terça-feira, 5 de abril de 2011

Engoli o orgulho, saltei o pedregulho, resolvi o marulho, comi o sarrabulho, escrevi o bagulho, de beca eu tô em julho: Diário de uma Formanda V

Capítulo V: Fotos remanescentes / Casar ou comprar uma bicleta?

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Bom, hoje foi um daqueles dias estranhos, cheios de reflexões vazias, nada sobre nada.
Ao prestar um concurso para professora do cursinho X, deparei-me com uma série de dúvidas não só sobre o conteúdo qual abordava, mas, principalmente, acerca da minha condição como professora, da minha mediocridade como tal, metonimicamente falando...(isto é, pensei numa série de outras pessoas que assim como eu se formam em Letras e permanecem cheias de lacunas, independente do grau de realização profissional e reconhecimento social/ acadêmico).
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Nesses momentos, sinto uma frustração tão grande, e a certeza que devia ter feito História. É incrível a minha incapacidade de lidar com certos gêneros...a minha falta de habilidade, o meu contato cheio de vícios com o texto....É como se tanto tempo não valesse nada; seguirei por aí, com um diploma na mão, reproduzindo o medíocre. Não é isso.
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Como já disse, ando angustiada. Cada dia que passa, percebo um despreparo ainda maior, o que se reflete sintomaticamente na minha dificuldade para monografar: quase um vazio, não consigo escrever, nada! Sim! É o tema que adoro, é o autor que EU escolhi...mas eu não consigo fixar o meu pensamento, a minha atenção, energia, libido, lirismo - eu não consigo! E o tempo corre, corre...e uma série de dúvidas me vêm. Eu e minha mania de pensamento excessivo, poucas ações, excesso de devaneio.
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Vejo a experiência de outros colegas, também da Literatura (não só da Literatura). Há os que se enclausuram na vida acadêmica e não são hábeis de se fazer entender com todos os demais. Vejo isso não só do ponto de vista profissional, mas também nas relações humanas, "gélidas",programadas, pesarosas, distantes, mesquinhas.
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Falei com um amigo sobre a cervejada dos formandos. "Eu? cervejada? Não vou, e não por falta de convite".
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A Universidade nos oferece um ensino plural, massificado, mas peca na falta de profundidade. O preconceito permanece, apesar de nivelamentos, permanece no detalhe. Como futura professora de Língua Portuguesa, Literatura e derivados, não consigo imaginar um ensino inacessível e hermético; mas, por outro lado, também não me vejo como um "canal" para a transmissão daquilo que aprendi, muito menos do que não aprendi. Sinto uma frustração tal, o que me leva a pensar que esses anos todos não fizeram tanto de mim como gostaria, como devia, como me será (e com razão) requisitado.
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Sobre a aula. Bem, não deixou de ser divertido...rs. Sim! tá certo que preparei a aula correndo, na manhã de hoje, tá certo que eu podia ter feito isso antes, ontem a noite...(estava ocupadíssima vendo uma série de fotos nas quais me saí como uma "autista"; enquanto todos leves, animadíssimos, no auge da "fotogenia", cá estava eu com meu humor razoável). Detesto fotos. No jardim, nessas fotografias de "capa de revista", enquanto todas as crianças saiam com sua melhor roupagem angelical, eu estava com minha "tromba". Quase um menino, nunca gostei muito dessa coisa de ser agradável. Não é à toa os comentários que ouvi:
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- Nossa, você só fica no meio dos homens? Cadê as suas amigas mulheres! (Minha mãe sobre as fotos da cervejada).
- Nossa!!!!!! Mas como você está suja, por que só você está assim? (idem)
- As fotos ficaram legais...mas que cara!! (Comentário simpático de R).
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Voltando, tive tempo. Mas é preciso que eu me sabote, ou não sou eu, ou não sou Amanda. Mas apesar disso, penso que se a tivesse preparado com uma semana de antecedência, o resultado não seria dos melhores, ou acabaria desistindo.
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Já dei aula em cursinho; já fui tutora; já dei aula particular. Mas é como se cada aula fosse um desafio, um frio na barriga, uma ação desconhecida e desconfortável. Desconfortável até estar lá, no meio das pessoas, construindo qualquer coisa - isso que amolece.
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Sim! Eu gosto de gente, é isso que me desconstrói.
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De qualquer forma, a frustração persiste e a certeza de que há um abismo na minha formação. Esse "abismo" se teceu por causa de circunstâncias externas; mas, sobretudo devido aquilo que sou, isto é, eu e minhas escolhas, minhas deficiências.
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Há tempos não me sentia tão mal! Adoraria não me formar e passar o resto dos meus dias vendendo artesanato em lugares exóticos, levando uma vida promíscua e independente. O problema é que não sei fazer artesanato...(nem barquinho de papel eu sei), e acho essa coisa de promiscuidade muito difícil, ainda mais pra mim, que ando descrente de todos os níveis de relacionamento....
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Por fim, não caso, não formo, não monografo, não tenho aptidão, não faço artesanato, não sou promíscua (ainda), resta-me comprar uma bicicleta, dessas de rodinhas...(porque também não tenho um tino para o esporte, tampouco ciclismo).
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Uma série de pessoas me parabenizaram pela formatura. Muitas delas. Ainda que eu forme, monografe, crie aptidão, não mereço parabéns por algo que não foi fruto do meu exclusivo querer. É preciso parabenizar uma série de pessoas que me empurraram, que me ensinaram, que me obrigaram, que me intimidaram; é preciso parabenizar o meu ex namorado quem imprimia meus trabalhos de última hora, o meu pai que suporta a minha ansiedade diária, a minha mãe que reza pra que eu não desista (e pra que não opte pela promiscuidade), os alunos que tive durante esses três anos, pelo que aprenderam ou não, pela capacidade que adquiriram de duvidar, investigar, escutar, estar em sintonia. É preciso parabenizar tantos corredores por onde passei e uma série de pessoas que lá estavam, com seus mimeógrafos arcaicos, banheiros mal instalados, sorrisos forçados - e com a vontade, que independe de tudo isso.
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É preciso parabenizar aqueles que diariamente fazem do ensino mais que um pedaço de papel, mais que um gabinete, mais que um título. Que fazem das deficiências, sempre necessárias, uma ponte para estar ainda mais perto, tocar o outro no que lhes for possível, ser alimento.
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E tudo isso vem depois, do lado de lá, longe das quatro pilastras e do nosso desatino.












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