quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Acabou-se o mundo

Ensaio. - A Ciranda Villa IX.
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"Hoje é domingo,
pé de cachimbo,
cachimbo é de barro,
bate no vaso,
o vaso é de ouro,
bate no touro,
o touro é valente,
bate na gente,
a gente é fraco,
cai no buraco,
o buraco é fundo...
...Acabou-se o Mundo!
(Tradição popular).
(texto escrito em "fluxo de consciência").
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São 06:53 da manhã (ou da madrugada, para pessoas como eu). Não faço a mínima idéia de que hora cheguei ontem em casa, já que me permiti sair com uma amiga para "bebemorarmos" o fato de que ACABOU: o mundo. O problema (ou solução) é que há um mês não bebia tanto assim - por recomendações médicas - de modo que a bebida me foi uma grande katharsis: senti-me de pernas para o ar, sem dever absolutamente nada a ninguém, acabou, acabou-se o mundo e finalmente adentrei em meu processo de expurgar: purificação.
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Como tudo começou?
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Não me recordo agora, datas, meses, horários, dias, acontecimentos talvez. Certo é que doeu e foi péssimo - ainda me dói esse ano, no qual tive que fazer tantas escolhas ou re-escolhas, aliás, três tipos delas: A primeira, aquela que a vida nos impõe, drasticamente; a segunda, aquela que as pessoas escolhem por nós, e, por fim, a mais perigosa, aquela que escolhemos por vontade própria, mas influenciada pelas duas anteriores.
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Tenho quatro vícios neste momento (e em quase todos os momentos): cigarro, água (uso-os excessivamente), escrever e ir até o fim de qualquer coisa, ainda sabendo que o fim não existe, o que existe é cansaço, e como nunca me canso, espero o tempo passar.
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Não recordo o Reveillon deste ano: provavelmente, uma festa de Viçosa, na qual nunca mais voltarei; mas, estava ao lado de quem amo e isso - por si só - acrescido pelos fogos de artifício, faz do momento tão lindo, seja aqui ou do outro lado do planeta.
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Ainda assim não tive sorte. Mas comprei meu próprio DARUMA, ainda cego de um olho - sortudo DARUMA - enxergar em excesso é vertiginoso; porém, hoje, preciso dos dois olhos bem abertos, para que tenha sentido todo esse tempo de cólera.
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Ai...como sou dramática antes do café da manhã! Bebi um Todynho (meu quinto vício) para atenuar a tristeza, mas só o café de mamãe - por ser péssimo (ela nunca aprendeu a fazer café; o meu, digamos, é melhor em comparação, o que não diz coisa alguma) - é que me abre o dia, a alegria e em consequência, a esperança. "Você vive é de esperança" - disse-me um amigo, com quem me casaria certamente, mas percebi tarde.
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Como tudo começou?
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A formatura. Nunca sofri tanto por uma coisa que devia ser felicidade; nunca sofri tanto para escrever um texto de 112 páginas (as que deviam ser setenta, mas não prestei atenção no professor que, quando o disse, eu estava viajando para outro país, que não o dele). Não queria comemorações, só uma festa para os amigos e o churrasco "dos formandos", mas, pelo gosto de vê-los, os anciões de minha casa felizes, fiz-me bonita, de vermelho, cabelo penteado, metade Frida Kahlo, metade eu no meu "melhor". Sofri por perder um amigo - ou quem considerava amigo...Sofri por que depois desses acontecimentos, minha resistência "orgânica" nunca mais foi a mesma: qualquer sintoma de nervosismo me vem logo um "passar muito mal", digo: vomitar, ter febre, quase morrer...tudo isso depois de GRADUADA.
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Em seguida, a vida, isto é, o mundo real: dois empregos, um deles - o que mais amava - voluntário, este que tive que deixá-lo por já ter me "FORMADO" (formado em quê?). O segundo trabalho me encantava também, mas depois de um tempo, foi perdendo a graça, mas a vida não é só cheia de graça, ou não seríamos gente, seríamo AVE-MARIAS-LOUCAS. O terceiro trabalho foi o meu inferno pessoal. Na verdade, a consagração do meu inferno pessoal-astral que perdurou O ANO TODO: A escola é maravilhosa, da diretora à coordenadora pedagógica. Não tenho nada a recalamar. Mas, não é para mim. Não nasci para trabalhar com crianças. Crianças que, como também fui, não têm a noção de que existe um mundo além das paredes, quadras e corredores, e que neste mundo lá fora, há pessoas que sofrem porque não têm Ipods, tampouco família, tampouco um lar. Gritar: fui paga durante um mês e meio para gritar quarenta minutos de cinquenta. Sei que fui tola, como nos diz o popular "peguei um bonde andando, sentei à janelinha e dei tchauzinho" - além do fato de que estava competindo com a memória de uma mulher querida, doce - tudo o que não sou. Mas, ainda assim, nada é mais insuportável que sentir-se inútil. Talvez no próximo ano....mais madura; talvez nunca mais....A certeza que tenho é a de que não passei cinco anos e meio naquela ilusão para aprender a gritar: isso aprendo em casa, todos os dias, e se fosse por isso, tão somente isso, ainda estaria no meu lar, que não é este lugar, é muito além daquela BR suja de latas de cerveja.
