quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

DESTIN(atári)O

*O Destino. Foto de Bruno Ferreira.
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Assim começa o meu "tempo sabático", isto é, minhas férias prolongadas. Ainda há um trabalho para ser entregue até o dia 05 de janeiro, caso não esteja enganada, mas, de qualquer forma, só hei de fazê-lo após saber o resultado da seleção de Mestrado.
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Um dos grandes questionamentos da minha vida é o da existência ou não do destino; o que move os encontros e desencontros, o que nos faz encatarmo-nos por uma cultura que não é nossa, por exemplo; o que nos leva a conhecer uma música sem nunca antes tê-la ouvido. O que nos faz odiar um lugar em detrimento de outro? O que faz o eternizar de um momento, e o esquecimento de uma vida...O que rege o inconsciente humano...ou, o que faz dos nossos dias tão sobrenaturais? Gosto de pensar nessas coisas, porque me sinto viva e em contato com uma espécie de universo que está além de mim: "Deus".
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Fui católica durante muitos anos. Assim fui criada, tendo participado de todos os ritos (exceto o casamento e a unção dos enfermos, obviamente!). Mas, minha alma ou espiríto sempre esteve muito além desta ou daquela denominação, embora eu goste da Igreja Católica, enquanto objeto de estudo Histórico/Literário. Ainda "rezo" quando me deparo com igrejas vazias, sem vozes e cantos. Gosto de pensar na espiritualidade como algo que perpassa rótulos, que se constrói através das relações do Homem. O fato é que destino não existe. Porém, há um "sistema de coincidências inexplicáveis" que me faz acreditar, em alguns momentos, na existência de um olhar materno do universo para conosco em tempos de caos. Darei dois exemplos drásticos.
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Sou filha única, mas tive um irmão - também filho único - adotado pela vida. Éramos unha e carne, embora ele em Minas e eu em São Paulo. Brigávamos excessivamente e também nos amávamos muito, como irmãos. Cleiton adoeceu em 2002, enquanto eu ainda estava em São Paulo. Em 2004, quando fui levada pelas circunstâncias a me mudar para Viçosa / MG, passamos apenas uma semana juntos, isto porque logo em seguida, meu "irmão" teve de continuar seu tratamento em São Paulo! Tal paradoxo ainda hoje me é indigerível.
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Bom, aconteceu que, naquela época, não me conformava com o fato de ter me mudado para Minas Gerais, e se a única coisa que me motivava a fazê-lo era o estar perto do meu irmão, não havia mais nada a minha espera. Deprimida, minha mãe me fez a seguinte sugestão "Já que você não quer nada com nada....não quer estudar para o vestibular...por que não volta a São Paulo e fica com o Cleiton, como companhia?". Aquilo me ofendeu, muito. Depois de desconstruir dezoito anos, talvez os melhores dezoito anos da minha vida (até então) para vir a Viçosa...naquele momento me era "permitido" retornar? Por que ele estava morrendo? Neguei. Primeiro, porque não acreditava, intimamente, que ele morreria; segundo, porque sou teimosa, e estando aqui, permaneceria até a conclusão do meu curso de graduação, isto é, até o "fim".
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Onde estava o destino? Adormecido?
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Naquela época, eu era mais pura e rezava muito mais (embora eu ainda reze, talvez o tempo todo). Pedi a Deus ...com essas palavras "Deus, não volto a São Paulo, porque acho uma injustiça; quando queria ficar não pude, quando queria vir para Minas, também não pude...tudo me é sempre desencontro, estou farta. Se o Cleiton precisar de mim, mande-me um sonho, e dessa vez, por favor, não me engane mais".
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Eu tinha 18 anos.
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Dias depois, após um feriado no qual eu poderia ter ido a São Paulo, mas não o fiz por teimosia, tive um sonho. Sonhei que estávamos - Cleiton e eu - na cachoeira de Canaã, onde passamos toda nossa infância e parte da adolescência. Não o via, mas sentia a sua presença como quando se está perto de alguém que lhe aquece, só pelo "estar". A cachoeira lá estava.....e aquele cheiro inexplicável...cheiro de água e mato...terra molhada....pedras...energia....como se estivéssemos juntos pela última vez. Foi o sinal, aceitei.
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No dia seguinte, uma terça-feira, soube por meio de uma prima que Cleiton estava agitadíssimo, tentando desligar os aparelhos do quarto onde estava.(O que sucedeu: Em 2002, meu primo contraiu um vírus vegetal que desencadeou uma doença desconhecida. Recuperou-se durante dois anos, mas, em 2004, aos 16 anos, precisou de um transplante cardíaco imediato, visto que a válvula de seu coração estava enfraquecida). Bem....eu sabia que era o "sonho". Fiz as malas e fui imediatamente para São Paulo, ainda na terça.
