sábado, 18 de agosto de 2012

Crônica de um ciumento

*até das meias tenho ciúmes. Foto de António Rodrigues.
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Eu devia escrever sobre algo mais útil, greve dos professores federais, cotas para escola pública, mensalão. Antes disso, porém, eu devia escrever, então decidi partir do princípio: algo Nível I, apenas para o bem das articulações há muito enferrujadas. Para quem acompanha esse Blog desde 2009, sabe que divido minha vida em fases. Pois bem, essa nomeio a fase da "pregucite crônica mor", ou desânimo profundo do existir. 
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Nem depressão nem mania, apenas um momento ruim e demasiado brando, a certeza de que minha vida caminha para um rumo o qual não escolhi conscientemente, e que perdi o controle de tantas coisas. Nem feliz nem triste, apenas respirar-acordar-trabalhar e continuar....á espera do fim dessa greve, à espera da defesa da minha dissertação imaginária, meu prazo real. Oca até a medula, consumindo novela das oito como se fosse água (bem, cabe o parentese aqui: a trama é boa sim....), cá estamos, vento e ventania.
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Amo, todavia, o que é sinal de vida. Nem por isso há de ser fácil o amor; hoje vejo o amor, pleno, como realização dos espíritos elevados, viscerais, ou qualquer outro adjetivo que expresse a minha admiração - eu amo mal. Não darei exemplos pessoais, mas falo do geral e específico, o ciúme. Sou muito ciumenta e às vezes estou; quando sou e estou, monto-me um "terminator", último apelido carinhoso que recebi.
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Sou um bom material para estudos. Do que tenho ciúme? Por partes:
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A velha frase "o que os olhos não veem, o coração não sente" é uma falácia em se tratando de ciumentos. O que os olhos não veem, a mente imagina cinco vezes pior. E eu imagino, porque - modestia à parte - a preguiça crônica desses dias mornos é incapaz de anular a minha imaginação. Vejo gigantes onde só restam moinhos. Tenho horror a qualquer tipo de mentirazinha, dessas bobas, e utilizo-as como mote para o fiar do ciúme diário, esse pequenino gérmen que enfim se transforma em monstro após muitas e muitas peripécias. Tenho dificuldade em perdoar; perdôo, mas não esqueço - o que dá no mesmo. Acredito que o amor, ainda que sublime, não é suficiente para acalentar uma alma curiosa. O que você faria se, estando o amor da sua vida há milhas daqui, recebesse um telefonema do Johnny Deep? Bom, eu não faria nada, porque apesar do meu excesso de curiosidade para as coisas proibidas, tenho uma preguiça de mentira que me mantem sempre os pés no chão. Antes me permitisse o devaneio infantil das noites de sexta e sábado, talvez mudasse o meu senso de justiça. "Ok: a carne é fraca e até Cristo se fez carne...".
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Tenho medo de perder. Já perdi 567 vezes e não aprendi que nada se perde: não somos donos de nada. Não só tenho medo de perder, mas sobretudo medo de perder aos poucos e não realizar. Daí os subitens, após essa explicação plausível: ciúme de ex namorada, ciúme de ex ficante, ciúme de saber que meu parceiro convive - fisicamente ou na memória - com um laço invisível (de alguma forma invisível: ou porque há distância física, ou porque não é da minha conta). Não tenho cíúmes, por exemplo, do que posso enxergar sozinha, com os olhos que Deus me deu: não sinto ciúmes de cantadas recebidas ou olhares indiscretos, desde que eu esteja lá. Nesse caso, é só falta do que fazer.
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Então, o que fazer? 
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Ao analisar a alma do ciumento, as relações tornar-se-iam mais fáceis se os parceiros dos mesmos soubessem algumas artimanhas. O que nos ocorre é que geralmente, embora não em todos os casos, os parceiros dos ciumentos são pessoas igualmente independentes (o ciumento é, na verdade, um independente: ele só confia em si mesmo e no seu amor próprio. Nem acho que seja o velho clichê "...ame a si primeiro e depois...., ; o ciumento é apaixonado por si) que tampouco entendem as razões alheias. O ciumento tampouco entende as necessidades alheias. É como dar terra a quem precisa de fogo, há uma incompatilidade aí que só o sentimento cristão do celibato seria capaz de acalentar.
