domingo, 11 de abril de 2010

O GIRASSOL

A Rodolfo Stanciole Lopes
20/04/76 - 11/04/2003
O desencontro
A primeira vez em que o vi eu tinha quatro anos de idade. Lembro-me que foi através de um retrato pendurado à parede daquela casa na roça, casa que eu tanto gostava, por ser cheia de vida e de vozes alegres.
Era uma casa especial, onde as pessoas iam para dançar, para rir, para contar causos, para ouvir a seresta. A minha avó, tão sofrida, há muito não vivia tal espírito de alegria em sua casa; íamos lá, então, minha mãe e eu, quando desejávamos conversar com aquela senhora falante, a qual me nomeara sua futura nora, futura esposa de seu filho mais jovem, que na época devia ter lá os seus...13 anos.
“- Você quer casar com o Rodolfo?” – perguntou-me certa vez, na frente do meu futuro noivo em potencial; apesar da minha tenra idade, eu queria me casar com ele sim, estranhamente, ainda que não entendesse bem por que e nem o porquê das pessoas grandes se casarem.
O menino ria, com seus amigos, e conseguia ser ainda mais lindo quando o fazia. Ele é, sem dúvida, o homem mais belo que já vi até hoje, com meus 24 anos.
Havia dias, na roça, em que me debruçava no parapeito da janela à espera de que ele passasse de moto, à caminho de casa, ou da “rua”, junto de seus irmãos. Uma vez, quando soube que nossa casa da roça, casa de minha avó, seria vendida para meu tio, pirraçosamente sentei em frente à porta que dava para a sala de visitas e chorei, chorei, como menina mimada que ainda sou. O rapaz, bem naquele momento, passa por mim junto de seus irmãos e me cumprimenta.
Afilhado de minha mãe, sobrinho do ex namorado de minha mãe, um primo distante, e sabe-se lá mais o quê, Rodolfo foi o meu primeiro amor. Havia também o Yuji – o japonezinho fofíssimo por quem nutri, simultaneamente, uma amizade colorida ao longo de toda a infância até a pré-adolescência. Digamos que ambos foram os meus primeiros amores, cada um a seu modo e sotaque: Rodolfo era o amor distante; o amor das Minhas Gerais, enquanto Yuji era o meu “amor” paulista e melhor amigo. Em se tratando de cronologia, Rodolfo chegara primeiro.
Ao longo dos anos tivemos pouco contato. Sabia de suas namoradas – sentia ciúmes- de seus planos, de seus irmãos e irmãs – sempre por intermédio de minha mãe, sua madrinha. Um dia, em 2001, estava com o Cleiton em uma lanchonete quando me deparo com Rodolfo, sendo que há anos não nos víamos. Houve uma “intensa” troca de olhares, o que me deixara muito, mas muito feliz, além de trazer à tona uma série de lembranças...boas...do meu “Tombo da Cachoeira”, que nesta época já havia mudado de tom...(mas ainda era especial).
O encontro

No dia 16 de abril de 2002, descubro que meu primo Cleiton estava internado em função de uma doença desconhecida. Neste dia, lembro-me que havia sonhado com um castelo antiqüíssimo que desmoronava diante dos meus olhos; após a queda da antiga construção, surge em minha frente uma mata virgem e o sonho se torna colorido (porque até então ele era preto e branco). Ao acordar, de olhos abertos, viro para um lado e tenho a impressão de ver um cadáver de uma mulher deitada ao meu lado. Grito minha mãe. Penso que este castelo era a minha vida que, a partir daquele dia, desmoronaria a fim de tornar-se nova, como o campo que me foi mostrado. O cadáver, sem dúvida, era eu – que estava prestes a viver a minha primeira morte (primeira de tantas outras...).
Este período da minha vida foi um período muito místico, em que muitas coisas estranhas aconteceram, mas que não entrarei em detalhes aqui. Nunca mais tive uma intuição tão forte e uma sensibilidade tão aguçada como neste período de 2002 a 2004 – e eu precisava daquilo, porque estava distante “deles.”
Pois bem, tudo isso para dizer que em julho daquele ano, ao vir visitar meu primo em Minas, o Cleiton, soube que , coincidentemente, no mesmo dia em que meu primo passara mal, Rodolfo fora diagnosticado com uma doença sangüínea depois identificada como uma leucemia linfóide aguda. 16 de abril de 2002.
Lembro-me que o meu desespero fora tão grande que a partir daquela notícia eu prometi a Deus rezar “um terço” diariamente até que ele fosse curado. E eu rezei, todos os dias, ao longo de oito meses......e acendia velas, e fazia novenas, e acreditava, e esperava.
Oito meses. Em oito meses, com poucos encontros, alguns telefonemas, algumas cartas – e uma ligação estranhíssima, Rodolfo e eu construímos uma amizade muito bonita e simples. Não houve tempo para demais desenvolvimentos e envolvimentos; mas ele soube que eu ainda era apaixonada por ele – embora tenha “me deixado” sem resposta, sendo esta durante muito tempo uma angústia terrível – a não resposta. Depois de morrer, coletando histórias com um dos irmãos e melhor amigo, uma das irmãs e inclusive com a namorada enfermeira que ele foi arranjar no hospital, a Nilda, descobri que, seja lá o que ele sentia por mim....eu agradeço a Deus por ter tido o dom de conhecê-lo, ainda que nos 45 minutos do segundo tempo.
(engraçado como, vejo neste instante, as melhores coisas que já me aconteceram na vida foram assim, de última hora).

