terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Competição de egos pluviosos

*Passos na Chuva. Foto de Maria Helena Santos.
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Querido Leitor,
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Há três coisas no universo as quais não acredito. Sendo você inteligente, não tente me provar o contrário, porque meus argumentos são ilógicos, como os do coelho da pequena Alice. Bem, eis minhas principais descrenças vitais: homens, relógios e guarda-chuvas.
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Não preciso dizer o quanto homens e relógios têm em comum: como saber até que ponto ambos são sinceros com você? ou, ainda, não deixarão você na mão, quando mais precisamos de fidelidade e exatidão?
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Já me habituei a certa falsidade masculina; mas, relógios? normalmente, não me compram. Seja um Omega ou um de R$1,99 - afirmo com veemência que nunca verão em meu pulso, qualquer um de tais exemplares!
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E por que? Porque o tempo é um mistério sagrado e incompleto em si mesmo.

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Quanto à guarda-chuvas (com ou sem crase?), como confiar num objeto sempre passível de esquecimento?
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Eu não gostaria, como mulher, de ser esquecida por aquele que caminha a meu lado; na primeira oportunidade, vingaria-me com uma pontiaguda perfuração no olho esquerdo...(como aconteceu a uma tia). Faço o mesmo com meus contemporâneos guarda-chuvas, esquecendo-os nas casas de amigos, escadarias de igrejas, banheiros públicos e salas de estar. Quase sempre me corto com suas pontinhas sobrepostas - porque meus guarda-chuvas são velhos e ranzinzas como eu.
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É pos essa razão que só confio naquilo que é, naturalmente, completo em si mesmo, como a chuva e o vento.
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Enquanto a maioria das pessoas se esconde debaixo das árvores ou dos prédios da avenida, tenho o costume de caminhar com a chuva, ao lado dela, Rainha de si, chuvisco véu morno ou garoa invisível; mas sempre fiel - como numa competição de egos pluviosos:
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- Quem chove mais, queridinha? eu ou você?
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Minha competição pluviosa não me deixa escolha: sempre perco, todas elas, porque me apaixono facilmente, cegando-me.
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Mas há quem diga que nasci para chover; num domingo cinza e poluído de São Paulo, onde habita meu coração, entre árvores quase mortas, doces crianças pedintes e a garoa...a minha garoa sem cor e sem véu.

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