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"Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não."
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Foi quando minha avó faleceu. E foi uma dor beirando o insuportável. Não éramos tão ligadas - como fui com minha outra avó, a que também morreu no ano passado - mas, passei dias ao lado de Dona Apolônia no Hospital (levando em conta que amo hospitais e tal coisa não fora sacrifício algum; se tivesse habilidade manual, seria enfermeira; se tivesse mais habilidade cognitiva, médica, porque hospitais, por uma razão "inexplicável", preenchem as minhas lacunas de energia, de "alma"). Mas, ao ouvi-la gritar e gritar muito, vi quão insuportável é ter alguém nos braços sem tê-la de fato; não há nada que podia ter-lhe feito para confortá-la. Graciosamente, em seus surtos noturnos (além de todas as complicações de seu fraco organismo, vovó tinha um princípio de Alzheimer), ela nos torturava com seu doce sofrimento: "ai ai ai, ui ui ui, me tira daqui, me tira daqui!!". Eu sabia, intuitivamente, que ela nunca sairia dali. Nunca mais. Só para outro lugar...aquele cujos olhos do DARUMA ainda não veem; mas, pergunto-vos leitor: como dizer a verdade? "Nunca confie em alguém que não sabe mentir" - esse axioma me chamou atenção nestes dias e penso ter lá sua razão. Às vezes, é preciso ilusão para continuar a luta, para ir até o fim.
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Banhei minha avó, dei-lhe remédios, comida, troquei-a de roupa e havia tempos, neste ano nefasto, em que não me sentia tão feliz. Paradoxo. Não é felicidade por conta do sofrimento alheio, mas, uma felicidade gratuita e nunca mais senti isso desde então, nem quando bebo excessivamente.
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Quando ela se foi, um dia antes tive uma intuição, leve. Meu pai não deixou cair uma lágrima em minha frente; todas as minhas tias sim, e, meu tio preferido (desculpe, mas tenho um segundo pai), chorou copiosamente; no dia seguinte, encheu-se de cigarros e de bebida, anestesiando sua dor. Exatamente como eu faria. Porque dentre as piores coisas que nos podem acontecer, caro leitor, é a perda de uma mãe. Seja ela quem for. Há os que nunca tiveram mãe; há os que a tiveram pela metade. Eu, digamos que tive duas mães: uma por funcionalidade e outra por gratuidade; a última é a que me conta.
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Quase a perdi.
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Após a demissão do trabalho com as crianças, estudei tudo o que não havia estudado para o Mestrado. Tudo. Freneticamente, o que obviamente, causou-me um leve descompasso mental, de modo que senti o princípio de uma crise eufórica. Ainda estou euforica, em "risco", embora meu médico me diga que não (mas até uma amiga, ontem, reconheceu a minha fala estranha....) Pois bem. Estudei. Desde o meu aniversário, não bebi uma gosta de álcool, não sai de casa...até ontem! Exceto em duas ocasiões familiares, mas estas nunca contam.
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Estudei tanto...Há quem o tenha feito desde o princípio do ano, mas meu lema ainda é o do "trabalhador da última hora": um ano, um dia, não é o mesmo? O que nos importa é a necessidade. Eu preciso passar neste Mestrado, este ano, e agora também por fatores emocionais. Caso não passe, acabou-se o mundo.
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Depois, há de recomeçar um outro novo, mundo novo, talvez bem melhor, mas de certo que será desgastante e desgostoso perder essa única vitória que me consagraria o ano, que o faria ter lhe valido a pena. Passsei para a segunda fase; fiz minha entrevista muito bem...Mas, o que é bem? Tudo é tão subjetivo...Eu daria-me total em minha entrevista, mas, também o faria para meus outros doze concorrentes. Só me resta esperar...coisa para qual não nasci. Até aluguei alguns filmes, Meia Noite em Paris (Midnight in Paris/2011/Woddy Allen), A Inquilina (The Resident), Vips: Quem você quer que ele seja? - para não me dar o trabalho de sair de casa e "fingir" tranquilidade.
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Não sei esperar e tampouco fingir, duas coisas que não aprendi ainda.
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Conversava com uma "nova" amiga, que já me é tão querida, e contava a ela sobre o meu último relacionamento. Disse que em tudo o que me acontecia, a primeira pessoa a quem pensava em ligar e contar era ELE..."seja para bem ou para mal." Já acabou; fato. Contei isso casualmente, como numa conversa entre duas mulheres sobre "homens".
