terça-feira, 9 de novembro de 2010

Tenho vinte e cinco anos...(10-11 / Texto completo)

"- Tenho vinte e cinco anos de sonho e
De Sangue e de América do Sul
Por força desse destino,
Um tango argentino me vai bem melhor que um blues"
(À palo seco - Belchior)
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Nasci num domingo de muita chuva. Não sei se cheguei atrasada a esse mundo, mas não me espantaria se houvesse sido assim, atrasada e distraída, talvez abobada com o novo que se revelava diante dos meus sentidos: deslumbrada.
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Fui concebida no carnaval de 85. Independente da escola de samba, rainha da bateria, circuito Rio-São Paulo -Minas Gerais, gosto muito é de chorinho, o que diz muito sobre mim. Quando criança, lembro-me de ter assistido áquela novela "Éramos Seis" cuja trilha sonora era composta por múscias e marchinhas que retratavam o Brasil de 30: muito chorinho, modinhas tristes e sambinhas. Havia uma canção cuja letra era "Tem pena morena, ouve o meu lamento..." - uma obra prima para o meu mundo. Eu tinha seis anos. Tempos depois, já com 20, um antigo ficante e atual amigo, rapaz boníssimo, ouviu-me cantarolar a melodia da minha infância..."Lamentos! É Lamentos" - disse o rapaz quem me ensinou muito sobre Pixinguinha.
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Gosto de fazer aniversário. É impossível que as pessoas muito próximas esqueçam a data, já que eu mesma faço questão de lembrá-las com vinte dias de antecedência - tudo isso porque acho essa coisa de nascer um barato! Se eu pudesse nascer de novo, o faria nas mesmas circunstâncias apenas para ter o gosto de sentir o medo da novidade, o medo da perda, o medo do encontro. É possível que nesses vinte e cinco anos muitas das minhas perdas tenham sido fruto de tentativas frustradas em nascer novamente; é possível que nesses vinte e cinco anos muito do que ganhei tenha sido fruto das vezes em que morri bem.
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Porque para nascer bem, é preciso morrer bem. E para ganhar bem, é preciso perder bem.
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Eu já morri muitas e dolorosas vezes. Morri quando vi partir àqueles a quem amava, não por opção, mas por desencontro. Jovens como eu, cheios de vida; amigas, ex amor, primo-irmão-alma; depois deles, quase que me vou, de tanta vontade de inexistir - porque o que é bom também cansa quando não se tem alma e vontade.
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Morri também com aqueles que partiram por opção. A cada morte, uma dor; a cada dor, um riso que se escondia para fazer valer tempos depois - decidi só morrer por quem me vale a pena.
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Todos valem a pena, e é por isso que gosto tanto dessa experiência de existir. Se não fosse aquele fora, naquele dia, naquele banco de praça, seria uma pessoa a menos para se encontrar naquele corredor estreito, meses depois; se não fosse aquela conversa de buteco, seria um poema a menos.
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A vida é feita de poesia, mas eu gosto mais de prosa: Saramago, Clarice, Lobato, Padre Antônio Vieira, Borges, palavras...É claro que o importante é aquilo que é sentido com força, é aquilo que a voz tenta dizer e não consegue; mas, acho a palavra escrita um verdadeiro milagre.
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A palavra escrita é tudo o que mais amo, e não é à toa eu sempre utilizá-la para os momentos em que os outros textos não acontecem. Porque às vezes não rola....não acontece. É quando eu esqueço o tempo, volto à condição de deslumbramento infantil - louvando o caos - e escrevo...um email, um bilhete, uma carta de amor, um nome combinado que será perdido com o tempo. Deus era o verbo que se fez carne, mas ainda carne, foi sempre verbo, foi sempre palavra. Enquanto eu viver, quero que todos tenham acesso à palavra escrita, que tenham a possibilidade de existir no sempre, também pelo silêncio coesivo dos textos.
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Não há nada mais lindo que uma criança aprendendo a ler e escrever.
(Há sim! um adulto aprendendo a ler e escrever!)
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Meu nome significa "a que será amada", em Latim; trata-se apenas da flexão do verbo no futuro. Em Tupi, chuva. Gosto muito de chover, e se pudesse nascer de novo, escolheria novembro ou outro mês em que chove excessivamente.
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Quero ser mãe, mas não quero dar aula para crianças; gosto apenas de estragá-las com meu excesso de infânicia sempre viva. Quero dar aula para adolescentes e jovens; se possível, aulas de literatura, leitura e produção de texto.
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Quero fazer mestrado, mas ultimamente nem sei mais...nem sei mais o que é preciso para chegar lá, tudo é tão incerto. Mas vou.
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Valorizo a amizade acima de tudo. Não há vontade quando não há amizade; e amizade tem que acontecer, sem mais....é o segundo milagre da vida. Não há amizade em todos os espaços e tempos, e a graça está no equívoco e esforço.
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Gosto de dançar. A dança é uma forma de oração e eu creio em Deus. Creio no Deus que é liberdade e que também é erro, porque o amor também erra na esperança de acertar. Como um passo de dança.
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Meus pais. Devo a eles o meu ser e estar; na verdade, mais ser do que estar, o que me faz amá-los ainda mais. Há brigas e chistes diários, descompassos: porque amor que não se revela nos erros e na discórdia, não passa de texto sem contexto. Amor é descopasso, porque o coração alheio bate em frequencias distintas.
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Mas é acolhida como pedra angular.
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Odeio sentir fome, odeio insônia, odeio quem não responde email, odeio saudade.
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Tenho uma capacidade lúcida de saudade que me faz mal. Quase um vômito. Ausência. Não há sentimento pior que a saudade; e é por isso que prefiro a esperança do encontro, do email, à saudade fantástica, romântica, mítica. Eu prefiro o encontro à saudade do que poderia ter sido. É por isso que eu amo para não morrer.
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Gente. Gosto tanto de gente, que poderia ser mais vinte cinco Amandas numa mesma casa. Gosto de vozes, sotaques, diferenças, cores. É ridículo pensar que somos todos iguais, sendo que somos tão diferentes.
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Sonhos: ser mãe e construir uma família. Objetivos: passar num mestrado, viajar, trabalhar como voluntária naquilo que me faz estar próxima de quem não sou, mas poderia ter sido.
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Cinema. Gosto de "O Poderoso Chefão II".
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Deus...muitas faces: Deus caridade, da SSVP; Deus libertação, da PJ; Deus cruel, Saramaguiando...Deus humano, Deus divino, Deus.
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A casa da minha avó é a lembrança que mais gosto.
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Medo....Tenho medo de barata, medo do cachorro que mora na minha rua, medo de morrer sem despedidas.
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Gosto de Freud e de Francisco de Assis...e acho que combino com a letra F, não sei porquê.
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Um quarto de século; se eu pudesse, nasceria novamente apenas pelo assombro; ultimamente, tenho andado tão apática que um pouco de assombro não me faria mal.
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Há algumas coisas que eu mudaria no meu passado, mas a cada uma que eu mudasse, seria um poema a menos.
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Nasci!
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Amanda Lopes de Freitas.

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