quarta-feira, 11 de maio de 2011

Casamento Gay, Teologia, Literatura e Café Tacvba.

Foi legalizado há poucos dias o casamento gay no Brasil pelo Superior Tribunal Federal. Segundo o site Gnotícias:
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"A decisão cria um precedente nacional onde juridicamente gays podem se casar no Brasil, tendo sua união estável reconhecida pela justiça, garantindo direitos comuns a casais heterossexuais como pensão, herança, comunhão de bens e previdência. A decisão também deve facilitar a adoção de crianças por duas pessoas do mesmo sexo, reconhecendo então como família gays".
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Apesar da não ocorrência de protestos formais, não é preciso dizer que a decisão jurídica ocasionou certa indignação para algumas pessoas e instituições. É aqui que queria chegar.
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Acho que a postura da Igreja no sentido de valorização e cuidado da família por parte do Estado é muito sábia. Há poucas horas lia a nota da CNBB lançada como resposta à legalização da união homoafetiva, e por incrível que pareça achei o texto bastante coerente com os valores católicos, isto é, embora imagine que aqueles velhinhos devam estar se retorcendo em suas poltronas, do ponto de vista do discurso achei o texto até delicado, embora ideologicamente católico.
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Não sou exegeta, e morro de inveja de quem é. Morro de inveja de padre, todos os meus amigos padres sabem disso: se fosse homem seria padre, psiquiatra, escritor e gay.
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O sonho da minha vida é ser capaz de fazer uma interpretação pura e genuína do texto bíblico. Para isso, teria que saber minimamente aramaico, hebraico, latim, grego, ou seja: preciso tirar meu cavalinho da chuva. Mas, apesar disso, gosto de me arriscar nas interpretações.
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Em Gênesis 27, 1, tem-se: "[...]Deus criou o homem à sua imagem; criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher." Ainda em Gênesis, capítulo 2, versículo 24: "...por isso o homem deixa o seu pai e sua mulher para se unir à sua mulher e já não são mais que uma só carne." Essa referência "imagem de Deus" pode nos dar margem a muitas interpretações. Para mim, ser imagem e semelhança de Deus significa que todo sujeito, independente da crença, cor, raça, orientação sexual, time de futebol, quantas pessoas matou ou amou, é divino. Nada me tira da cabeça que cada um de nós é também Deus, na medida que também é alma, espírito, intuição, cosmo, amor, mistério. Desde pequena tenho uma intuição assustadoramente forte, e acredito que todas as pessoas, em maior ou menor escala, de acordo com fatores culturais, sociais, têm nelas mesmas mecanismos do divino, como se o Espirito Santo fosse na verdade todo o Espirito que habita o homem, por ser feito da "matéria" de Deus. Deus é isso, o que está dentro da casca.
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Logo, sermos imagem e semelhança de Deus não faz da homossexualidade um "pecado". E sim, Deus criou o homem e a mulher, este trecho não faz menção à orientação sexual destes. Em seguida, fala-se da fusão do homem à mulher; a união que faz deles uma só carne. Do ponto de vista da Igreja, da família padronizada, idealizada, a união heterossexual, bem como o sexo depois do casamento, teria o objetivo da procriação. Esse trecho pode fazer alusão a isso, caso seja lido por um leitor católico, evangélico, testemunha de Jeová. Para mim, no entanto, pode até ser que ele faça alusão a isso, mas não anula a possibilidade de que existam outras uniões, por exemplo.
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O fato é que o texto bíblico foi escrito sob a égide de um povo, uma cultura, um contexto. Não foi Deus quem o escreveu com sua pena de ouro; ele pode até ter inspirado o sujeito quem escreveu o Livro de Gênesis - e eu acredito que sim, porque um texto tão brilhante e milenar só pode ter parte com o sagrado - mas ainda assim, foi um sujeito de carne e osso quem o compôs, à luz de uma cultura temporal . Dessa forma, eu não faço idéia do que a cultura judaica da época - em constante contato com outros povos, diga-se de passagem - tinha como valor em relação à homossexualidade, mas é preciso entender que certos valores sociais mudam com passar dos séculos, e o que era comportamento ontem passa a ser rejeitado ou apropriado pelas sociedades posteriores.
