sábado, 22 de janeiro de 2011

O Homem da vida de alguém

*O menino e o cravo. Foto de Marcos Santos.
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Sentamos na escadaria principal. Acendi um cigarro. Fazia muito calor lá dentro e já estávamos cansados daquela espera infinda: 799 pessoas por vir.
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Sou uma arroz-cerimônia de primeira: gosto de casamentos, grandes festas, colações de grau, bailes e derivados. Vou a todos quando posso, quando sou convidada. Exceto em ocasiões muito específicas, amedrontadoras e "especiais" - mas não era o caso.
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Sei que não estou na minha fase "eu" mais sedutora,confesso! Não estou tão bonita, ando cheia de preocupações e sintomazinhos que me desagradam, que só passarão com tempo, espera e tratamento. Somatizo minhas dores. Todas. Mas enfim, não estou, contudo, de se jogar fora....
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Não sou um esteriótipo de linda ou gostosa mulher brasileira , não! - mas, ainda tenho lá meus encantos.

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Olhei para A* com o melhor sorriso que tinha a lhe oferecer - sorriso que muito tem me irritado, o qual também já teve dias melhores. A* o retribui, olhando-me discretamente com um esboço expressivo. Formandos depois, enquanto meus amigos conversavam, o cigarro chegava ao fim, e estávamos lá pelo número 56, A* me oferece um sorriso tímido e lindo.
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Então, dou o primeiro passo:
- Jóia?

- Jóia....
- Qual o seu nome?
- A*.
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Muito tempo depois, talvez já no 109° formando, eis que A ressurge "do nada" arriscando uma acertiva:
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-Meus tios formam hoje, mas eu não aguento mais essa espera.
- Ah eu também não! Odeio esperas! Chato né??
- Pois é...mas depois, vou pra casa do meu primo jogar video game!!
- Ah é? Mas nao vai a nenhum coquetel? Deve rolar uns salgadinhos depois...
- Não sei! - deu A* de ombro, o primeiro homem sincero que conheci.
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Engatamos uma conversa desenfreada e saborosa. A* gostaria de ser, no futuro, um astronauta renomado, mas tem certa dificuldade para memorizações em geral que o desencoraja; menos para flauta doce, a que toca por obrigação, mas memoriza as notas e melodias por prazer.
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- Você será um astronauta brilhante! Basta querer! - disse, com entusiasmo.
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Levam A* para o outro lado. Minutos depois, meia hora talvez, A* corre para perto de mim, aproximando-se cada vez mais, contando-me sua nova descoberta internética: um rato gigante e roxo que sofrera mutações após ter tido contato com lixo tóxico.
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A* descrevia com gosto aquele rato sobrenatural: enorme como uma capivara e roxo, muito roxo, como meu vestido de hoje. A* desejava ardentemente que tal rato já estivesse morto, porque lhe contaram, certa vez, que um senhor de idade - também internauta googleliano - sofreu um infarto fulminante ao ver a ratasana no tal site, o que levou o cara do domínio a retirar a monstruosidade de lá, após ser processado.
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- Ah! você acha??? Esse rato deve ter se reproduzido sete vezes mais rápido que os ratos comuns! Hoje, já deve ter descendentes de todas as tonalidades do roxo, do claro ao escuro, e infinitamente maiores! Mas não tenho medo de ratos; sofro pelas baratinhas - disse a A*, esbanjando meu charme natural.
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Passamos a falar de baratas, formigas, como se matar formigas, e por fim, ratos mutantes novamente.
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A* é simpático, branquinho como açúcar e tem olhos verdes. Gosta de conversar, tem um papo muito bom e saberia ganhar uma garota não de primeira, mas de terceira - porque esses sim são os amores que ficam.
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Levaram-no mais uma vez de mim, assutados com nossa interação. Quem? seus pais.
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A* tem 9 anos. Há um labirinto de 16 primaveras nos separando por todo o sempre.
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Ele será um brilhante astronauta.
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Também será o homem da vida de alguém: provavelmente, o de alguma mulher não tão bonita, não tão simpática, mas que passaria horas a fio conversando sobre ratos e estrelas ao lado de alguém especial.
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Vou ao baile de roxo, em homenagem a um quase homem da minha vida, se não fosse essa tão grande assincronia temporal.
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A* retornaria minhas ligações de hoje, se não fosse um menino.

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