sexta-feira, 8 de abril de 2011

Sobre o massacre no Rio de Janeiro.

* Medo. Foto de Caroline Brunaneli


"Quem sabe a que escuridão do amor
pode chegar o carinho"
(Clarice Lispector)
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Sobre o massacre das doze crianças no Rio de Janeiro.
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Hoje de manhã, observava as pessoas a minha volta na Universidade Federal em que estudo. Estava em uma lanchonete logo após ter conversado com uma das responsáveis do meu futuro trabalho; perto de mim, havia algumas colombianas com um rapaz aparentemente do sul - digo "aparentemente" devido aos traços que tinha e pelo chimarrão. Ao meu lado, alguns rapazes da agronômia, falando sobre uma dessas festas de massa que está prestes a acontecer por aqui; ao fundo, no corredor, passantes com suas xéroxs e materiais de estudo, num vai e vem incessante, frenético, angustiante e ao mesmo tempo cheio de esperança, esperança de futuro e do que há de vir amanhã ou depois.
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Esperança.
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A que escuridão do ódio pode chegar o medo e a falta de esperança, insisto. Todos nós estamos cientes da tragédia ocorrida no Rio, nestes último dias, em que um rapaz de 23 anos dizimou calculadamente 12 crianças de uma escola local, deixando vários feridos. O rapaz, Wellington Menezes de Oliveira, era ex aluno da instituição e suicidou-se logo após o atentado. Comoção nacional, não sei bem como vim a saber do fato, visto que mal assisto televisão e tenho estado muito alienada esses dias, não só com coisas acadêmicas, mas também afetivas, familiares e outras preocupações mais corriqueiras, saúde, dinheiro, etc, etc....
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Acho que foi através do orkut (sempre que estou em casa deixo todos os meus aplicativos abertos, à espera de novidades, adoro bisbilhotar a vida das pessoas de quem gosto ou desgosto). Notei a recorrência de uma comunidade cujo título me chamara atenção "Vai queimar no Inferno". Talvez devido ao meu momento "demoníaco", ou por simples curiosidade, resolvi investigar do que se tratava, e cá estou, nesse instante, adiando inúmeras coisas penosas apenas para refletir e sublimar um pouco da minha angustia nesse medíocre texto.
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Pois bem. Observando as pessoas naquele café, dei-me conta do quão sortuda sou, por mérito das circunstâncias nas quais está embasada minha vida. A pergunta que me faço é : Quem seria eu hoje, se não tivesse encontrado pelo caminho uma série de pessoas, uma série de afetos a quem me agarrar? Pessoas e afetos que me trazem certa esperança de continuar caminhando, sonhando com o prático e o impossível; quem seria eu hoje sem pai e mãe, com uma grave doença mental, um histórico de distúrbios familiares provindos de uma genética a qual mal conheço (devido à adoção....)...Quem seria eu se minha falta de esperança fosse maior que o meu medo da morte. Quem somos sem esperança?
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Diariamente, milhares e milhares de jovens em meu país são mortos direta e indiretamente devido ao tráfico de armas. Quem de nós no entanto se dá conta disso, quem de nós está atento às medidas lançadas no senado, nos plebiscitos populares ou ás mobilizações? É preciso que tragédias como estas ocorram para nos darmos conta de que a causa do efeito é ainda mais ingrata, ainda mais nociva e, o que é pior: cotidiana. Quantas tragédias como estas poderiam vir a ser evitadas se mantivéssemos no país políticas legais e eficazes contra o acesso a estas corrosivas drogas....Até quando?
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O que fazemos, entretanto, é nos deixarmos levar pela sociedade do espetáculo a que pertencemos. Pais, filhos, gentes de todas as idades abandonaram seus afazeres a fim de acompanhar o trágico, doentio episódio - mas que continuará a acontecer em proporções alarmantes, caso nada concreto seja feito na raíz, na base da questão. Até quando tantos jovens como Wellington e aquelas doze crianças ...(também a menina que salvou a amiguinha, colocando-se na frente desta ante à brutalidade de Wellington, salvando-a com a própria vida) serão massacradas devido à falta de interesse político?
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Interesse político também.
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Wellington é uma vítima. Suicidou-se, em seguida, mas ainda não é o suficiente: é preciso recorrer ao Diabo , pedindo a este que o leve ao inferno, que o permita queimar até a nona morte - é preciso recorrer ao sagrado quando o humano é insuficiente ou dificultoso.
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O que seria hoje de Wellington se, estando vivo, tivesse a seu lado o amor de seus pais adotivos; estudasse hoje em uma instituição federal respeitada, capaz de oferecer-lhe a possibilidade de um futuro promissor; o que seria daquele rapaz se, além dessas coisas tão naturais, tivesse a oportunidade de ser tratado por um profissional gabaritado, o qual poderia lhe proporcionar um acompanhamento psiquiátrico....O que seria hoje desse rapaz, e daquelas doze crianças, se ao invés da INSANIDADE que o acometera, Wellington tivesse tido amigos, amores, desamores, chimarrões, festas de massa, acesso a uma vida saudável que o meio da EDUCAÇÃO oferece. O que seria de Wellington se tivesse um trabalho justo, proporcional às capacidades que desenvolvera ao longo dos seus vinte três anos; O que seria de Wellington hoje se estivesse em MEU lugar?
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Não é justificável, claro. Mas é preciso respeito também pra com essas dores obscuras que nós mal entendemos, que não passam por nós. Não sei o que levou um menino como aquele a fazer tamanha barbárie; mas sei que isso é fruto de uma mente doente, uma psiquê conturbada que necessitava de trato e atenção. Não só isso, uma barbárie dessas é fruto da falta de esperança, o que é também resposabilidade nossa, social, política.
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Não é justificável, claro. Mas é preciso respeito com o que não conhecemos. Sei que o desiquilíbrio não é justificativa absoluta, que há milhares de pessoas com severas doenças mentais que não saem por aí assassinando pessoas de quem não gostavam. Também sei de uma série de pessoas, homens e mulheres, que em sã consciência cometem atos desse tipo com uma racionalidade quase inumana - e que merecem pagar pelo que cometeram. Sei do mundo e das circunstâncias.
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O que defendo nesse medíocre texto é que ainda assim é preciso respeito. Ainda assim é preciso equilíbrio para enxergar os motivos concretos responsáveis por esse incidente (TRÁFICO DE ARMAS!!!!!!!!!!!!FALTA DE SEGURANÇA NAS ESCOLAS, FALTA DE INVESTIMENTO EM EDUCAÇÃO DIGNA) e combatê-los.
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É preciso enxergar aquele que erra tal qual ele é: humano. Todo esse escárnio e ridicularização não vão trazer ninguém à vida. Porém, nossa mobilização, organização, senso crítico e sobretudo respeito pelo outro poderão ainda que minimamente dar vida a tantas outras crianças que já estão ou que hão de nascer. O princípio é o mesmo, sempre.
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Wellington é um doente. Que descanse em paz, ao lado de Deus ou do Diabo - mas que descanse em paz.
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Nós que temos tudo, do chimarrão à esperança, é que não podemos mais fechar os olhos.

