terça-feira, 25 de maio de 2010

JABUTICAVIDA.


[...] Mas agora quero lhes dizer uma coisa: a jabuticaba é fruta de se comer, mesmo que não se tenha dentes.

Meio com medo, as aves pegaram com o bico as jabuticabas. E com o mesmo bico estalaram essas frutinhas. O barulho era assim: plique-ti, plique-ti, plique-ti.

Acharam a jabuticaba uma maravilha. Embora tivesse no fundo um azedozinho. Como você sabe, a jabuticaba tem um caroço que é doce e depois de chupado um pouco azedo.

[...]

Mas acontece uma coisa: as aves ficaram com o caroço das jabuticabas na boca e não sabiam o que fazer.

Perguntaram então a Odisséia e Ouvídio:

- Devemos engolir ou não engolir o caroço?

Ouvídio e Odisséia ficaram bobos:

Não sabiam o que responder. Pensaram em pedir ajuda a Oxalá, mas acharam que já tinham pedido muito e que tinham que se arranjar sozinhos.
(LISPECTOR, CLARICE. Quase de verdade].


Querido leitor,

Às vezes não nos damos conta de que os melhores dias das nossas vidas podem ser simplesmente como pequenas jabuticabas: simples, doce-azedas, efêmeras, mas muito saborosas.

Acabei de chegar da minha primeira aula em campo do meu estágio supervisionado de Língua Portuguesa. A sensação que trago comigo é tão boa, tão feliz, que não só me ajuda a olhar com mais doçura para outras “áreas” da minha vida, mas também me faz constuir algumas certezas:

- Eu quero mesmo e preciso ser professora;
- Os adolescentes continuam engraçados e esquisitos, como os da minha época;
- As pessoas, no fundo, deixam que o azedo de suas escolhas se sobreponha ao doce que de fato sentem, apenas por terem noção de que a vida não passa de uma jabuticabeira....

Cheguei tímida, acompanhada pela professora substituta Salete. Pessoa muito interessante: meiga, criativa, terna – deve ser uma boa mãe e uma boa vizinha para se ter como amiga. Lá chegando, surpreendi-me ao descobrir que a atividade do dia era nada mais que um exercício sobre o gênero entrevista: entrevista com a estagiária Camila....(que na verdade é Amanda, leitores: mas Salete insiste em me chamar de Camila...certamente ela conheceu e odiou alguma Camila que muito lhe fez mal, quando ambas tinham apenas 12 anos....).

Sim caros leitores: eu fui entrevistada pelos alunos do meu estágio.

As perguntas foram: Qual o meu nome; Em qual universidade estudo; Qual a duração do meu curso; Como vejo a escola atualmente; Se eu pretendo exercer o magistério; e, por fim, como profissional das Letras, em qual outra área, além do magistério, gostaria de atuar.
Quando me foi perguntado o meu nome, um menino do tipo engraçadinho...(desses que a gente finge que detesta, mas na verdade amamos), ironizou:

- Como você é burra!!!!! Ela acabou de falar que se chama Amanda, e você ainda pergunta o nome dela!! Hahaha....

Acontece, leitor, que a professora Salete havia transcrito a proposta de entrevista numa folha, pedindo aos alunos que lessem as perguntas para mim.
A pobre menina não era burra; apenas fez o que lhe foi pedido.....

A verdade é que tão pouco a professora Salete e o menino engraçadinho são pessoas “burras”:
Mal sabem eles que a pergunta mais difícil de se responder, na minha opinião, é a de como me chamo.

- Qual o meu nome?

Amanda. Mas não é apenas Amanda...é Amanda Lopes de Freitas. Amanda que vem do latim “a que será amada”e do Tupi “chuva”; Lopes e Freitas que vêm de algum lugar distante, onde Portugueses,Índios, Negros e Espanhóis foram misturados num caldeirão histórico. Há que se lembrar da preposição "de": o meu Amanda Lopes pertence a um Freitas, que os registra e completa sintaticamente. Sem contar os apelidos, carinhosos ou não, ao longo da vida: Corujinha, Nega-preta da mamãe, Vaca-véia, Gorda-baleia-saco-de-areia, Chicote, Hanson, Capitu, Ximboquinha, Amandão, Irmã, Irmãzinha, Amandex, Ô Capeta, Moreninha, Mandinha, Meu bem, Meu pote de ouro, Minha lactobacila, Minha Capivara, Minha namorada-monstro, Dona Amanda, chata, chatinha, Bruxa do 71, Frida Kahlo, Serena, Amandinha...Camila.

Ou seja: nunca saberei o meu verdadeiro nome.
Sei que meu ante-nome era Carolina, mas meus pais mudaram de idéia antes do meu registro...o que é uma pena, visto que Carolina se reduziria, com o tempo, a Carol. Talvez assim, pode ser que eu soubesse hoje quem eu sou com mais clareza.

Por fim, o foco foi invertido: pedi à professora que me deixasse entrevistar os meninos.
Fiz perguntas gerais, sobre televisão, música, cinema, escola...até vida amorosa...(sim leitores: eu não me contenho!! Saí do meu primeiro dia de estágio já aconselhando às meninas de 12 anos a prestarem mais atenção nos meninos feios que ficarão bonitos; e , explicando aos meninos de 12 anos que quando estes fizerem 24, sentir-se-ão extremamente atraído pelas meninas a quem hoje chamam de “mutantes”...(na minha época, gorda-baleia-saco-de- areia....).

Algumas respostas foram óbvias, porque a vida é meio óbvia leitor....

A: - Se pudesse fazer uma pergunta a L, uma só, qual seria?
Menina com inicial B: - Perguntaria se ela gosta e quer ficar com o menino R.....
Viés psicanalítico: B gosta de R, mas banca a melhor amiga de ambos porque sabe que, no fundo, R finge que detesta a menina L,mas na verdade é louco para ficar com ela, sem que B saiba.

A: - Qual a sua música preferida?
Menino tímido: - Não sei.....
(meia hora depois)
Menino tímido - Não tenho não fessora.
Viés psicanalítico: Certamente o menino tem uma música preferida; mas não sendo funk, nem hip hop, ficou com vergonha de contar aos amigos......

A – Qual o dia mais feliz da sua vida, até hoje?
Menino atencioso: - Quando fui à praia.
Viés psicanalítico: Quando ele foi à praia.

Estou num momento muito feliz da minha vida, transitando por todas as áreas do lecionar: Jovens universitários, jovens que hão de ingressar na universidade; crianças; um adolescente super sensível, e, agora, outros 18 pré-adolescentes hiper sensíveis. Sem contar a minha pesquisa, ainda vagarosa, mas que já tem me ajudado a construir um olhar de pesquisadora também em outras disciplinas e demais acontecimentos da vida pessoal.
O Orkut não me faz mais falta....quase.

Estou feliz, leitor.
Sei que há outras coisas para se resolver, outros azedinhos que virão...mas o doce, ainda que efêmero, faz a gente não se contentar com uma jabuticaba só, buscando outras jabuticabas, outros pés, outros pomares....e por aí vai.

Quanto ao caroço, leitor capcioso....
Confesso que pergunto todos os dias a Oxalá o que devo fazer com ele...engolir ou não engolir?
A única coisa que Oxalá me diz é:
- Nega-preta-do-Pai: você vai ter que se arranjar sozinha....

Um comentário:

  1. que bom ler este texto, senti tanto amor nas suas palavras, fico feliz com vc.
    beijo

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