quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Primeiro de Setembro...(Para Cleiton - in memoriam e Cinthya).

*ipe amarelo. Foto de jose marques lopes.

"Havia, em algum lugar, um parque cheio de pinheiros e tílias, e uma velha casa que eu amava. Pouco importava que ela estivesse distante ou próxima, que não pudesse cercar de calor o meu corpo, nem me abrigar; reduzida apenas a um sonho, bastava que ela existisse para que a minha noite fosse cheia de sua presença. Eu não era mais um corpo de homem perdido no areal. Eu me orientava. Era o menino daquela casa, cheio da lembrança de seus perfumes, cheio da fragrância dos seus vestíbulos, cheio das vozes que a haviam animado."
(Saint-Exupéry - Terra dos Homens).
...
Por uma dessas coincidências da vida - destino para alguns, vontade de Deus para outros – eles se encontraram em 2004, provavelmente no mês de setembro, o mês do amor.

Ele, paciente à espera de um transplante cardíaco, foi acomodado no mesmo quarto de hospital em que a mãe dela falecera, um ano antes.
Ela, estudante de medicina, por meio desse canal, a medicina, conheceu o meu irmão, e sendo ela também minha irmã, é muito óbvio que um dia se encontrassem casualmente...

...Porque a vida tem desses mistérios.

Ambos nasceram em primeiro de setembro.

Ambos me ensinaram muito sobre o Amor.

Ela.

Conheci Cinthya nas aulas de Ballet, numa das primeiras crises de identidade que tive na vida. Um dia, viu-me chorando: mandou-me uma carta dizendo que já sentiu o que eu estava sentindo...e que aquilo era o começo, apenas... Começo da vida.

Assim ficamos amigas: há 13 anos.

Esteve comigo nos meus momentos mais difíceis. E partilhou comigo muitos momentos bons. Amiga daquelas em que palavra se pode dispensar; entendemo-nos com o olhar, intuição, música, silêncio - Letras.

Ele.

Um dia, ele abriu os olhos e eu já estava lá. Cleiton Leles Lopes Milagres – o milagre que conheci. Meu “primeiro” primo por parte de mãe... (na verdade o segundo, mas primeiro no sentido de proximidade...) Fomos criados praticamente juntos e hoje sei que depositei nele toda minha ausência.

Ausência de irmão.
Foi meu primeiro deles.

Brigávamos como cão-gato-rato-piolho: brigávamos o dia todo. Mas também brincávamos muito, ríamos muito, rezávamos muito... E fazíamos tudo juntos.

No dia em que fugi de casa, ele contou a minha mãe.

No dia em que fui brincar na lama, na chuva, ele contou a minha mãe.

No dia em que fiquei com aquele menino da rua da minha avó, alguns anos mais tarde, ele não contou a minha mãe; apesar do ciúme natural que nutria por mim, deu-me cobertura.

Quando muito pequenininho, Cleiton disse que me amava.
- Eu te amo...
Eu, com meu complexo novelístico, disse a ele:
- Você não sabe o que é amor!!! – como uma daquelas protagonistas das quais sempre falo...sou quase.

Mas ele sabia sim. Eu aprendi anos depois...

Riamos juntos. Ele era a minha platéia e meu ouvido; meu ombro, meu chão.

Eu era qualquer coisa muito importante para ele.

Tão importante que, quando resolveu partir - ele em São Paulo, no INCOR, perto da Cinthya....e eu já aqui em Minas - resolveu me gritar por meio de um sonho.

É porque eu havia me prometido que não o visitaria naquele hospital...que não o veria em estado algum, que agora minha vida seria isso aqui, não queria estar lá, queria mas não podia, por orgulho e raiva.

Foi quando sonhei: fui atrás do sonho....e o vi, durante quatro dias.

Conversas sem fim e muito riso. Nada de orações. Nada de paz.

Quem precisa de paz num lugar tão branco?


“Quando fizer meu transplante, quero que você fique comigo...porque as outras pessoas só sabem me falar de Deus”.

“O que você tem que fazer agora é ser feliz”. – a última coisa que ele me disse com vida.....

“Não vai me dar um abraço?” – Não, essa foi a última...

Fui a última pessoa que o viu com vida. E se tudo for verdade, quero que ele seja a primeira que me veja em morte.

Sofro.

Quase todos os dias. Sinto uma saudade imensa, e um arrependimento por todas as vezes em que bati a cabeça dele contra a parede, ou quando me irritava com a mania que ele tinha de querer ser como eu.

Aquela paz...aquele jeito manso...me irritavam. Porque sei que nunca poderia ser assim, mas era só aquilo que eu preciso.

Todo setembro eu fico assim, triste. Mês do Ipê amarelo...

Em anos passados, eu tentava fazer algo bom: quando trabalhava numa espécie de orfanato, levava bolo, bombons às crianças...porque é um dia de festa, esse, o dia em que duas partes de mim nasceram em corpos tão distintos.

Observava as crianças órfãs e me sentia um pouco assim: perdida. Sem porto.

Apesar dos desencontros, tão brancos, ainda acho que amor não morre: é o coração que dilata, para caber mais.
Quem vai me provar o contrário?

Feliz Aniversário... Cleiton (estaria hoje com 22 anos...) e Cinthya (28).

(Cleiton...)







(Cinthya... e Miltinho)

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