quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Haste fina

*O teu soriso e as cores do arco-íris. Foto de Isabel Madureira.
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"Sou como a haste fina que qualquer brisa verga
Mas, nenhuma espada corta".

(Carta de Amor - Maria Bethânia)

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Dedicado a Tio Dário Bijos de Freitas,  artesão de piadas  e  viagens intempestivas. 


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Impressiona-me a beleza das pessoas. Encanta-me a gente e vossas cores, do acinzentado amargo à aquarela da criança em seu todo. Criança é colorida e por vezes não o sabe; a graça é o não saber. Quando crescemos, esquecemo-nos deste grande mistério que é o arco-íris individual. 
Por sorte, em momentos dionisíacos e de desatino completo, resplandece a chama da infância. Não tive irmãos, mas tenho muitos primos, cada um a seu modo e alteridade. Aprendi recentemente a ser mãe de uma menininha de nove anos; a ser a "madrinha mais amada" de um pequeno de sete; por fim, a amiga de uma futura brilhante mulher (ainda aos onze...e de uma sabedoria invejável). Falta-me a mais velha, a que chegará por esses dias e anseio por descobrir o que ela se tornou. Estes meninos são o meu consolo nestes tempos difíceis, no qual a morte se pauta em vida cotidiana,  infortúnios e desconsolo. A morte me desconsola porque, no fundo, toda miséria humana é vontade de viver. A felicidade vem do berço, porém, ao crescermos, ceifamo-nos possibilidades.  Nós adultos pouco sabemos sobre nós mesmos, daí todas as filosóficas máximas dispensáveis neste momento.