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Nada.
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Ou mudamos a toada, ou perdemos a dignidade. O ciumento é capaz de diversas agressões no calor de uma dicussão...hipocrisia seria a defesa aqui do sujeito que teima, que arde, que provoca  guerra. O que acontece é que o ciumento tem uma capacidade de guerra muito ampla, de modo que consegue ser imensamente amoroso após o tempo de batalha, quando a maioria das pessoas já está "desgastada". O ciumento sempre se renova, porque a guerra é um sinal de luta. Mais importante que amar, é a luta que esse amor propõe. Quando não há luta, dá-se o desencanto.
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Só a monotonia é capaz de vencer o ciumento. Isto é: somos sempre o lado perdedor. Se não perdemos o "amor do outro", perdemos a nós mesmos e a nossa capacidade de civilidade, de ser grupo, isolando-nos na montanha das alucinações. Ser ciumento é estar sempre só. É uma defesa.
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Nunca conheci alguém que tenha se regenerado desse mal. Conheço pessoas que, com idade e perda, aprenderam a se controlar mediante a confiança que o outro oferece. Aprenderam a se calar e deixar o fluir da vida ditar as regras. Aos poucos, o ciumento canaliza sua "energia de guerra" em coisas realmente úteis. Em minhas análises, dei-me conta de que as grandes transformações da humanidade foram conduzidas por mentes ciumentas, ou seja, há a parte boa em todo caso, desde que bem dirigida.
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Conheci uma menina tão igualmente ciumenta, que hoje leva seus dias falando de Deus e das dádivas que o senhor a proporciona no facebook. Leio tudo o que escreve, porque gostaria de fazer o mesmo: "Senhor, obrigada pelo dia de hoje, em que tive a oportunidade de ir à padaria e comer uma "carolina" (doce paulistano cujo nome em "mineires" ainda desconheço); Senhor; obrigada pelo dia de hoje em que tive a sorte de encontrar aquele filme que há meses procurava...(e por aí vai).
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Ciumentos deviam ser proibidos de utilizar redes sociais. A mudança do status de "solteiro" para "namorando" é sempre motivo de choque, ainda mais quando o parceiro se recusa a fazê-lo por preservação de privacidade ou capricho. Paciência.
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Ciumento não tem paciência; tem resignação. É tudo sempre profundo para o ciumento, geralmente taurinos ou escorpianos. O lado bom é que a maioria dos psicopatas e esquartejadores passionais derivam de outros signos: o ciumento é incapaz de matar o outro, ele mata a si mesmo, como o suicida escorpião. Ele age por impulso, não premedita nada; não come quieto, como o mineiro: está mais para o baiano com espírito de micareta....(viva salvador..).
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Ciumentos que namoram ciumentos são menos infelizes. 
Ciumentos que namoram pessoas extremamente chamativas são mártires em vida.
Ciumentos cuja operadora é TIM ...estão a um passo do abismo.
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De qualquer forma, a mudança pode ocorrer com um pouco de "pó-de-força-de-vontade".
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Caso contrário, é hora de fechar o "facebook" e seguir a vida.....
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- Direita ou esquerda? (isto é, qual a minha esquerda? - ciumentos perdem, às vezes, o senso de direção).
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Bom dia!

Um comentário:

  1. "Nem depressão nem mania, apenas um momento ruim e demasiado brando, a certeza de que minha vida caminha para um rumo o qual não escolhi conscientemente, e que perdi o controle de tantas coisas. Nem feliz nem triste, apenas respirar-acordar-trabalhar e continuar..." - Este trecho me define nesta atual fase de minha vida.

    Gostei do tom quase confessional do texto, que você mantém sem perder o bom humor. Ótimo post Amanda!

    Bjs

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