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Horas depois, não sei por qual motivo, eis que me diz - a amiga: "Acho que isso é amor, Amanda. Querer compartilhar essas pequenas coisas. Ligar pra alguém, só pra lhe contar uma novidade, antes de todos os seus amigos; isso é muito forte". Não preciso dizer o quanto aquilo ecoou em minha mente já perturbada pela aleatoriedade da vida. Por coincidência, essa amiga precisou resolver um problema diretamente com esse rapaz, o meu suposto "ex"; como não conseguia completar a ligação, em seu próprio celular, ou não tinha o número certo, emprestei-lhe o meu. Não só emprestei, como liguei para o rapaz e lhe disse , objetivamente: "X quer falar com você, Abraço".
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Após a conversa de ambos, minha amiga me passou o celular, porém o desliguei. E o fiz de propósito, porque não suportaria, mais, ouvir aquela voz. Não há conformidade da minha parte para com esse término; há término em que o relacionamento se desgasta de tal modo....há tantos tipos de términos....Hoje entendo perfeitamente (ou quase) meus recentes rompimentos; mas, este último me dói especificamente mais. Ele sabe o porquê. Ao atingir o Nirvana, o meu suposto ex, sendo isso o que ele procura - caso tenha um tempo, lerá esse texto e compreenderá.
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Foi quando me surgiu a idéia de comemorar com minha outra amiga-irmã o fato d'eu estar praticamente de férias...(sim, há um trabalho até o dia 05, mas.....esqueçamo-lo!). Então, horas depois, ele me liga. Não reconheci de imediato o número, porque quebrei o visor do meu celular em um momento de raiva. Mas, é óbvio que conheceria aquela voz. Por mais que as palavras expliquem, isto é, tentem, nunca saberemos o que se passa pela mente e coração das pessoas. Sinto que esse meu ex reduziu a nossa relação ao meu passar ou não passar no Mestrado. Estúpido. Não gostei da ligação, desliguei irritada.
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....Mas, já bêbada, cheguei em algum lugar, distante da raiva, e lhe mandei uma mensagem "Eu te ammm". A idéia era dizer "Eu te amo", mas, não só estava bêbada, como o visor do celular quebrado, portanto, não sabia o que estava escrevendo. Não me arrependo. Hoje, ele vai para as bandas de lá e foi a minha despedida. Eu te amo, mas espero que você se foda - seria o complemento da oração coordenada, caso estivesse sóbria.
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Apesar de tudo isso, sinto pena por aqueles que não sabem amar, ou, nunca terão uma oportunidade. Eu só espero que este não seja o último, que haja outros homens...como disse minha nova amiga e eu: " Não vale a pena sofrer tanto por um homem...só....(risos)".
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"Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
"
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Por fim, o sofrimento dos meus amigos também me tocou muito em 2011: e, a certeza de que sou uma brasileira des-patriada...Não tenho para onde passar o Reveillon. O fato é: Meus destinos sempre foram São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro. Contudo, tais cidades me evocam lembranças boas/ruins que não posso tê-las nesse momento, principalmente São Paulo: eu faria de tudo para voltar a minha cidade natal, e é por "fazer de tudo" que preciso de mais dois anos em Viçosa, caso o mundo me conceda esse dom.
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Viçosa é um lugar... bacana; as pessoas não são medíocres, seus destinos não são medíocres, mas, tenho muito medo de morrer aqui sozinha. Não há explicação lógica;eu simplismente não gosto daqui e só queria ir embora....
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"Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não."
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VOCÊ É UM COVARDE!!!!!!!!!!!!!!!!!
VOCÊ É UM COBARDE!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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Voltando. Há um galo que canta diariamente a minha "janela". Obviamente, há sete anos que moro nesta casa, portanto, não deve ser o mesmo galo....Mas, juro a vocês que daria parte do meu dedo mínimo pra que esse galo morresse para sempre. Para todo o sempre, seja lá o que isso for; ou, então, emudecesse de tanto gritar, deixando minhas manhãs, tardes, noites em paz...meu Deus...meu Deus...o que fizemos??? Por que não poderia um galo ser professor num colégio para crianças do Ensino Fundamental? Gritar....Gritar...Gritar.
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- Cale a boca, galo infernal!
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Hoje, sou o resultado de todos estes acontecimentos, acrescidos por três bençãos e três desejos:
1. Obrigada, Deus, por minha mãe estar bem;
2. Obrigada, Deus, por existirem outras aves além dos galos;
3. Obrigada, Deus, por haver um Todynho a mais na geladeira, água em abundância e outros dois maços de cigarro em minha bolsa.