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Em 2012, fiz a viagem dos sonhos, primeira de tantas e dei-me conta de que me sinto feliz sozinha, viajando por terras longínquas ou mesmo vizinhas. A solidão é um dom. Também a música e as letras do alfabeto, em todas as variantes e línguas. Buenos Aires é o meu coração, mas o Brasil é o meu corpo, sólido e quente. A Bahia foi suspiro rápido de felicidade, onde as pessoas mais lindas estão. Gostaria de ir a Coimbra e Espanha; mas também à roça de minha falecida avó, onde provavelmente semearei [minha] poeira vermelha, quando for o tempo.
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Meu tio faleceu; Meu pai fez-se todo lágrima e sofreguidão engasgados (engana-se, o pobre, não aprendeu - quando criança - a fazer pirraça diante do fim). Eu me deslumbro e sofro, sem dever nada a ninguém. Quando soube do meu tio, não houve lágrima, quiçá curiosidade - a de saber como é o desfecho humano. Ainda assim, à meia noite, enchi-me de vinho e cigarros e fotografias antigas. Ninguém é obrigado a ser forte; somos fracos "o buraco é fundo, acabou-se o mundo" - aprendi quando criança.
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Mas a vida está. Em 2012, apaixonei-me ainda mais pela vida e suas surpresas: o namorado mais encantador do mundo (mote de poesia e, por vezes, ciúme doentio). Aprendi a trabalhar e o valor do dinheiro; frustrei-me em minha profissão; mas fiz amigos, lancei olhares e hoje me sinto contente por estar aqui - tão ou mais humana do que antes. 
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Falta-me dinheiro e sobra-me saúde, a que gostaria de doá-la se pudesse. Nasci tão saudável que, certa vez quando perdi metade de minha sanidade, sofri por não tê-la perdido por completo. Neste universo de Dom Quixotes, Mentecaptos e Bentos Santiagos, só a loucura nos salva.
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Foi um ano bom, porém árduo e amargo como rapadura (que importa ser doce, é tão dura por dentro como cacto seco). Cresci um pouquinho, mas ainda me falta a segurança de ser mulher.  Sou uma adolescente. Este ano é a grande metamorfose, posso sentir, não por vontade, mas obrigação. Chega um tempo em que as obrigações - e também o amor - intima-nos ao despertar. Viçosa é a Terra do Nunca, utópica. São Paulo, miragem; Buenos Aires, sonho. E a Bahia é o estado brasileiro no qual as pessoas são mais felizes, contudo minha felicidade depende da chuva (sou muito ligada à chuva e não sei por que, será o nome? Amanda em Tupi é chuva). Nasci num dia de chuva. Sinto mais felicidade assim, em dias chuvosos. Há coisas que dispensam poesia.
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A vida do meu pai é a minha felicidade. Como toda filha, a mãe é sempre um desafio, ainda que mais leve a cada ano que passa (compreendo sua angústia). Mas este texto era sinal de distância e não subjetividade; porém não consigo dizer o que não sou, ainda que eu-mimésis e poiseis . Porque como disse acima, a vida alheia me dá gosto, as cores de cada  fígado animal (o órgão humano mais lindo que já presenciei).
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A voz do meu tio era linda. Sinto-me atraída por vozes masculinas; pouco importam as demais condições. Um homem, que seja meu, há de ter voz. Se escreve, ainda melhor. Mas voz é imprescindível ...(como a beleza feminina, referida por Vinícius, que está além da estética). Conheço um senhor cuja voz é um sonho. De qualquer forma, a voz do meu namorado é a mais bela de todas, porque além do tom, além do sotaque, tem algo de docilidade que nunca encontrei por aí. Pena que não correspondo à altura; discirno que minha voz seja meio grave, "sulista" (embora seja paulistana e viva há oito anos em Minas Gerais). Voz de gente apressada, sem doçura; chata. Não sei bem de onde surgiu este fetiche: o da voz. Quando criança, minha mãe lia contos pra mim e meu pai me cantava "boi da cara preta". Freud poderia nos explicar, caso estivesse entre nós; como não está, apelamos para o inconsciente inventado.  Clarice Lispector tinha uma voz horrível, mas a sublimação do trauma na escrita já compensava (....e como compensava). Acho que Lorca e Lopez de Vega também tinham vozes extremamente sedutoras, como a deste senhor citado logo acima. Também uma professora (a que não ouso citar o nome), cuja voz é tão melódica e nordestina que me faz invejar baianos com seus sotaques belíssimos. Disseram-me, quando cresci, que tenho raízes baianas. Mas ainda acho que raiz não é sangue, e sendo assim, minha voz é hibrida e prostituída ( a cada pedaço de tempo num  lugar, ou diante de um estrangeiro, é inevitável não mudar de tom; pelo menos, tenho acolhida, porque me impressiona a beleza alheia).
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Este post é sobre a beleza. 
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Tento me recordar o momento mais belo deste 2012 e creio que tenham sido quatro; uma tarde só, em um café porteño; um "eu te amo" espontâneo de meu primo-afilhado há poucos dias; a ressurreição de meu pai e todos os dias em que percebo - à distância - que sou amada     por aquele homem chato, o que não gosta de ser citado por aqui e portanto nunca o será. Hoje à noite, assistimos ao filme "De penas pro ar": eu - a prima brilhante de onze anos e minha mãe. Meu pai saiu da sala quando se deu conta da temática sexual (tratada com muita leveza). Nós mulheres temos certa empatia pelo tema, não importando a idade. Sexo é bom e devia ser menos escandalizado. Se nossas crianças houvessem bons professores neste quesito, seríamos mais livres e coloridos. Sexo é [também] transcendental. Enfim, me foi uma alegria profunda ver nossas três gerações (femininas)  reunidas ali, gargalhando sobre o fato de que "vibradores" e artefatos de prazer ainda são tabus. Porém, esta felicidade - tão clandestina - já é pauta para 2013. Não cabe aqui.
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Sobre 2013, muitas expectativas. A lista de desejos, sempre pontual, já está anotada num caderno qualquer. Já a de promessas não; prometi-prometer-promessa alguma, o que me virá é lucro. Adianto, porém, as obviedades de nós todos: estudar mais, habilitar-me como motorista, crescer e amar. Perdoar. Ser menos "mão de vaca" (desde que encontre um trabalho que me o permita, estou novamente desempregada, sustentando-me, a partir de janeiro somente com a bolsa de mestrado). Viajar se possível.
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Talvez outra tatuagem para recobrir minha última queimadura. Eis que chegou o entregador de compras e , embora não fossem minhas, quis ajudá-lo de "empanada" que sou. Queimei novamente a perna no escapamento da moto, coisa de milésimo segundo. Penso numa frase em guarani-kaiowá... a fim de me engajar à causa indígena (mudar o sobrenome no facebook não tem salvado muitos índios, estupidamente).
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Há coisas na vida que não se apagam; mentirinhas bem contadas servem para esses momentos, e uma tatuagem é uma mentira bem inventada. Meu girassol nas costas é tão eu que sinto ter nascido com ele. Porém não: foi preciso muito caminho até descobrir que esta é, e sempre será, a minha marca neste mundo. 
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(Crianças: não mintam! Apenas "representem" a verdade. Até os serafins falavam em línguas incompreensíveis, a fim de evitar a ambiguidade.)
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O que não se entende, inventa-se: Aqueles que como eu, infortunados pela miopia e astigmatismo, têm a obrigação do inventar. Vejo uma pessoa na rua, não a reconheço de longe: invento que sim, cumprimento-a e finjo lembrar o seu nome. 
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Nome é coisa importante, e a este 2013 nomearei como o ano da "estrela": haste fina que não se corta.
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Feliz 2013 a todos os míopes e astígmatas que conheço. E também aqueles que, na falta de colorido,  "daltonizam-se" por falta de garantias (nem sempre há paixão ou esperança, é preciso também inventá-las em certos momentos).
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A vida é intempestiva. Como a vontade. Como o sexo. Como a doçura. Como a morte.
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2013: VEM!


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