Diante de mim não existia o paciente com câncer; o paciente com câncer existia nas minhas pesquisas, nos meus recortes, nas palestras que assisti, nos amigos virtuais que fiz, na vontade de ser médica, no sonho de ser uma “doutora da alegria”, na vontade de me mudar para qualquer hospital do mundo e por ali ficar (eu queria ser freira nesta época, se não nos casássemos...rs...); diante de mim, quando o encontrava, estava o Rodolfo, o homem mais lindo do mundo, com a voz mais saborosa e o riso mais perfeito; aquele com quem eu ficaria se estivéssemos num outro contexto e por quem eu sentia uma “ligação” sem eira nem beira....
Eu tinha 16 anos quando tudo isso aconteceu.
Girassol


Rodolfo faleceu no dia 11 de abril de 2003. Eu estava em São Paulo, não pude me despedir e nem tive a resposta da minha última e derradeira carta de “amor maior”. Não quero descrever aqui tudo o que se passou, mas as coisas ocorreram de modo que mesmo meus pais escondendo de mim o fato dele já estar em estado terminal, minha intuição, sonhos e coincidências foram cruciais para que eu descobrisse sozinha que algo estranho acontecia.
Eu não me despedi dele e isso AINDA dói, sete anos depois.
O meu amor por girassóis vêm desta época, e vejo que o girassol é para mim uma coisa mítica, que me fala de vida. Girassol significa amor eterno, de acordo com uma lenda indígena. Quando soube disto, pouco tempo antes do Rodolfo falecer, associava a imagem do girassol a ele, de alguma forma.
No dia em que faleceu, eu resolvi não ir á escola e fui para a igreja, onde passei a manhã toda rezando....rezando....esperando. Engraçado que neste dia, resolvo comprar uma flor para oferecer á imagem de Nossa Senhora, e é aí que me deparo com um girassol, à venda. É a primeira vez que vejo um girassol numa floricultura, á disposição.
Compro e ao oferecê-lo à “imagem”, lembro-me que disse...”Esse girassol é para o Rodolfo. Ainda que o pior aconteça, queria que ele soubesse que o meu amor por ele é eterno”.
Ok, leitores, eu sei que é brega, que é piegas e tal...mas eu era muito diferente com 16 anos do que sou hoje....(eu era, sem dúvida, melhor do que agora).
E foi isso. Ainda sobre girassol, meu último ex namorado e eu também tínhamos uma história interessante com girassóis....
Dr. Lilica
Sete ano depois, hoje, coincidentemente fui agraciada com um curso de formação para , quem sabe, me tornar uma futura “Dr. Do amor”. Nesta época do Rodolfo, eu busquei incessantemente, mesmo mesmo mesmo, um trabalho voluntario que me vinculasse à realidade hospitalar; mas eu era muito nova, e as coisas eram inacessíveis para mim naquela época.
Atuava na Sociedade São Vicente de Paulo; em Minas, fui voluntaria durante dois anos na Casa Assistencial São Francisco de Assis – mas tudo graças ao acaso; o que de fato queria era trabalhar em um hospital.
Por coincidência, através de contatos que fiz, descobri que o projeto “Drs. Do amor” existe aqui em Viçosa. Não acho que tenha muita vocação para palhaça – acho até que por ser bastante lesada eu consigo ser engraçada espontaneamente, mas “artisticamente” não. De qualquer forma, se eu puder ir a um hospital para conversar com os pacientes que o quiserem...para doar a minha escuta...para mim já será o máximo.
A minha personagem "palhaça" foi batizada hoje por Dr. Lilica....vamos ver o que isso vai dar.
Fazer esse treinamento hoje, exatamente sete anos após a sua morte, é como se me mostrasse, enfim, aquele campo verdinho que me apareceu uma vez.......
Aprendi tanta coisa com tudo isso....conheci tanta gente....Morena.....Wilson......tantos lugares....GRAACC....tantas causas.....que às vezes eu acho que no fundo, a paciente com câncer sou eu, um câncer que vez ou outra me cutuca e que um dia hei de descobrir qual é; Rodolfo foi uma ponte.

