domingo, 27 de janeiro de 2013

DEADLINE

*Gota saltitante. Pedro Casquilho.
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O céu bordado d'estrelas....
(Casimiro de Abreu - As Primaveras)
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Abri os olhos quando a primeira notícia do dia me foi a morte de 275 humanos em uma casa noturna. Antes do primo "Bom dia", dei início ao processo de absorção da morte, sempre ao redor como parte "íngreme" e condicionante do estar vivo, ser vivo. A experiência da morte me atrai; exceto pela dor. Às vezes me toca o momento do inexistir, como seria o último suspiro, altíssimo suspiro, ponto final desta longa novela de cavalaria que é a vida; gota inaudível mas de estrago maior. Toda perda é um estrago maior, independente do quilate.
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Nesta semana acompanhei a luta pela vida, igualmente atraente: meu namorado, após séries de estudos sacrificiais, passou em concurso para professor efetivo da instituição na qual sou mestranda. Orgulha-me tamanha dedicação, foco e gosto pelo que se faz. Orgulha-me profundamente vê-lo conquistar a estabilidade desejada, o ponto de equilíbrio para outros voos. Acho bonita a luta pela vida e por vezes sinto que me falta esta gota de "caráter" (como dizem os espanhóis, com suas vozes melódicas...). Minha luta é pequena e modesta. Consiste no acordar e adornar do corpo com filtro solar FPS 35. Ler uma série de textos cuja finalidade ambígua me atormenta (alguns incompreensíveis). Apacientar-me. Esperar o toque do celular, três vezes ao dia. Amar o amor incondicional (às vezes ouvir a chuva caindo). Fingir que busco trabalho. Engolir um sapo aqui, outro acolá. Seguir um pouco: dormir, acordar, passar o filtro (também os não-solares).
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Madame Bovary c'est moi?
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Conversava com Dr. Caramujo esses dias quem me falava sobre minhas estranhezas e também as universais. Confessei-lhe que sou uma pessoa infeliz, porém extremamente alegre - a alegria é o que me salva. "Infeliz" porque não há possibilidade para outra coisa que não isso. É insuportável a dor da perda, da ausência, da não compensação, do destino que se abstém. Há alguns anos já me assumi como tal e garanto não ser fetiche literário, senão o que sou por dentro. É impossível não se encher de tristeza com uma notícia dessas (a dos 245 humanos.....); pode-se beber uma cachaça no almoço e fotografar um beija-flor, mas, cedo ou tarde, o peso da incerteza nos vem arrasador como ressaca. Às vezes quero não ser eu, mas penso que por fim pouca gente sabe o que se é. Pergunto-me, então, se no momento derradeiro haveria a epifânica revelação da nossa identidade ou simplesmente sono. Espero que haja um grande concerto para nós todos, ruidoso concerto com fogos de artifício e prazeres divinais. Isto me consola?
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Não.
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Sou uma romântica-besta-de-humor-infantilizado. Quero casar de branco (apenas no civil), rio de pessoas que tropeçam e de cacofonias estúpidas; acredito na integridade de Sílvio Santos e presto reverência a cachorros de rua - as melhores gentes que conheço.
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(porque toda perda é um estrago maior, independente do quilate).
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Aproveitemos, então, os prazeres carnais - a única porta para a salvação. O desconhecido será sempre lúgubre; deixemos-no para a imaginação, noites sonâmbulas, textos alquímicos e filas de rezadeiras. Se não há respostas que nos confortem, mudemos as perguntas. 
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Para insistentes e infelizes, resta-nos o adivinhar deste céu covarde e saturado.

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