir a noção de verdade. As crianças falam a verdade o tempo todo, os adultos não.
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Seria então esta a diferença entre um e outro? Crianças e cachorros nos dizem a verdade das coisas o tempo todo. Por isso gostamos tanto deles, porque são aquilo que um dia fomos, daí a inveja e o medo que tais seres nos causam, só com o olhar.
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Tenho quatro priminhos que são os netos mais jovens da família de minha mãe. Eu sou a neta mais velha.Temos uma relação muito especial: vejo neles "uma espécie de" filhos, tenho um carinho e amor maternal para com os quatro, embora esse amor seja retribuído em uma outra medida. Tratam-me como se fosse uma deles, como se eu também tivesse meus cinco ou seis anos de idade. Gosto disso, apesar de não entender o porquê, isto é, o porquê de me amarem como se fosse a irmã um pouco mais velha e não como o que de fato sou, adulta.
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O mais novo dos quatro é meu afilhado, além de "primo-filho-irmão". Nascera num momento em que precisávamos de esperança, alento, vida. Então ele veio, da cor do fogo, e veio com todo pique de vida e de verdade, como só os cachorros além das crianças têm. Levei-o ao churrasco dos formandos, com sua irmã mais velha (diferença de 1 ano e meses). Feliz (porque realmente gosto dessas crianças), disse ao pequeno:
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- Um dia você vai se formar também, little M**!
- Mas eu já me formei, Amanda!
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Desbancou-me, o menino, aludindo a sua recém formatura do "pré". Para não perder o jeito, respondi apenas "mas na vida a gente se forma muitas vezes", disse isso já destronada, mas com cara de mulher adulta e madura, que vê além. Verdade pura ou mentirinha bem contada, o fato é que dias depois estou eu aqui refletindo sobre o que me disse "...mas eu já me formei, Amanda".
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Sim, ele já teve seu primeiro "rito", no ano que passou, logo após a morte de nossa avó. Estávamos juntos na ocasião, dei-lhe um presente qualquer...(a ele e a irmã que vem depois, na idade). Enquanto todas as crianças comemoravam a formatura, ou a festa ou as cores dela ou não sei quê, little M** parecia preocupado e com carinha emburrada:
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- O que foi little M***??
- Deixei meu carrinho na outra sala...quero meu carrinho!!
- Ah depois você pensa no amanhã, curta o momento...(quase disse)
- Mas e se pegarem meu carrinho?
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Nunca vi criança mais estranha. Ficou a cerimônia toda pensando no carrinho até que veio a fome e o sono, superior à vontade de carrinho e de formatura. Não abriu um sorriso sincero hora alguma, é mesmo um "bichinho do mato" - brincou o irmão adulto (brincamos todos nós sobre a pessoa do pequeno). Apesar dos vinte anos que nos separam, entendo perfeitamente a preocupação do menino pra com o brinquedo que mais gostava, deixado na sala ao lado, à mercê de tudo e de todos. Quem garantirá que já não o tomaram, que passará o resto dos seus dias lamentando tal perda? Entendo perfeitamente.
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Neste último mês pensei em vários carrinhos deixados à sala ao lado: foi um mês difícil, tumultuado, sofrido e ao mesmo tempo festivo, único. Dias antes da defesa de minha monografia, uma série de coisas aconteceram que ainda repercurtem na memória da "formada", ecoando. Não sei bem o que será, se perderei, encontrarei, comprarei ou roubarei outro, dois, três carrinhos... Não sei o que se passa na sala ao lado da qual hoje estou, por isso compartilho do sofrimento do menino, já formado há mais tempo do que nós todos, nós que nos des-formamos com o passar dos anos, até a chegada da velhice, também iluminada e reveladora: plena e avessa.
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Quero ser educadora, seja de um lado ou de outro. Se houver jeito, pesquisadora, educadora universitária. A curto prazo pretendo estudar para o Mestrado, estudar línguas, trabalhar, sair de casa, virar-me. Mas ainda não sei bem como organizar todos esses desafios, alegrias e misérias: a preocupação com a sala ao lado ronda meus pensamentos, viva ou quando sonho, confundindo-me, desorganizando-me, enchendo-me de dúvidas. A certeza de que preciso continuar estudanto é clara, mas a sala ao lado ainda me preocupa...Medo de que não haja carrinho lá, de que as coisas terminem por aqui.
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Tenho medo de uma série de pequenas coisas irrelevantes: barata, elevador, altura, mensagens subliminares, espíritos, fundo de mar, brinquedos perigosos, certas gentes. Mas dos medos grandes, além da morte (minha e de quem quero), tenho medo da mediocridade. Medo de passar o resto dos dias sonhando com o carrinho "desaparecido" em minha formatura, porque tive medo de ir "lá" quando devia tê-lo feito. Não é um medo exato, medo de não passar nisto ou naquilo, de ganhar 10 ou 100.
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É medo de não conseguir a tal felicidade das crianças e dos cães, rendendo-me.

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De qualquer forma, little M** não perdeu o tal carrinho naquele dia, simplesmente porque ele não estava lá, na sala ao lado, mas sim em outro lugar, trancado à chave. Ainda assim, o medo da perda deve ter-lhe ensinado alguma coisa pequena ou superior. Desconfio de que o medo também nos impulsiona como um soco no estômago... Não chega a ser de todo mal tamanha insegurança. Porque no fim das contas, a maior mediocridade que nos pode acometer é a da alienação, e quando se tem medo é porque desta nos safamos por momento, minimamente.
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O lado bom desse último mês foi o contato com os amigos, de perto e de longe, com a família, os educandos, os amores, etc. Agradeço a todas estas pessoas que estiveram comigo durante este tempo julhino, que acompanharam passo a passo o processo de formatura, a resolução das coisas, das burocracias até o catártico baile. Obrigada!
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Este é o último capítulo de minha odisséia pessoal. Há outras que virão. O que me aguarda na sala ao lado pouco sei; mas sei que quero chegar lá, de um jeito ou de outro. Formada ou em des-formamento (porque morrenos e nascemos o tempo todo, mas sempre estamos formados, como disse sabiamente little M*), as mudanças chegarão, sejam do tipo que forem. Aguardarei, não mais no ponto de ônibus, mas sim descendo a reta da UFV e simultaneamente olhando para frente, lados e para trás. É preciso olhar para trás, às vezes.
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Assiti à Menina de Ouro já há algum tempo. A parte que mais gosto é quando Clint Eastwood (ou foi o Morgan Freeman? Agora esqueci!) diz a Hilay Swank algo assim "...para dar o melhor golpe é preciso, sempre, que você se distancie do adversário. Mas não muito, porque se você se distancia demais, aí é você que será derrubada" (parafraseando).
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Um especial obrigada a todos os leitores que compartilharam dessa série de textos, tão bobos quanto eu, mas cheios de sinceridade!! Continuaremos por aqui com nosso "Sofia de Buteco", sempre em mutação (espero...).
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THE END (?)
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Engoli o orgulho, saltei o pedregulho, resolvi o marulho, comi o sarrabulho, escrevi o bagulho, de beca eu tô em julho: Diário de uma Formanda.
Cap. XXI: Verdade pura (final).

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