1. Quero passar no Mestrado;
2. Caso passe no Mestrado, quero imediatamente ir para a Argentina, passar um mês e meio;
3. Quero ter um filho, e quando acontecer, ensinar-lhe-ei a nossa canção....

...a gente é fraco,
cai no buraco,
o buraco é fundo...
...Acabou-se o Mundo!
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*Nesta crônica foram usados textos de Sophia de Mello Breyner Andersen.

2 comentários:

  1. Rascunhei aqui milhões de possíveis comentários pra tentar explicar as coisas que esse texto me despertou... mas não consegui. Tô aqui em casa semi-chorando, semi-engasgado, num misto de identificação e sensibilidade a esse tantão de linhas que eu li sem nem perceber.

    Não sei se deveria dizer que o texto é belo: por um lado, me parece inapropriado pelas angústias compartilhadas que brotam em fluxo de consciência; por outro, me recordo do belo da filososofia, o belo que é artístico, porque provoca sensação... e quanta sensação me provoca!

    Quanta dor que sinto com medo e ódio destes galos opressivos! Quanta coisa que dá essa sensação de mundo acabado! Quanta coisa, quanta coisa, Amanda!

    Ave Cruz! Virge Crispim!
    Saravá!

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  2. Ai, menino-Deus...obrigada! Não tenho nem o que dizer!

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