4 comentários:

  1. Amanda,
    Achei interessantíssimo seu post, sua visão acerca desse lastimável incidente nos faz de fato refletir de forma mais concreta e clara as obscuridades que não se vê pela tela da TV. Parabéns, vocês está escrevendo maravilhosamente.

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  2. Amanda, adoro seus textos...
    esse sobre o massacre ficou excelente...
    e essencial para reflexões além do fato por si só!
    Como disse o colega, seu modo de expressão é muito agradável e a leitura prazerosa...
    Abraços,

    Alexandra

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  3. Amiga, adorei seu texto principalmente pelo fato de suas inquietações também serem minhas. Enquanto educadora e apaixonada pela Juventude a cada dia que passa percebo que, se não fizermos uma opção verdadeira pelo ser humano vamos ficar a cada dia a mercê dessas fatalidades. Também sou filha adotiva e o que me fez diferente desse jovem foi ter uma família que me ama, a oportunidade de participar de um grupo de jovens, meus amigos, meus anjos visíveis e os invisíveis. Encontrei na minha vida pessoas que fizeram toda a diferença e busco a cada contato com meus alunos, jovens, crianças ser esse referencial. Também comungo com o sofrimento dessas famílias que perderam seus filhos, sem deixar de pensar o que de fato essa triste fatalidade vem nos mostrar.
    Um abraço, um beijo e uma prece
    Glaucia Maria

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  4. Não sei o que dizer, parei meio de paraquedas aqui devido a um link num tpc do Orkut, mas gostei da sua opinião, foi uma reflexão bem além de outras coisas que eu li.

    Resolvi te "feedar", espero que consiga cumprir todos os seus objetivos do ano (um já conseguiu, rs)

    bjs

    http://senna-4ever.com

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