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Lá chegando, passamos juntos a quarta,quinta,sexta e o sábado. Quando o vi pela primeira vez, meu espanto foi ...assombroso: não era o meu irmão. Com o passar dos dias, deu-se o desinchaço, e e ele retomou a aparência "normal". "Quando fizer meu transplante, quero que fique aqui comigo; essas pessoas só sabem rezar....e você é diferente...quero que fique comigo". Foi o que disse. Passamos os dias brincando, xingando-nos mutuamente. Li para ele a carta que enviaria, antes do "despertar" causado pelo sonho. Uma carta com as nossas recordações.
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Havia me programado para voltar domingo a Viçosa. Mas, por uma sucessão de conflitos, não consegui comprar minha passagem no sábado à tarde (após a visita ao Cleiton), porque me atrasei e alguns imprevistos me detiveram. Decidi então visitar alguns amigos na manhã de domingo e ir embora à noite.
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Na minha última visita, Cleiton estava calado. Apreensivo. Não disse nada. Quando chegava ao hospital, sua mãe trocava comigo o crachá de "acompanhante" para que eu pudesse ficar mais tempo junto dele. Naquele dia, ele não quis. Olhou o relógio...e disse: "É...é hora de você ir...não vai me dar um abraço?". Dei-lhe um abraço, nem frio, nem caloroso...Um abraço de quem sente medo, sem saber o porquê. Por fim, "não esqueça de doar sangue pra mim... E eu quero, Amanda, que você seja muito feliz." Não consegui fazer a doação de sangue, porque havia menos de dois meses que houvera feito minha última doação. Voltei para a casa de minha madrinha, à espera do domingo, com um eco... "seja muito feliz".
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No dia seguinte, visitei meus amigos e ao chegar em casa, havia um prato de macarronada com frango, que eu adorava, sobre a mesa. Mas, uma sensação de mentira se sobrepunha a qualquer tipo de agrado. Havia uma mentira, havia uma mentira, eu podia sentir. Foi quando ligou o tio do meu "irmão", avisando que ele estava na UTI, já depois da primeira parada cardíaca. O prato sobre a mesa se quebrou. Minha madrinha já sabia, mas, orientada por minha mãe, pensou que seria melhor eu me alimentar primeiro, antes da...verdade.
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Fomos ao hospital de imediato; sem frango, sem pasta, sem molho. Vi-o já nas aparelhagens e passei também o domingo a seu lado, embora ele estivesse desacordado. Quando seus pais, já entregues ao "destino", saíram da UTI...por questão de segundos, notei que o segurança da recepção não se encontrava. Foi quando transgredi. Entrei na UTI, vendo os médicos já em seus procedimentos finais e, por cinco minutos, ou segundos, ou nada, antes da enfermeira notar a minha presença e me expulsar do quarto, vi Cleiton pela última vez com vida. Fui a última a vê-lo com vida.
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Será o destino que nos uniu por meio daquele sonho?
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Nunca vou saber.
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O fato é que há algo superior que, embora não faça as nossas escolhas, interfere em nossas vidas de alguma forma. Ainda que seja a nossa própria energia. Há algo inexplicável que nos separa e nos une diariamente.
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O segundo exemplo. Apaixonei-me por um rapaz leucêmico e em função disso conheci inúmeras pessoas com a mesma doença, ingressei em centros de apoio, trabalhos voluntários....etc. Por meio dessas redes sociais, conheci uma moça linda...Uma das mulheres mais lindas que já vi: Morena. Tornamo-nos amigas virtuais: ela morava em Sorocaba, eu, na capital paulistana. Pedia a ela conselhos sobre o tal rapaz. Morena, mais velha e mais "mulher" (eu devia ter 16)...dizia para que me jogasse...Falar de uma vez por todas que estava apaixonada, não me limitar ao tempo. Contudo, eu sabia que uma longa distância nos separava (ele estava em Minas, eu, São Paulo). "...distância não é problema, quando se ama" - disse Morena.
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Comunicava-me com "o rapaz" com frequencia, por telefone e cartas (ele não tinha email; era um trabalhador rural). Dias antes do falecimento dele, tive um sonho....talvez premonitório...talvez não....Pouco importa. O fato é que ao contar a Morena (também leucêmica, mas já em remissão) sobre a morte do meu "amor platônico", fui surpreendida pela forma grossa e desajeitada com que a moça disse...."Bem feito! Eu disse a você: ele precisava saber que você o amava. Agora não há nada o que se possa fazer, tampouco rezar". Na verdade, ele soube; eu quem nunca soube o que ele sentia ou não por mim...não houve tempo.
