quinta-feira, 17 de junho de 2010

O Amável Veneno Do Escorpião.

(cuidado: post longo e lamurioso).
Ela é do segundo decanato de Escorpião.

Antes de sair de casa, deu uma olhada nas sobrancelhas já disformes: havia deixado com que crescessem exageradamente a fim de acertá-las qualquer dia desses. Havia chegado o dia. Dia de modelar as sobrancelhas, apesar da preguiça que isto traz.

Ela gosta de frio, mas suas roupas de inverno estão tão sujas de modo que é preciso fazer um pouco de sol lá fora. Já estava cansada de tanta neblina: havia de mudar aquele tempo nebuloso, antes que julho chegasse enfim. Julho é o mês dos cancerianos e leoninos, mas ela era de escorpião. Antes fosse do primeiro decanato; mas não, nascera à luz do segundo, e sofria gravemente de insônia e gastrite nervosa, secretamente.

Os Escorpianos do segundo decanato são menos corajosos que os do primeiro e do terceiro; são mais equilibrados, dentro da carga de desequilíbrio que o signo traz por si só. Ela é uma pessoa ansiosa e impulsiva, mas apesar destas características, sua amabilidade de segundo decanato sempre lhe falara mais alto na vida. Entretanto, era quarta-feira quase de cinzas, e ela estava disposta a encontrá-lo, finalmente, a fim de terminar aquilo que havia começado apenas.

Teria sido mais fácil se ela houvesse nascido no primeiro decanato, ou no terceiro; mas, nascendo no segundo, foi preciso buscar em Áries, o seu ascendente, uma dose de raiva necessária para terminar. Seu temperamento é do tipo melancólico-colérico; bipolarmente falando, ela não passa de uma menina medrosa, embora dotada de um olhar oblíquo - ressacado que tende a nos confundir e angustiar nos seus momentos de cólera.

Ela sentiu muita raiva. E uma raiva Platônica, o que lhe era repugnante. Ela era incapaz de sentir uma raiva concreta: não era uma raiva de uma ação, de uma escolha, ou, ainda, raiva daqueles nomes pelos quais ele a trocava.
Era a raiva de um estado.
É como sentir raiva de uma ventania, simplesmente porque ela é incapaz de aquecer-nos as mãos quando o desejamos; ou, ainda,raiva do sol, por este desempenhar seu predestinado papel de aquecer a tudo, quando intimamente ansiamos pelo frio.

Ter raiva daquilo que é, por ser o que é, como o é, não chega a ser uma raiva real.
Um desencanto platônico, quase-talvez.

Mas ele ainda a encantava muito, dificultando-lhe as coisas. Foi preciso ir além, usando do artifício suicida do escorpião.

Há quem diga que o escorpião prefere o suicídio a ser morto pelo calor do fogo que o ameaça proximamente. Na verdade, isto não passa de uma bobagem. O escorpião, em função do calor do fogo, encolhe-se e morre de desidratação – mas ele não precisava saber disso naquele dia.

Ela tão pouco.

Buscou então, suicidamente, uma palavra, uma construção verbal que a fizesse odiá-lo por alguns minutos, minutos necessários para fazê-la sair daquele círculo. Mas a palavra não surgia...foi demorado ouvi-la, exigindo dela, de fato, uma concentração além do normal, concentração própria dos librianos, que ela nunca seria, felizmente.
Ela olhava fixamente para o rosto dele, mas não o enxergava, nem o ouvia: ela só queria sair daquele estado, com as sobrancelhas modeladas e com a promessa de não vê-lo nunca mais.

As frases foram se formando, com o passar dos minutos infindáveis:

- Olha...eu gosto muito de você e quase me apaixonei por você: Mas, acontece que os virginianos só se apaixonam mesmo pelos signos do Ar: Gêmeos, Libra e Aquário – ele disse.

Ainda restou um minuto para uma troca de olhares.

Ela levantou-se, sendo abraçada por ele, que sabia que a perderia naquele dia.
Ela deu dez passos e chorou.

Um choro rápido, sem grandes lirismos. Ela não é de chorar, mas naquela ocasião esforçou-se muito para tal. Ela gosta muito dele e é uma pena.

Mas, acredita-se que o escorpiano independente do decanato que o rege sabe remediar o irremediável como ninguém. Ainda naquela noite, de quarta-feira quase de cinzas, acompanhada por uma libriana – que poderia ser sua rival, sendo do signo do ar – decidiu, sem muita intensidade, não mais olhar para trás.

Algumas cervejas depois, um maço de cigarros depois (ela raramente fuma; mal o sabe. Fuma apenas quando está realmente nervosa, ou realmente triste, ou realmente suicida), três músicas da Janis Joplin depois, três horas de Leão depois, lá estava ela, num novo –velho circulo habitual, às 4:00 da manhã, preparando a aula que daria no dia seguinte.

A raiva que sentia dela mesma por ser tão amável fez com que sua aula fosse perfeita. Não é de hoje que ela sabe o quanto o sentimento de raiva a influencia, capacitando-a a produzir qualquer coisa que seja ainda melhor: foi assim no Ballet (ela era bailarina e, diziam as boas línguas, quando se enfurecia por não conseguir fazer determinado movimento, era então que ela o fazia com mais perfeição e graça).

Foi assim com a Bipolaridade (notificada sobre um diagnóstico dos “nunca mais”: nunca mais cervejadas, nunca mais noites sem dormir, nunca mais cafés, nunca mais emoções desmedidas, há quatro anos ela tem feito exatamente o contrário e sempre mais, convencendo seu próprio médico de que seus “nunca mais” nunca de fato o serão).

Nas quartas-feiras quase de cinzas é também assim.

Ela é do segundo decanato de Escorpião;
Conseqüentemente, é possível que ela não o esqueça nunca mais, ao contrário dele (ela acha...).

Apesar disso, e concomitante a isso, seu ascendente em Áries não permitirá um sofrimento por demais prolongado: 16 passos adiante e suas sobrancelhas estarão novamente modeladas e seu doce veneno novamente recalcado, até que um novo dia de amável-cólera recomece.

2 comentários:

  1. boa, gostei disso...libriana rival? kkkkk nem...

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  2. Oi! Saudades de você, esta tudo bem? A propósito sou libriana também rsrsrs.

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