quarta-feira, 14 de março de 2012

Carrossel


*Carrossel. Foto de Inês Correia.
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"En carrousel l'amour fait tourner ma vie"
(Mon Carrousel - Mayra Andrade).
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Disseram-me certa vez que é preciso cuidado com aquilo que se deseja muito, não qualquer coisa, digo, tudo o que se deseja com alma e intensidade.
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Por que? - perguntei à amiga mais velha....
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- Porque pode se realizar.
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Creio que este diálogo tenha se passado há exatos dez anos; mas nunca me fez tanto sentido como hoje, o tempo de hoje, as pessoas de hoje e as novas situações que têm se apresentado. Não tenho muito do que reclamar na prática, mas a sensação é a de que não é aquilo que eu pensava. Estou desapontada. Como se houvesse sido enganada, duas vezes, em duas circunstâncias distintas mas que têm, como elo, um significante comum: o amor que se deposita nas pessoas e coisas.
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Amor no sentido de expectativa.
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Frustrada, enciumada, somatizando toda a raiva em dores terríves pelo corpo afora. Exagero? Claro, ou não seria eu, ou não seria Sofia.
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Disseram-me há pouco: "Sua maior paixão é você mesma". Chorei por cinco minutos até compreender que sou fácil demais. Falta-me malícia.Talvez sim. Frida Kahlo só pintava auto retratos, alegando que a temática que melhor conhecia era si mesma. Talvez me passe o mesmo. Não consigo escrever sobre qualquer outra coisa que não eu, que não o mundo que me atinge, a mirada de quando se está num carrossel...a vida em círculo e as coisas que nunca mudam, apenas trocam de cor. Sou e estou.
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Não me conheço, de fato. Inconformada por natureza, minha influência materna; conformada por parte de pai - tudo me é desconfortável ultimamente - até o meu próprio corpo.
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Voltando?
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Alguns desejos se realizaram....Mas já sinto o preço destas escolhas, um pouco das transformações que nos serão necessárias; e, sobretudo - o péssimo hábito da hipocrisia que precisa ser cultivado. Já passou, Sofia, a época em que era bonito ser criança. É preciso entardecer.
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Estou triste, não minto, não disfarço. Não está sendo como pensei, como esperava. Sinto-me presa numa camisa de força. Sinto-me obrigada. Sinto-me mais adulta do que nunca e com a certeza de que não o sou em outros contextos, para outras pessoas.
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Sinto ódio doentio por algumas mulheres, homens e situações. É como se meu fígado estivesse se despedaçando aos pouquinhos. Não chega a ser um desejo de morte; quiçá de inexistência ou desencontro. Vontade de ter escolhido outro caminho - melhor ou pior, não é o ponto - diferente caminho. Mas sim....Fiz de novo o que não devia, o que se faz quando é fraco ou preguiçoso ou os dois.
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- Mas, se houvesse sido assim, você não teria me conhecido.
- Teria conhecido uma série de outras pessoas e você me seria apenas um nome.
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Trata-se de uma série de acontecimentos, não um nome em especial, mas uma dezena deles. E a sensação de liberdade podada. Como se estivesse condenada a vagar em círculos, aceitando sempre as mesmas situações, sempre os mesmos medos e a mesma mediocridade, aquela sensação de...."e se".
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Queria não estar aqui hoje. Queria estar lá; mas já foram criados vínculos e responsabilidades...Sou mãe e pai de uma série de gentes, além de um cachorro que chora todas as noites quando não me vê.
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Sinto-me sufocada. Hoje, por exemplo, passei mal e não fui trabalhar. Não por escolha. Se fosse por escolha teria passado mal amanhã e viajado para outras bandas. Não, foi hoje. Mas como explicar um mal que só depende de mim mesma, que só eu posso enxergar? Como dizer...."Foi um desencanto muito forte que me adormeceu e então não pude vir aqui". Como provar que encanto, e por consequencia o desencanto - podem ser, em certos contextos, doenças terminais? Não há o que dizer; preparo-me para ouvir....Amanhã.
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É um desconforto. Como se todos estivessem mentindo ou rindo pelas minhas costas. Como se não passasse de um nome, uma representação, não uma pessoa que trabalha, que tem força. Não tenho força. Esqueci as regras de acentuação da minha própria língua. A verdade é que nunca as aprendi. Era mentira.
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Quando despertei hoje de madrugada, senti um segundo de liberdade. Até me dar conta do que me havia levado a tal escolha. A tal submissão amnésica que só me faz mal. Que importa alguns segundos de liberdade? A angustia se repete...E gira...gira ...Como um carrossel humano.
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A sensação de estar presa numa camisa de força. Acompanhada e só.
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Já não me reconheço mais.
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Estou pronta: para a reforma ortográfica. Quando?
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Boa Noite!

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