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Depois dessa "grosseria", nunca mais nos falamos, Morena e eu. Um ano depois, ela me enviou um email pedindo perdão, o qual não respondi. Eu já a havia perdoado e entendido perfeitamente o seu ponto de vista. Porque na verdade, ela se colocava no lugar dele, o tempo todo. Mas, apesar disso, não me senti confortável para respondê-la, como se ela houvesse arrancado um pedaço de mim, ou, então, acrescentado: a impulsividade que me faltava. Morena era uma mulher bastante impulsiva, sexy, apaixonante. Havia um certo ex namorado por quem ela era ainda apaixonada, objeto do seu desassossego....Morena não tinha medo de se declarar....de ir além de si mesma. Ainda assim, não respondi.
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Mas, vez ou outra, procurava notícias sobre ela, em sites de festas de Sorocaba (ela era popular; modelo de lingeries...) e em seu orkut. Procurei secretamente por Morena durante os anos de 2003 à 2005. Nunca a esqueci, mas a vida foi mudando o foco, e, por fim, afastei-me um pouco dessas questões ligadas à oncologia.
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Destino ou não? Pergunto a vocês. Certo dia, estava na sala da minha casa, já em Viçosa, e senti uma inspiração muito profunda, quase uma voz "Procure o orkut da Morena", isso depois de um ano e meio sem saber nada dela. Imediatamente, subi as escada de minha casa (antigamente, o computador ficava na parte de cima de minha casa, num quarto à parte), acessei a internet, procurei o perfil "Morena Peres", e lá estavam....centenas de mensagens de "adeus" e "saudades": Sim, ela havia falecido.
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O intrigante de tudo isso é o "quando". Poderia ter levado dez anos para descobrir que Morena nos deixara; entretanto, seja lá por sopro de Deus, acaso ou destino, soube da notícia em menos de vinte e quatro horas...(sendo que em 1 ano e meio não mais a procurei).
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Algo me disse, naquele momento de dor: ela queria, por algum motivo também secreto, que eu soubesse da sua passagem, de alguma forma. Inexplicavelmente, a energia que liberamos quando morremos , imagino, tem o poder de tocar as pessoas, e a dela, Morena Peres, tocou-me naquele instante de choque. Não podia acreditar, porém, depois de tantas perdas (e tantas outras que ainda viriam), senti certa conformidade, como se Deus não pudesse , de fato, reger o destino dos homens. Apenas os homens o fazem, involuntariamente ou não.
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Mas e o inexplicável?
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Desde a morte de Morena, mudei muito. Tornei-me, assim como ela, uma mulher impulsiva, e não tenho vergonha disso. Se é pra amar, digo que amo e ponto. O amanhã é uma seara desconhecida, e perder tempo como superficialidades não me compete mais. Já perdi muita gente boa que permanece em mim justamente pra que minha vida valha a pena: à quinta potência.
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Não só a morte faz com que levante estas questões. Também e principalmente a vida: por que alguns se salvam e outros não? Por que certas pessoas nos tocam profundamente e outros, tão melhores, não? Por que os encontros acontecem? Por que fui encontrada, caro leitor, e não você, tão melhor que eu? Vê? Qual sudário obscurece essas "verdades"? O que é a verdade?
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Fiz a prova de Mestrado ontem. Compreendi os teórcos, os textos, entendi o que devia ser feito. Mas, sei que minha prova foi rasa...Não aprofundei, não analisei a fundo o texto literário e, portanto, não consegui fazer minhas conclusões "bregas-literárias" (também em função do tempo que nos foi dado). Posso ter fechado a prova (o que duvido), como recebido um 0,0. Há outras oportunidades, outros Mestrados, outras coisas a serem feitas. Eu sei. Dependendo de certas circunstâncias, quero viajar para a Argentina em fevereiro ou fim de janeiro...Mas, não é uma certeza. Voltando ao foco: o Mestrado (ou o destino?). Caso não passe , não será o fim do mundo. O Mestrado é (apenas) uma metonímia. Quero muito passar. Muito. Não só pela oportunidade de dois anos de estudo, a fim de preencher tantas lacunas da minha formação, mas também para buscar novos ares: novas páginas.
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Sinto que vivi um período, de 2002 à 2011, e este está se encerrando agora. É como se eu precisasse buscar uma nova vida, um novo destino....Uma nova seara. De 2004 à 2011, vivi uma intensidade de acontecimentos que, obviamente, repercutiram também de forma somática. Mas isso não nos importa.
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O que quero lhe perguntar, amado leitor, é o seguinte: O que nos une, ainda? O que nos faz compartilhar o mesmo ar? O que faz com que eu saiba como você se sente, como você é, como você sonha, seja lá quem você é, apesar da distância física que nos separa, doce destinatário?
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Qual o destino dos Homens?
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Qual o destino de Deus?
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Boa Noite.
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Observação: doem medula óssea!!! (já sou cadastrada!!!)

Eis o site em memória de Morena Peres:
http://ligadamedulaossea.blogspot.com/2009/04/campanha-em-sorocaba.html
Seja você o milagre que ainda não aconteceu.

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