sábado, 16 de abril de 2011

O telefonema da sua vida


*Macro telefone. Foto de Joana Moreira.
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Disseram-me uma vez, há tempos, que há na vida do sujeito um único telefonema capaz de mudar-lhe o destino. Toda uma vida, segura e cheia de si, desmorona em fração de segundos a partir de uma escolha: atender ou não? Tirar do gancho o fone ou permanecer à deriva?
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Ao não atendermos, adiamos o que poderia vir a ser - naufrágo ou salvação, queda ou suporte de vôo - mas adiamos, e pode ser que não se tenha, pelo longo percurso, outra vontade, outro ato, outra prestação de serviço via Teleônica ou Telemar que nos de a possibilidade de mudança. Mudança plena, dessas que nos perseguem em sonhos, sanatórios, delírios, banheiros químicos, inferninhos, castelos - mudança de rota.
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Pode ser que ainda esteja por vir o telefonema da minha vida.
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Houve aquele aos 14, quase 15, quando me disseram nas dependências do Credicard Hall, em São Paulo: "Amanda? Participou do concurso da Atravida Hot, 'meu encontro com o Hanson?' Seu texto foi o selecionado!" Havia uma série de rivais a minha frente, lado, atrás de mim - uma série de outras adolescentes tão maníacas quanto eu que se suicidariam quando soubessem ou adivinhassem que naquele instante, naquele segundo, eu acabara de conquistar pela segunda vez o que toda aquela fila sonâmbula e exausta desejava, mas não teria, nunca talvez.
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Já aos 17, numa sexta-feira que, chovendo ou não, continuaria triste e inóspita - embora chovesse muito, como nos sugere o ritual dos dias fatídicos - estava em casa sozinha, à espera de um sinal de vida, um milagre qualquer, um pedaço de tempo, quando ele vem, mediado por Graham Bell:
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- Alô! Amanda? R* morreu.
- Espera só um minuto - disse a meu primo Mailson, ainda tão criança, isto é, só as crianças sabem dizer a verdade sem rodeios. Desliguei o telefone por muitos anos.
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Apesar desses esboços, tais situações não chegam perto do que suspeito, até o dia de hoje, ter sido o "telefonema da minha vida". Ele me foi dado indiretamente, por tabela, quero dizer, só mais tarde ele me veio de fato, chegando à princípio ao conhecimento de minha mãe. Era 16 de abril de 2002. Tinha 16 anos.Lembro-me que naquela noite, havia sonhado com um magnífico castelo desmoronando, muitas nuvens se formavam a partir disso, inebriando-me o olhar. Acordei e ao virar-me para o outro lado da cama, tive a sensação de me deparar com o cadáver de uma mulher, a meu lado. O grito foi o que se sucedeu, depois o dia de aula e a normalidade.
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Ao chegar em casa, à tarde, não só o almoço me esperava, mas também a notícia de que meu primo-irmão havia sido internado devido a uma crise desconhecida que tivera. Nada disso foi me dito com claridade, apenas...
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- Amanda, Cleiton está doente.
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Como se já soubesse da gravidade da situação - porque há uma quantidade de coisa desconhecida que nos é intimamente conhecida - entendi que o meu dia também chegara. Que enfim alguma coisa me tocara.
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Cleiton se recuperou e teve uma vida normal por ainda mais dois anos. Faleceu em outubro de 2004, aos 16 anos. Esses dois anos foram fundamentais para que estreitássemos os laços que já existiam, para que mudássemos para sempre a vida um do outro. O resto do resto do resto da vida...
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Lembro-me que após a sua recuperação, falamos -nos por telefone. Cleiton me disse, no seu tom debochado e nada inocente: - Pensou que eu ia morrer, né? Eu, sempre áspera, sempre irmã, sempre estúpida e casmurra, fiz-me toda lágrima e chorei compulsivamente.
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Qual o telefonema da sua vida?

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