quinta-feira, 13 de maio de 2010

Monólogo sobre um Cão Deus.

Eu sei que é preciso, apesar do cansaço que me dá caminhar só.

Ao longo da avenida, as luzes se mesclavam com a escuridão das ruas tristes, apáticas e marginais. Ruas cujo nome nunca hei de lembrar, porque ainda não tive o prazer de desconhecê-las profundamente. A única luz concreta, aquela que foi capaz de me segurar pela mão, foi, ironicamente, a sombra de um cão que procurava comida no lixo: cão simpático, destes que olham para você com certa curiosidade, como se dissesse em segredo:

- Ei moça...o caminho é esse! Eu também tenho um pedaço de Deus em mim, e mesmo assim tenho fome.
- Eu tenho fome, às vezes.
Lembrei-me de você.
Caminhei mais rápido, até o momento que passei a esquecer.
Foi quando me deparei com qualquer coisa sem sentido.
Caminhei esperando encontrar um pequeno milagre de bolso, mas havia fechado tantas portas, que me conformei com o encontro com o Cão Deus. O milagre estava lá, mas eu não vi, porque não uso óculos enquanto caminho.

É preciso que eu pare de fumar, urgentemente.
Pode ser necessário, para tal, que eu seja internada numa destas clinicas de desintoxicação. Mas antes disso, é preciso que eu aprenda a fumar, a tragar, a consumir, a viciar-me; só assim serei capaz de deixar o vício do cigarro, gradativamente.

É preciso que eu aprenda que o meu café não tem mais açúcar.
Inúmeras serão as vezes em que, esquecendo-me, levarei um copo amargo de café até a boca, tendo a deliciosa sensação de ter descido ao inferno. Pode ser que eu me acostume com o amargo; mas na saudade do doce, mais cedo ou mais tarde, aprenderei aonde me foi guardado o adoçante.

É preciso que eu acredite que perdi a chave de casa, assim, ritualisticamente falando.
Até o momento em que eu me dê conta de que ela está no fundo da minha bolsa, para o resto dos meus dias, felizes ou não.
Encontrá-la-ei, hoje ou daqui a meia hora, como os sapatos de Dorothy que nunca a deixaram só, apesar da ausência.

Sinto fome de ausência, mas insisto em me procurar.
Erro?
É uma fome sem começo ou metade, duvidosa e cotidiana, dessas que se solucionam com uma pizza de mussarela, sendo uma parte de calabresa. Meus caminhos são tão familiares, que já não sei por onde começar...

Eu tenho tanta fome, que não me conformo com a falta de pão.
Mesmo assim, é preciso que eu me aliene, até que, já cansada, eu resolva olhar a minha volta, à procura por outras vozes.

Hoje me disseram que só a fantasia é capaz de tocar o outro; o resto é silêncio.
A palavra é a fantasia que desvenda o infinito: o outro.
Sinto-me como o Cão Deus em sua busca por comida. Eu busco o outro que há dentro de mim, mas certo seria eu buscar o outro dentro das suas circunstâncias.
Certo seria se o Cão Deus buscasse comida aonde pudesse achá-la.

O Certo e o Errado.
Sempre me senti tão mais próxima das pessoas que erram que tenho medo de acertar.
Pode ser que, acertando, eu esqueça de enxergar as minhas limitações; esquecendo-as, é provável que eu esqueça o único pedaço do outro que hoje reconheço em mim.

Eu sei que é preciso, apesar do cansaço que me dá caminhar ao lado do outro.

É preciso me perder um pouco mais, até que, de encontro em encontro, eu consiga, enfim, perder o medo do que é certo.

Pode ser, entretanto, que este dia nunca chegue e que o certo seja simplismente uma fantasia. Haverá então uma infinidade de ruas à espera do meu caminho, à espera de um nome com o qual as batizarei na minha lembrança.
Lembrei-me novamente de você.

Esqueci que é preciso me mudar para bem perto daqui.
Volto a me lembrar, entre idas e vindas, que a chave ainda estará no fundo da minha bolsa, como os sapatos de Dorothy. É preciso, contudo, que eu a busque com mais força, antes que a bolsa se rompa e minha chave se perca pelo caminho, para todo o sempre.

- Meu Cão Deus...tenho tanta fome...me dê um milagre desta vez: pode ser um suco de maracujá, uma resposta ou um gigantesco pedaço de bolo, mas eu preciso.

Encontrei um pedaço de fantasia atrelado ao maço de cigarros desta noite.
Caminhos? São inúmeros e desconhecidos, como tantos Cães-Deus em suas latas de lixo, à procura por vozes.

Errar ou Acertar?
-Pouco importa.
É preciso me perder ainda mais, até que eu não esqueça aonde encontrar a chave, eternamente perdida no fundo da bolsa viva.

- Há momentos para se perder; há momentos para se encontrar.
- Há momentos em que se faz necessário um pouco de inércia.
- Eu não quero o momento, o encontro, a inércia. Eu quero o todo.


Todo O Dia,
Todo O Infinito,
Todo O Outro,
Toda Palavra,
Toda Fantasia.

Eu sei que é preciso, apesar do cansaço que me dá, caminhar com tudo o que está a minha volta:

Cão Deus:
Ruas Anônimas,
Cigarro,
Palavra,
Fantasia.
Nestes dias de ausência, a lembrança é a chave que me leva até a fantasia, único caminho incerto para desvendar pedaços limitados de infinito. Pedaços que erram na tentativa de acertar, apesar do medo.

- É preciso...
- Eu sei.

Eu sei que é preciso, apesar do cansaço que me dá caminhar ao lado de um Cão Deus.

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(esse post ainda está em construção)


3 comentários:

  1. po vc ta inspirada! muito bom seu texto amiga! continue construindo esse post e construindo suas decisões tbm ...bju

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  2. melodramático: isto é, amandalopeswayoflife....rsrsrs

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  3. Nossa........
    Ai, queria um tiquim dessa criatividade, dessa capacidade de botar pra fora tanta coisa...

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