sábado, 29 de junho de 2013

Mamífero

*somos mamíferos. Foto de José Vahl.
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É preciso se ligar a alguém ou a algo para não morrer de solidão. Na casa de veraneio, úmida, vazia, oca, havia centenas de flores e plantas que nada lhe diziam. Também eram vida como a dela, mas  tal mulher não possuía - ou desenvolvera - poder necessário, aquisição de linguagem para as botânicas, vivia só. Após a morte dos pais e irmã, viajou por muitos caminhos que nada lhe trouxeram; conheceu muitas pessoas - as que lhe acrescentaram tamanha sabedoria e curiosidade pelo simples e pequeno, mas não permaneceram as pessoas. Passou a vida só. Sem um amor. Sem uma religião. Sem um partido político. Sem uma causa. Sem um filho, seja este de qualquer espécie, humano ou literário. Viveu como se prendesse a respiração e, debaixo d'água, lhe tirasse a vida a capacidade do pensar, do sentir. Permitiu-na apenas o sobreviver.
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É preciso se ligar a alguém ou a algo para não morrer de solidão. Porque ao contrário do que se pensa, se existe Deus, abrirá Deus sua manta de compaixão apenas ao lado de lá, chegada a hora. Daqui se vê melhor as coisas: daqui, astígmatas, míopes, estrábicos e cegos noturnos veem melhor as coisas. É preciso unir-se aqui, enquanto há tempo, a alguém ou a algo para não morrer de solidão.
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Homem ou  Mulher que lhe servirá de ombro em momentos dolorosos; que lhe servirá de alegria para a celebração das pequenas vitórias; que comparta contigo o prazer pelo prazer. Ou, quem sabe, Amigo ou Amiga, que lhe servirá de brilho nos olhos, brilho na pele, entusiasmo - palavra mais bonita criada por algum mamífero qualquer. Há também os Cães, os Gatos, os Cavalos - outros colegas de caminhada hábeis em nos lembrar quem somos, em nos fazer rir e chorar. Não obstante, existe a arte, a ciência, a luta, o trabalho, a fé,  desde que acrescidos a boas doses de amor, de paixão, de graça e de entusiasmo - a palavra mais bonita criada por um mamífero qualquer.
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Havia uma mulher em uma casa de veraneio úmida, vazia e oca, cercada por flores e plantas que nada lhe diziam, porque não dominava - aquela mulher - a linguagem botânica.  Sem  linguagem, só nos resta essência. 
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Esqueceu-se a mulher de que era um mamífero. Em essência, um dos mais importantes; mas só.

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OBS: TEXTO SEMI REVISADO

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