Rodolfo...
Rodolfo Stanciole Lopes. 26 anos. Moreno, olhos verdes, cabelo encaracolado, uma pinta perto da boca. Magro; riso fácil, debochado; gostava de andar de moto, de jogar futebol aos domingos no campo do Tombo da Cachoeira (e outros tantos); namorador....; Foi agricultor...homem do campo, que percebia as coisas simples do campo, com o olhar sensível que tinha; simples, mas muito sensível; amava muito a sua família...foi “apaixonado” pela sobrinha, Letícia – de quem tanto gostava e que se parece MUITO com ele...sua família é a extensão de sua personalidade, inclusive seus sobrinhos, com quem hoje tenho mais contato, meninos engraçadíssimos e bons de prosa. Medo da morte? Não sei....ele me falava do seu futuro......queria prestar vestibular.....; tinha um grande amor por seus irmãos, mas acho que sobretudo pelo irmão Zé do Carmo, este que esteve com Rodolfo até os seus últimos momentos......Hoje ele tem um filhinho, chamado Rodolfo também.
Rodolfo não conheceu o mar...(Cleiton também não...). Talvez por isso, mesmo eu não gostando muito de praia, sinto-me feliz ao estar perto de alguém que vê o mar pela primeira vez....não há nada mais lindo no mundo que ver alguém diante do mar pela primeira vez.
Histórias....
Há muitas histórias por aí, como a do Rodolfo e de tantos outros. Querem conhecê-las?
A minha história não termina aqui. Ainda falta um pedaço de sonho para acontecer...até lá....escrever diminui a saudade que sinto de tanta gente...e é por isso que meus textos são longos, entediantes e cheios de saudade crônica.
Quando penso em 2003, me dou conta de quanta coisa boa já me aconteceu desde então, e que de certa forma, as perdas que tive me ajudaram a perceber melhor as coisas boas, a amar mais, ainda que isso às vezes seja sinônimo de sofrer mais, de sentir mais saudade....
Onde quer que você esteja Rodolfo...obrigada. Obrigada por ter sido parte da minha vida; obrigada por ter deixado que eu fosse parte da sua, ainda que aos 45 min. do segundo tempo. Apesar de tudo, sabe, eu ainda acredito que amor não morre, teimosamente falando. Espero te encontrar um dia, mesmo...Assim que chegar doutro lado.....e que assim seja.
Observação
Esse ano, pretendo fazer uma tatuagem de girassol em cima da minha queimadura de moto....é um presente de aniversário que vou me dar...vamos aguardar leitores! Novembro...

4 comentários:

  1. Engracado que a gente comeca a ler seus "textos longos, entediantes e cheios de saudade crônica", e a gente se banha de uma nostalgia tao linda, tao rica (ainda mais quando eh num dia a flor da pele, feito hoje), que o texto acaba e a gente nem sente... melhor: o texto acaba, e a gente so sente...

    sente a intensidade e a verdade que ha nesses sentimentos todos tao bons de se viver no conjunto da historia...

    belo texto, Amanda...
    beijo

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  2. Obrigada Murilo....
    Hoje foi um dia a flor da pele; e acho que esse negócio de vida tem a ver com pele mesmo: viver a flor da pele, diariamente...porque antes que a gente se dê conta, as coisas evaporam e só restam as lembranças...a saudade....
    É preciso viver plenamente; e viver bem....
    Acho que vc sabe fazer isso, né? é um menino cheio de vida..hehe....assim como seus textos....e que o seja, sempre!
    Obrigada pelo comentário...besos...

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  3. "...ainda acredito que amor não morre, teimosamente falando."
    Essa história eu ainda não conhecia...
    Obrigada pela partilha!!!!
    Saudades crônicas...

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  4. Que coisa mais linda *-*
    Nem pisquei quando estava lendo :O hehe.
    Lindo o que vc escreveu, Amanda.
    Quanto ao trabalho de "Clown" no hospital, vai fundo! Eu faço sempre que chamam ^^ É emocionante, gratificantem apaixonante...
    Beeijos ;*

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