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Por exemplo: desde que o mundo é mundo existe homossexualidade. Existem documentos egípcios anteriores a Abraão que registram práticas homossexuais entre os homens e os deuses Seth e Horus. Os Gregos, como sabemos bem, viviam numa sociedade bissexual. Dessa forma, a cultura homoerótica já existia há tempos, mas passou a ser recriminada na medida em que a sociedade ocidental adquiria um caráter monogâmico: não haveria funcionalidade no homossexualismo, haja vista a impossibilidade de procriação. Mas tudo isso é transmutável, ainda que numa dinâmica muito lenta. São coisas modificadas de acordo com interesses temporais e materiais. Portanto, não é o fato do relacionamento homoerótico não ser uma prática aceitável há 2, 4 mil anos, que se pode usar isso como desculpa a fim de não dar crédito aos direitos da comunidade gay. A história trabalha com uma perspectiva de ruptura e continuidade, que faz do homem um sujeito sempre em evolução; o texto bíblico, embora "inspirado" por Deus, sujeita-se a um tempo histórico, como tudo o que é humano e por consequência passível de renovação.
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(embora o texto bíblico, como texto literário que também é, seja infinito e aberto).
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O segundo ponto é que ninguém escolhe ser gay. Ninguém escolhe ser motivo de chacota na escola, motivo de exclusão e por vezes agressão; ninguém escolhe por vontade própria o caminho mais difícil. Acredito que "a pessoa é para o que nasce". Logicamente que se tem hoje em dia uma espetacularização bizarra da cultura gay, o que pra mim é uma descriminação enrustida. Beija-se aquém sem olhar a quem; consome-se cultura gay como se fosse água. Mas ainda assim, o sujeito não escolhe, no meu ponto de vista, ser ou não ser, como também sucede aos heterossexuais. Ninguém escolhe aquilo que se é.
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Por fim, e mais importante, o amor. Quem de nós tem o direito de rotular e padronizar a expressão amorosa dos homens? Aliás, como explicar o amor...o porquê do encantamento com o outro, seja esse mesmo ou não. O amor transcende todas as coisas terrenas, imagens, figuras de linguagem, versos e prosas. Como expressão máxima de Deus, imagem e semelhança. Ser hetero ou homo é apenas uma casca daquilo que já está.
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Estou ouvindo nesse momento a canção "Esa Noche", do Cafe Tacvba. Se eu fosse homossexual, emocionaria-me com esta canção na mesma medida e intensidade, caso estivesse apaixonada. Sem a mínima distinção.
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Sobre a noção de família. Quantas crianças poderiam ser adotadas tendo em vista a legalização da união homossexual! Quantos deles ganhariam um lar tão apropriado e amoroso quanto o lar de uma família heterossexual, como a minha e a sua, querido leitor. Família não é sangue, família é sintonia, e acredito que esse novo modelo familiar não banalizaria, jamais, a importância e função do grupo, mas sim ampliaria as possibilidades de se construir o amor e a felicidade no meio terreno, aliás, mandamento primordial da Cristandade, "...O que vos mando é que vos ameis uns aos outros". (Jo, 12-17).
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OBS: Peço desculpa à comunidade gay por não saber, ainda, utilizar uma nomenclatura apropriada (homoerótico? homoafetivo? gay? homossexual?) - mas acho que me fiz entender.
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Processos? envie seu email para oraculodesofia@yahoo.com.br
Boa Noite!

Um comentário:

  1. Uma novela com temática sobre sexualidade humana. http://meunomeeken.blogspot.com

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